Esta Nota informativa apresenta uma análise detalhada sobras a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32, de 2020, de autoria do Presidente da República, que altera disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa que foi encaminhada no final do dia 3 de setembro de 2020 ao Congresso Nacional. A mesma é composta por 10 (dez) artigos, os quais contém as alterações pretendidas na parte permanente da Constituição Federal, as regras de transição entre o modelo atual e o modelo proposto, assim como as revogações dos dispositivos constitucionais atualmente em vigor.
Um primeiro aspecto a ser considerado é que uma proposta de emenda à Constituição com a magnitude e abrangência que apresenta a PEC nº 32, de 2020, que dispõe sobre a organização e funcionamento do Estado e de sua força de trabalho deve ser a resultante de amplos e profundos debates com os atores interessados – sociedade e servidores públicos – antes de ser formalizada e encaminhada ao Congresso Nacional. Não se tem notícia de que esse debate prévio tenha ocorrido no âmbito do Poder Executivo.
Não se ouviu falar de consultas públicas, de debates, encontros, seminários, regionais e nacionais, que pretendessem reunir informações e avaliações de importantes setores da sociedade e do funcionalismo. Crítica nesse sentido é formulada no sítio oficial do FONACATE19.
A inexistência de um amplo debate impediu que alternativas pudessem ser apresentadas e avaliadas, como aquelas relacionadas à reorganização de carreiras, passíveis de serem veiculadas por normas infraconstitucionais.
Nesse sentido, é interessante constatar que um dos princípios que o Governo Federal pretende acrescentar ao caput do art. 37 da CF é o princípio da boa governança pública em que se destaca, segundo a EM nº 47/ME, de 2020, o cidadão, como centro de toda a atuação administrativa, incluindo o direito de ser ouvido antes de qualquer decisão administrativa que o afete desfavoravelmente, de ter acesso aos processos que tratem de seus interesses.
Um segundo aspecto que emerge da análise da proposição é que, a despeito da formulação principiológica e conceitual, de busca pela maior qualidade e eficiência dos serviços públicos, sua ênfase reside no aspecto meramente fiscal de corte de gastos com as despesas de pessoal.
Tivemos a oportunidade de constatar, após análise mais detida das alterações propostas, que o principal objetivo da PEC é tornar mais flexíveis as regras de contratação e de dispensa de servidores e empregados públicos, na administração direta e nas estatais, assim como de redução de remuneração e de benefícios previdenciários, ainda que essas medidas gerem, entre outros efeitos indesejados:
i) decréscimo na transparência da alocação orçamentária – e a PEC propõe acrescentar ao rol de princípios fundamentais da administração pública o princípio da transparência;
ii) significativa redução de competências do Congresso Nacional no debate sobre a estruturação do Poder Executivo para poder tornar efetivas as políticas públicas e assegurar aos cidadãos os direitos constitucional e legalmente previstos;
iii) desconsideração de pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na interpretação de normas constitucionais originárias;
iv) redução da proteção e da defesa da legalidade com a precarização da estabilidade de número significativo de servidores;
v) mitigação do princípio da igualdade de acesso aos cargos públicos;
vi) afastamento das regras gerais de licitação e contratos;
vii) mitigação dos princípios da legalidade e da impessoalidade com a precarização da estabilidade.
O foco fiscal da proposta é a redução das despesas. O ajuste do funcionamento do Estado sob a ótica das despesas – que é essencial e sempre será – é feito sem que o efetivo debate sobre a dimensão da arrecadação do Estado, do aprimoramento e da redistribuição da carga tributária de acordo com a capacidade contributiva, em exato cumprimento ao que preconiza o art. 145, § 1º, da Constituição, tenha avançado no Congresso Nacional.
Reafirmamos que, em um prognóstico realista e coerente com nossa história republicana, é ilusório depositar, na PEC, exclusivamente, esperanças de enxugamento significativo da folha de pagamento. Essa variável depende das políticas de pessoal de cada governo.
Falando em princípios que se pretende acrescentar ao texto constitucional, preocupa-nos, entre outros, o princípio da unidade que, de formulação tão ampla e polissêmica, pode se prestar ao cerceamento de manifestações técnicas que divirjam da orientação política de momento.
A conclusão geral a que chegamos é que medidas de impacto na racionalização do funcionamento da administração pública e na gestão do pessoal podem ser veiculadas por medidas legais, infraconstitucionais, e até por medidas regulamentares, infralegais.
Desnecessário o recurso à proposta de emenda à Constituição. Os efeitos das alterações, no caso da aprovação da PEC nº 32, de 2020, como encaminhada, podem ser devastadores para os princípios da impessoalidade, da eficiência, da legalidade, e da igualdade, ainda que formal, no acesso a cargos públicos. Ao se impor retrocessos à profissionalização do serviço público, pode-se chegar, na verdade, a resultados contrários aos esperados pela PEC ora sob exame, com aparelhamento e partidarização da máquina pública.
Na verdade, o debate sobre a reforma do aparato do Estado e sobre os servidores e empregados públicos deve ser feito com outra perspectiva. Deve ser considerada a qualidade do serviço prestado e o retorno em atendimento das demandas da sociedade e no balanceamento entre arrecadação e gastos públicos. As distorções devem ser enfrentadas com os instrumentos adequados. Não é razoável promover o desmonte de uma estrutura necessária para que seu funcionamento seja racionalizado.
São essas as informações que nos parecem relevantes no momento.
Permanecemos à disposição do Senador ... para prestar informações adicionais ou esclarecer dúvidas que eventualmente remanesçam sobre o tema tratado nesta Nota Informativa.
Consultoria Legislativa, 8 de outubro de 2020.
Clay Souza e Teles Consultor Legislativo
Ronaldo Jorge Araujo Vieira Junior Consultor Legislativo
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