Bolsonaro foi acertadíssimo quando declarou que estamos “num momento em que o mundo necessita da verdade para superar seus desafios”. Mas ele precisa seguir seu próprio conselho
Assistindo aos discursos de Jair Bolsonaro e Donald Trump para a ONU na terça-feira, me lembrei de uma das melhores canções de Chico Buarque, “O que será”. Com os dois presidentes tentando defender o indefensável — quase 350 mil mortos na pandemia, ambos os países em chamas, economias em queda vertiginosa —, o que veio à mente foi o refrão da canção, que aponta “o que não tem vergonha nem nunca terá, o que não tem juízo”.
Sim, houve momentos de lucidez, ao menos no discurso de Bolsonaro. Ele fez bem em destacar, no mais importante palco internacional, o papel fundamental do Brasil como celeiro do mundo, alimentando mais de 1 bilhão de pessoas. Também foi oportuno ressaltar que a matriz energética brasileira é uma das mais limpas e diversificadas do mundo. Mas o grosso do discurso foi simplesmente enganoso e até delirante, com longos trechos cheios de “o que não faz sentido”, como diz a letra da canção mencionada.
Vou deixar para outros rebaterem a acusação de que a imprensa brasileira “politizou o vírus, disseminando o pânico” e enfocar o meio ambiente. Dizer, para citar apenas um exemplo, que os incêndios se limitam ao “entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados” é um disparate. E a fumaça que sufoca Mato Grosso e Rondônia? Se a “floresta é úmida”, vem de onde?
Para quem segue há décadas a política ambiental brasileira, a retórica bolsonarista é tão demagógica quanto a lulista. Quando o ministro Augusto Heleno alegou que as críticas de “nações estrangeiras” sobre o desmatamento na Amazônia visam a “prejudicar o Brasil e derrubar o governo Bolsonaro”, ele apenas reciclou velhas declarações petistas. Em 2006, o ministro Luiz Furlan atribuiu as censuras internacionais do trabalho escravo na Amazônia ao fato de o Brasil desafiar “setores que estavam acomodados” e completou dizendo que “quanto mais competitivo for nosso país, mais entraves nos serão colocados”.
Parte do problema é que o Brasil tem dois discursos, um para o consumo externo e o outro para o interno, e ambos — um ameno, outro agressivo — são contraditórios. Vocês têm aquela expressão maravilhosa, “coisa para inglês ver”. Bom, o discurso de Bolsonaro na ONU, ofertando cooperação e gabando-se da “melhor legislação ambiental do mundo”, foi para inglês, francês e alemão ouvirem.
Mas uma arenga dessas nunca vai convencer o brasileiro; ele aprendeu a desconfiar de qualquer declaração oficial e sabe que a legislação carece de recursos. Então a alternativa, um discurso nacionalista e ufanista. Basta olhar para o documento escrito por Evaristo de Miranda, da Embrapa, que circula pela internet. É um sofisma: mistura alhos e bugalhos, comparando dados de 8 mil anos atrás com os atuais, manipula estatísticas-chave e ignora outras.
Vou antecipar a reação de bolsonaristas indignados, alegando que sou um gringo intrometido e que meu país não oferece exemplo a ninguém na questão ambiental.
Eles têm razão: sou gringo, e como todo jornalista, sempre fui muito narigudo. Mais relevante: não tem como negar que os Estados Unidos abusaram do meio ambiente, poluindo rios, derrubando florestas e aniquilando espécies.
Mas um erro não justifica o outro. Além disso, vale notar que essa tendência já foi revertida por aqui. Os incêndios na Califórnia não são consequência do desmatamento, mas sim um efeito colateral do reflorestamento maciço. Há 175 anos, o desmatamento na Nova Inglaterra, a região onde moro, foi tão grave que inspirou Henry David Thoreau a escrever Walden, ou a vida nos bosques, ainda hoje a bíblia do movimento ambientalista. Agora, em contraste, vivemos cercados de florestas e animais silvestres.
Também, não podemos esquecer que o desmatamento na Europa e América do Norte ocorreu sobretudo antes do século XX, quando a ciência ainda não tinha elaborada uma teoria geral do meio ambiente. Mas agora entendemos melhor as ligações entre os vários componentes da natureza e temos os dados para comprová-los. Com todo esse conhecimento, não há desculpa para repetir o passado.
E, por favor, não venha com o papo de que “a Amazônia é nossa”. Ninguém nega que a Amazônia seja brasileira; brandir documentos apócrifos para “provar” a suposta cobiça internacional é ver fantasmas onde não há. Mas todos respiramos o mesmo ar, e o Brasil tem um dever moral, uma tarefa enorme, de proteger o mundo. Então, faça um gerenciamento sério e responsável, pelo amor de Deus e à humanidade. Como diz a Bíblia, a quem muito foi dado, muito será exigido.
Bolsonaro foi acertadíssimo quando declarou que estamos “num momento em que o mundo necessita da verdade para superar seus desafios”. Mas ele precisa seguir seu próprio conselho. Não adianta tentar tapar a fumaça com a peneira.
Larry Rohter, jornalista e escritor, é ex-correspondente do “New York Times” no Brasil e autor de “Rondon, uma biografia”
FONTE: O GLOBO
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