Jogadora de vôlei de praia conta os motivos que a levaram a soltar “Fora, Bolsonaro” após o pódio em uma etapa do circuito brasileiro
Acostumada aos louros da vitória, Carol Solberg virou alvo de haters depois de comemorar ao vivo na TV gritando contra Bolsonaro. Foto: Buda Mendes / Getty Images
Foi totalmente espontâneo, um grito mesmo, uma coisa que estava entalada havia muito tempo na garganta, no peito, por conta das coisas que estão acontecendo em nosso país. E sinto que nós, atletas, temos a obrigação de usar nossa voz. E o momento em que estou em quadra é o momento em que tenho voz. Nunca tinha ficado tanto tempo sem jogar. Terminamos o torneio com a medalha de bronze. Depois da premiação, falando para a TV, não aguentei e gritei um “Fora, Bolsonaro!”. Como cidadã também me sinto na obrigação de manifestar e exercer minha cidadania. Não me arrependo, zero.
Fiquei praticamente parada durante quatro meses e meio por causa da pandemia. Não dava para treinar direito dentro de casa. Batia bola na parede, saltava na mesa improvisada como aparelho de exercício e fazia ioga para tentar manter alguma atividade. Isso somado a arrumar a casa, fazer comida, lavar a roupa, cuidar de dois filhos, ajudá-los com a escola e as lições. Esse momento, apesar de tenso, foi uma forma de ficar perto deles numa época em que eu estaria jogando o Circuito Mundial e bem distante de casa. É a época mais difícil do ano. Então, ficamos muito grudados. Foi o lado especial da pandemia.
Estava muito animada para voltar às quadras. O Circuito Nacional de Vôlei de Praia retornou no último fim de semana, em formato “bolha”, no Centro de Treinamento (CT) da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), em Saquarema. Foi organizada uma estrutura especial para que ficássemos mais seguros em relação à contaminação pelo novo coronavírus. De volta às areias, estava empolgada, feliz mesmo.
A dupla formada por Carol e Talita e conquistou o bronze em Saquarema Foto: Wander Roberto/Inovafoto/CBV
O esquema montado foi incrível, me senti segura, mas, ao mesmo tempo, achei estranho. Fizemos exames antes de ir e antes de entrar no CT. Não podíamos sair. Havia menos gente do que normalmente há em uma etapa do torneio. Existia protocolo para tudo. De como comer ao uso da quadra. Eu e a Talita, minha dupla, fomos melhorando no decorrer da competição. Estávamos sem ritmo de jogo, mas conseguimos ficar em terceiro lugar.
Depois do desabafo, que loucura, veio um turbilhão. Claro que existem os haters, esses bolsonaristas, mas nem estou vendo. Recebo muita coisa e optei por não ver. Não daria tempo mesmo. Quando voltei para casa, mal vi meu marido, que viajou a trabalho. Então, fiquei esses dias sozinha na função com meus filhos. A verdade é que as pessoas que importam, que são bacanas, que eu dou valor, estão comigo e me deram a maior força. O que mais ouvi delas, na verdade, foram frases como “está tudo bem aí?”, “cuidado, hein!”. Depois disso comecei a entender que deveria ter coisa bem barra-pesada.
Me pergunto: como pode tudo isso? As pessoas estão com medo por mim. Isso é tão absurdo. Tem gente querendo saber onde moro. Estou sofrendo ameaças. Mas são tantas mensagens legais que recebo, a cada dia tenho mais certeza de que estou do lado certo da História. Tenho medo, na verdade, em relação ao que o país está virando. O presidente incentiva discursos de ódio, o descaso com o meio ambiente, com a cultura e a maneira que lidam com a pandemia é muito pior. Isso sem falar da corrupção.
“A ATLETA, FILHA DA EX-JOGADORA DE VÔLEI ISABEL, FALA EM RISCO À DEMOCRACIA E CRITICA A GESTÃO DO PRESIDENTE JAIR BOLSONARO (SEM PARTIDO). ELA AFIRMA QUE NÃO SE PODE TER MEDO DE FALAR”
O maior medo que tenho é em relação à democracia. Vejo um monte de gente com medo de se manifestar. É o fim da picada! Sei que os atletas precisam de patrocínio para viver. Eu também. Mas não podemos ter medo. Quando voltei a jogar, após a gravidez do meu segundo filho, fiquei um bom tempo sem patrocínio. Em 2017, só investi. No ano seguinte, eu estava entre as duas melhores duplas do Brasil e tive apoio. Agora, como fiquei de fora dos Jogos Olímpicos de Tóquio, a maioria dos patrocinadores foi embora. Ficou apenas uma marca de isotônicos.
Meu marido, Fernando, a Talita e meu técnico, Renato França, estão fechados comigo. Não sabemos se vou sofrer alguma punição esportiva por causa dessa manifestação (a CBV, que é patrocinada pelo Banco do Brasil, repudiou a atitude). Amo o que faço, amo jogar vôlei. Sinto totalmente meu direito de fazer isso. Teve outra história no vôlei, do Wallace, que não sofreu punição (o atacante da seleção brasileira fez um gesto em alusão ao número 17 do então candidato à Presidência, em setembro de 2018, no Mundial da França). Sei que isso pode acontecer, mas acho errado. O Pantanal queimando, 140 mil mortes por Covid-19, o desgoverno do jeito que está e eu que vou ser punida?
Não imaginava que meu desabafo viraria o que virou. Mas quer saber? Estou feliz porque minha voz foi ouvida.
FONTE: O GLOBO
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