O presente artigo trata das benesses tributárias concedidas ao setor minerário que tanto explora o Estado de Minas Gerais (MG) e o Brasil há mais de 300 anos.
Minas Gerais, mais que qualquer outro estado brasileiro, sofre o efeito colonizador desde que o Brasil foi “descoberto”. O Estado Brasileiro antecedeu à formação da sociedade, tornando-se um instrumento de colonização e dominação. No Brasil, as camadas dominantes jamais renunciaram a seus privilégios, suprimindo desde cedo qualquer levante popular por mais direitos sociais. Tais elites atuam no sistema legal, político e econômico visando manter esses privilégios. Em teoria, o Estado existe para prover a seus cidadãos uma boa qualidade de vida, como disse Aristóteles, mas no entanto, o Estado Brasileiro serve a um seleto grupo de privilegiados.
Minas respondeu por aproximadamente 50% da arrecadação minerária do Brasil [2] em 2013. No entanto, essa arrecadação deveria ser maior, posto que o Brasil é um dos países que cobra os menores royalties sobre a mineração no mundo [3].
Para resolver essa defasagem na arrecadação, é necessário que o Congresso Nacional elabore e aprove o novo marco regulatório para o setor, com respeito a sociedade e ao meio ambiente, e não atendendo aos interesses daqueles que financiam campanhas eleitorais [4]. Também é necessária uma mudança na legislação tributária para que sejam revistas as benesses tributárias para este setor e a implantação de uma fiscalização eficiente. Em MG, um estado com grande atividade minerária o órgão fiscalizador Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPMpossui somente 4 funcionários.
De acordo com relatório do TCU (2011) [5], de cada quatro áreas onde há extração de minério no País, apenas uma faz o devido recolhimento do royalty de mineração, a chamada Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais –CFEM. O mesmo relatório aponta a quase inexistência de fiscalização desta contribuição pelo DNPM. Presume-se que quem pratica a sonegação de royalties, o faça também com relação a outros tributos, sobretudo imposto de renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
A falta de fiscalização é um grande facilitador para estas práticas. Em MG, onde somente a extração de ferro atingiu o volume declarado de 265,7 milhões de toneladas em 2013 [6], é impossível acreditar que,com o número de fiscais que o DNPM possui, seja capaz de efetuar a fiscalização do setor minerário de todo o Estado de MG.
Diversas organizações internacionais têm feito denúncias a respeito de supostas irregularidades (sonegação fiscal decorrente de subfaturamento e/ou preços de transferências com recebimento das diferenças em paraísos fiscais) na exportação dos minérios do Estado de MG e do restante do Brasil (nióbio, ouro, minério de ferro e outros).
Quando se fala em pagamento justo, a proposta vai além do simples pagamento de tributos. Pressupõe-se uma base tributária que proporcione a implementação políticas públicas que assegurem os direitos das pessoas e consiga reverter as desigualdades [7]. Se os recursos minerais são propriedade do Estado, é legítimo exigir que os benefícios da exploração destes recursos, cujos impactos negativos podem ganhar a dimensão de catástrofes em muitos casos, sejam revertidos a favor da sociedade. É necessário que a sociedade, que é a razão de ser do Estado e não o contrário, tenha sua contrapartida em função da exploração de recursos minerais.
Minas Gerais: 10 maiores empresas em relação a Lucro Líquido / Recolhimento de Tributo – Exercício 2014
Analisando os dados da tabela acima, constata-se que a Samarco Mineração S/A, empresa responsável pelo maior desastre ambiental do Brasil ocorrido em Mariana/MG em 05-11-2105 [8], teve, em 2014, lucro líquido de mais de R$ 2,8 bilhões, ano em que pagou cerca de R$ 614 milhões em tributos (impostos, taxas e contribuições), para os três níveis de governo, gerando apenas2.969 empregos diretos. A Samarco está também na segunda colocação no Estado em EBTIDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortizações), com cerca de R$ 3,7 bilhões [9].
É evidente que as mineradoras brasileiras contam com vantagens significativas, posto que conseguem obter rentabilidades extremamente altas com relação a outras atividades industriais, ao mesmo tempo que provocam impactos ambientais profundos nas áreas onde a atividade minerária é exercida. O Estado de MG, por ser o maior produtor de minérios do Brasil, é o mais prejudicado por tais atividades, sobretudo porque quando os recursos escassearem ou perderem valor de mercado em função de redução da demanda, não tem sido beneficiado na medida justa em função da exploração dos seus recursos minerais.
O cenário ainda pode piorar em breve, caso seja aprovado o projeto em tramitação no Congresso brasileiro do novo código de mineração (Projeto de Lei 5.807/2013 [10]), que tem sido debatido sem considerar as vozes da sociedade (movimentos sociais e comunidades envolvidas com a exploração mineral). Há outros agravantes, como estabelecer que caberá à Agência Nacional de Mineração a autorização de qualquer atividade que cause impedimento de atividades minerárias (unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas). Vale ressaltar que o relator do Projeto de Lei (deputado eleito em MG) recebeu R$ 380 mil das empresas do setor minerário na sua campanha eleitoral o mesmo ocorrendo com a maioria dos 31 parlamentares que compõem a comissão especial [11].
A sociedade mineira tem, urgentemente, que discutir os rumos do Estado, revendo sua condição eterna de colônia, exportadora de minérios brutossem nenhum valor agregado e exigir que a sua participação seja efetiva na discussão do novo Marco Regulatório da Mineração. Exigir que as mineradoras paguem o justo e, o justo vai muito além de tributos [12]. Que a atividade minerária possa devolver a sociedade tudo que lhe foi tirado. Que as riquezas do Brasil e de Minas sejam para o seu povo!
__________________________________________________________________________
[1] Auditora Fiscal de Tributos Municipais (aposentada), Especialista em Direito Tributário, Economista, Auditoria Cidadã da Dívida, integra a Red de Justicia Fiscal de América Latina y el Caribe e participa da grande campanha internacional #quelastransnacionaispaguenlojusto; com a colaboração de Rafael Machado, Geógrafo, Engenheiro Ambiental e Urbano, Auditoria Cidadã da Dívida – Núcleo São Paulo.
[2] Sumário Mineral, DNPM – 2014 – http://www.dnpm.gov.br/dnpm/sumarios/sumario-mineral-2014.
[3] A Lei no 7.990, de 28/12/1989,definiu a base de cálculo da CFEM – www.planalto.gov.br
[4] Portal do Jornal Estado de Minas: “As mineradoras estão entre os maiores doadores da última campanha eleitoral. […] elas ocupam o quarto lugar, perdendo apenas para alimentação, bancos e construção. Juntas, doaram R$ 32,7 milhões para os 15 partidos cujos candidatos disputaram uma vaga na Câmara, principalmente por Minas Gerais, Pará e Bahia, maiores estados mineradores do Brasil”-http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/11/15/interna_gerais,708080/mineradoras-financiam-politicos.shtml
[5] TCU identifica falhas na fiscalização do DNPM em MG. Disponível em: http://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-identifica-falhas-na-fiscalizacao-do-dnpm-em-mg-1.htm
[6]MG respondeu por 68,8% da produção de ferro no Brasil, que atingiu 386,3 milhões de toneladas em 2013, ver Sumário Mineral 2014 (DNPM), link citado nota2.
[7]Ver Encíclica do Papa Francisco Laudato Si -Sobre o Cuidado da Casa Comum.
[8] Um barragem da Mineradora Samarco (propriedade da Vale S/A e da BHP Billiton S/A) se rompeu provocando a morte de dezenas de pessoas, destruição de povoados, e a “morte” do Rio Doce, prejudicando milhares de pessoas residentes nas margens do rio à jusante das barragens rompidas.Está sendo considerado o maior desastre ambiental do Brasil.
[9]Revista Mercado Comum, no 256, pag. 51 – www.mercadodcomum.com
[10] http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=581696
[11]http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente/Novo-Codigo-da-Mineracao-o-neoliberalismo-explicito-do-Congresso-Nacional/3/33769
[12] www.paguenlojusto.org
18 de novembro de 2015
Clicando aqui você pode conferir o Informativo do SindiContas/PR referente ao Ciclo de...
21 de novembro de 2024 Encontro da Pública alinha estratégias e planeja mobilizações
21 de novembro de 2024 Estabilidade no Serviço Público: Pilar da Defesa do Estado, não Privilégio!
21 de novembro de 2024 Almoço Comemorativo Celebra o Dia do Servidor Público na Sede Recreativa da ABRTC
12 de julho de 2021 O recente entendimento do STF sobre a constitucionalidade suspensão das licenças-prêmio dos servidores públicos.
04 de janeiro de 2022 Fim da vigência da Lei Complementar 173/20
09 de maio de 2018 Temer acredita que seria útil votar reforma da Previdência para futuro presidente
O Sindicato dos Servidores do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (SINDICONTAS/PR) utiliza alguns cookies de terceiros e está em conformidade com a LGPD (Lei nº 13.709/2018).
CLIQUE AQUI e saiba mais sobre o tratamento de dados feito pelo SINDICONTAS/PR. Nesse documento, você tem acesso às atualizações sobre proteção de dados no âmbito do SINDICONTAS/PR bem como às íntegras de nossa Política de Privacidade e nossa Política de Cookies.
Comente esta Notícia