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Truculência

  • 22 de outubro de 2020

Em qualquer outra situação que não fosse a atualidade, teríamos chamado Trump de bestial e em Biden teríamos reconhecido a polidez e a civilidade. Mas não

Tenho refletido muito sobre a truculência e a falta de civilidade nestes últimos dias. Começou com o documentário O dilema das redes, a que assisti no último fim de semana. Para ser sincera, gostei menos do que imaginava. Achei os “protagonistas” mais interessados em expiar suas culpas do que em outra coisa — quem acha realmente que aqueles que criaram o monstro que dizem ter criado vão agora resolver a situação? Achei também o filme bastante enviesado. As redes sociais são uma armadilha e podem fazer muito mal, sim. Por outro lado, muitas conexões com pessoas interessantes e acesso à informação e estudos científicos são possíveis e acessíveis nas redes, sobretudo no Twitter. Ao longo destes meses de pandemia, conheci muita gente com quem hoje colaboro. Mas divago. As redes são, sim, uma das fontes de normalização da truculência.

Vejo isso com alguma frequência, nos ataques orquestrados e na falta de educação explícita. Já fui alvo de alguns desses ataques e de muita falta de educação, assim como qualquer outra pessoa que apareça publicamente com certa frequência. Portanto, a truculência me é familiar. Às vezes ela me causa certa perplexidade, já que, não raro, alguém resolve tecer provocações em praça pública sem perceber que ao fazê-lo se expõe ao ridículo. Mas o que realmente me fez pensar sobre a truculência foi o debate entre Trump e Biden na última terça-feira. O enredo já era esperado, embora na prática tenha sido bem mais exagerado do que na imaginação. Trump comportou-se como o bully que é, interrompendo o moderador e o adversário sem parar, aos berros, demonstrando toda a barbárie patética a qual um ser humano é capaz de se render. Biden recusou-se a entrar no ringue armado por Trump e desse modo desestabilizou nitidamente o homem que desconta do imposto de renda cuidados com a cabeleira.

A recusa virou motivo de críticas. Vi gente dizendo que Biden parecia uma múmia, não reagia, não tinha “pegada”, não sabia “bater de volta”. Ao ler essas críticas me dei conta de que nós normalizamos em definitivo a truculência. Goste-se ou não de Biden, ele se comportou como uma pessoa normal. Manteve o autocontrole perante as agressões do outro, ficou impassível diante das provocações diversas e das interrupções sem trégua. Foi sério, sóbrio e fiel a seu temperamento. Biden não é um sujeito combativo. E Biden, para os muitos que não sabem, é gago. Por esse motivo, as investidas de Trump, as tentativas de chamá-lo de velho gagá às vezes acabam convencendo algumas pessoas que desconhecem esse aspecto tão importante do candidato democrata. Em qualquer outra situação que não fosse a atualidade, teríamos chamado Trump de bestial e em Biden teríamos reconhecido a polidez e a civilidade. Mas não.

Nestes tempos em que a truculência foi normalizada, inconscientemente clamamos pelo enfrentamento. “Bata mais forte!” “Esmurre!” “Derrube ao chão e pise!” E então nos esquecemos do óbvio: a truculência é autoritária. Com a truculência não há debate ou engajamento possível. A truculência que condenamos é a mesma que queremos ver nos outros quando nos convém.

Essas reflexões muito têm me incomodado, sobretudo no contexto brasileiro, em que sobra truculência. O presidente da República, o tal do episódio do Leblon, a briga no restaurante chique de São Paulo. Será mesmo tudo isso fruto dos algoritmos das redes que mudam nosso comportamento? Ou será algo mais primitivo que reside dentro de nós, o cérebro reptiliano cujo instinto é atacar, o mecanismo de “pensar rápido” como ilustrou Daniel Kahneman em seu magistral Rápido e devagar.

Dominados por instintos apenas, não iremos a lugar algum. Dominados por instintos apenas, não somos tão diferentes daqueles que criticamos. Dominados por instintos apenas, nos expomos em praça pública sem reparar em nossa própria insignificância. Biden, dadas suas limitações de locução, é forçado a pensar devagar. Pensar é como degustar. Para contrapor o fast food surgiu o “slow food”. Sugiro que para contrapor a truculência inauguremos o “pensar devagar”. Quem sabe isso nos ajude até a lidar com o dilema das redes.

Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins

FONTE: O GLOBO

   
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