Não bastasse todo o ambiente de incerteza política e econômica, os contribuintes vêm enfrentando um ambiente tributário cada vez mais imprevisível.
Em maio de 2018, na esteira da greve dos caminhoneiros que afetou o país, o governo federal promulgou a Lei nº 13.670, que reduziu consideravelmente o número de setores beneficiados pela chamada desoneração da folha de salários, que se dá mediante a substituição da contribuição previdenciária sobre a folha pela Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB).
Apesar de esta lei observar a regra da anterioridade nonagesimal, que determina sua entrada em vigor apenas após 90 dias de sua publicação, ela de toda forma surpreende e frustra as expectativas dos contribuintes, uma vez que a opção pelo regime da CPRB era até então, apesar de facultativa, irretratável para todo o ano calendário da opção.
No início de 2018, portanto, milhares de contribuintes, ao planejarem seus negócios para o ano, levaram em conta no cálculo de seus gastos com pessoal os efeitos da opção irretratável pela CPRB, confiando que este regime permaneceria imutável até o final do ano, tal como previsto na legislação em vigor. Agora em setembro, quando entrou em vigor a nova lei, porém, estes mesmos contribuintes se viram obrigados a retornar para uma tributação quase sempre mais gravosa.
O absurdo desta situação tem sido aos poucos reconhecido pelos nossos tribunais, em situações nas quais os contribuintes buscaram fazer valer o princípio da segurança jurídica, da proteção da confiança e da boa-fé objetiva. Recentemente, por exemplo, a Fiesp obteve liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, que assegura a manutenção do regime da CPRB para seus associados (5018908-68.2018.4.03.0000).
A mesma Lei nº 13.670 também alterou a legislação que trata da possibilidade de compensação de estimativas mensais de IRPJ e CSLL.
Para as empresas sujeitas à apuração do IRPJ e da CSLL no chamado lucro real, a legislação faculta a opção pelo recolhimento destes tributos em estimativas mensais, calculadas sobre a receita bruta mensal (com os devidos ajustes). Esta forma de recolhimento deve ser escolhida pelo contribuinte também no início de cada ano e é irretratável. Estas estimativas eram, até então, consideradas como débitos comuns, que poderiam ser compensados com eventuais créditos que o contribuinte tivesse em face da Receita Federal.
A opção pelo regime de estimativas mensais em muitos casos foi influenciada justamente pela disponibilidade de estoque de créditos e pela possibilidade de sua compensação contra as estimativas mensais.
Novamente, porém, no curso do ano, os contribuintes que fizeram esta opção são pegos de surpresa e ficam impossibilitados de compensar estas estimativas, passando a ter um desembolso de caixa mensal não planejado. E, ainda mais, estão presos a este regime até o final do ano.
O Judiciário também tem reconhecido a ilegitimidade desta vedação (exemplo, MS 5012888-50.2018.4.04.7108/RS), em razão da violação à segurança jurídica causada pela alteração repentina nas regras do jogo.
No mesmo pacote de medidas para aumentar a arrecadação e no mesmo dia 30 de maio, o governo também editou o Decreto nº 9.393, que reduziu o benefício do chamado Reintegra, que concede crédito às empresas exportadoras, como forma de compensar o resíduo da tributação ao longo da cadeia de produção de bens exportados.
Este crédito é representado por um percentual das receitas de exportação e já foi, no passado, reduzido de forma repentina.
A legislação então em vigor previa que o crédito do Reintegra seria de 2% para o ano de 2018. O novo decreto, porém, reduziu o percentual para 0,1% a partir de 1º de junho de 2018, praticamente anulando o benefício.
Mais uma vez, os contribuintes que direcionaram sua atividade para a exportação e contaram com o retorno do benefício que estava previsto para 2018 foram surpreendidos no curso do ano, com a quase extinção do referido crédito. Nesta situação, aliás, sequer o prazo de 90 dias para a entrada em vigor das alterações foi respeitado, o que levou o Judiciário também a conceder medidas liminares para determinar que, pelo menos, o prazo de 90 dias seja respeitado, e, em alguns casos, garantiu o benefício original até o final do ano.
É inegável o direito e até o dever do Estado brasileiro de buscar o equilíbrio das contas públicas, mas não pode fazê-lo atropelando as garantias e os direitos dos contribuintes, especialmente nestas situações em que eles são induzidos a adotar estratégias de negócios fundadas em normas e opções vinculativas para todo o ano, para em seguida serem surpreendidos com uma tributação mais gravosa.
Nos momentos de crise é que a segurança e a confiança são colocadas à prova. A União deveria zelar por medidas que assegurem um ambiente econômico estável e confiável, para não aumentar, ainda mais, a sensação de insegurança no país.
Felipe Jim Omori é especialista da área tributária do escritório KLA Advogados
Fonte: Valor Econômico
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