2019 será o sexto ano consecutivo de deficit nas contas do governo, o que alimenta a desconfiança de investidores e trava o crescimento econômico. Possibilidade de descumprimento da regra que limita endividamento traz risco de impeachment
Seja Jair Bolsonaro, do PSL, seja Fernando Haddad, do PT, o candidato que vencer nas urnas no segundo turno já terá seu governo ameaçado no primeiro dia em que puser os pés no Palácio do Planalto. Reduziro o rombo nas contas públicas, que é essencial para a retomada do crescimento econômico, é um dos dois maiores desafios que o próximo presidente terá de enfrentar. Com um deficit primário previsto em R$ 139 bilhões para 2019, será preciso fazer malabarismo para equilibrar as contas e se enquadrar na chamada regra de ouro — sob o risco de enfrentar um processo de impeachment logo após o primeiro ano de mandato.
Estabelecida pelo artigo 167 da Constituição, a regra de ouro proíbe que o governo se endivide para pagar despesas correntes, como salário de servidores, benefícios sociais e gastos de custeio da máquina pública. O objetivo é limitar o crescimento da dívida e assegurar que, caso haja endividamento, ele seja usado para investimentos, ou seja, para aumentar as riquezas do país. Parece fácil, afinal, assim como em uma empresa, se são feitas para bancar investimento, as dívidas tendem a ser compensadas no futuro.
Porém, o próximo chefe de governo não vai achar essa matemática tão simples. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o ano que vem, aprovada pelo Congresso, prevê que as despesas obrigatórias ocuparão 93% do orçamento, sendo a Previdência responsável por 44,3% do total. Além disso, com a previsão de R$ 139 bilhões de deficit para o governo central — que inclui Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência, 2019 deverá ser o sexto ano consecutivo em que o governo fechará com deficit. Assim, a preocupação se volta para a arrecadação e os gastos. No primeiro semestre de 2018, por exemplo, houve saldo negativo de R$ 27,8 bilhões, e, mesmo assim, esse foi o melhor resultado para os primeiros seis meses de um ano desde 2015.
Segundo o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco, o cenário preocupa investidores. “Quem está emprestando dinheiro para o país começa a pensar se vale a pena continuar, com medo de não ser pago. As agências de classificação de risco, que já nos rebaixaram, fazem um alerta. Isso gera a dúvida se o país vai conseguir reequilibrar as finanças em um tempo razoável, o que cria receio nos investidores internacionais e nacionais”, explica o secretário.
Por isso, o mercado espera uma postura mais incisiva do próximo presidente, com o objetivo de amenizar o rombo e impedir que o endividamento cresça. “Para equilibrar as contas, os caminhos são claros, ou se aumenta a receita, ou se diminui a despesa, ou se faz um misto dessas possibilidades. Precisa-se discutir aquilo que vale a pena. Os reajustes dos servidores concedidos pelo presidente Michel Temer geraram um impacto negativo, e as regras da aposentadoria também não ajudam nesse cenário”, diz Castelo Branco.
Em agosto passado, a dívida pública bruta atingiu 77,3% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o Banco Central. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2017, o endividamento foi muito maior do que a média dos países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), de 54,4%, e de economias emergentes, 49%. O FMI acredita que essa situação ainda possa piorar, com a dívida brasileira alcançando 92,7% do PIB em 2020.
Para Pablo Spyer, diretor de operações da Mirae Asset, o mercado está de olho na disposição do próximo ocupante da cadeira presidencial para levar adiante e negociar com o Congresso as reformas necessárias para a retomada econômica. “É imprescindível que ele consiga aprovar, da forma mais rápida possível, as medidas de contenção de gastos, como a Reforma da Previdência, que reduza os subsídios dados pelo governo anterior, e, especialmente, que diminua o tamanho da máquina pública”, explica.
Analistas reconhecem que há muita resistência à aprovação de reformas, mas acreditam que esta é a única saída, devido ao limite imposto pelo teto de gastos. Desde a aprovação do teto, em 2016, o gasto público total do governo federal não pode, a cada ano, crescer em percentual maior do que a inflação do ano anterior. O professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli afirma que a solução passa tanto pela política quanto pela economia. “As áreas não são dissociadas. O Brasil vive um impasse político e uma situação econômica delicada. Um governo com um mínimo de consenso e confiabilidade vai despertar a confiança dos investidores. E, aí, é preciso definir quais reformas fazer”, comenta o professor.
A luz no fim do túnel pode estar na inflação controlada e na taxa básica de juros (Selic) mais baixa da história, 6,5% ao ano. Outro ponto de alívio são as reservas internacionais elevadas, US$ 380 bilhões. Porém, mesmo com esses refrescos, se quiser se manter no poder e ter governabilidade, o futuro presidente precisará estar alinhado com a tríade das contas públicas — regra de ouro, teto de gastos e meta fiscal (veja arte).
Em 2017, as contas públicas foram salvas por uma devolução, pelo BNDES, de R$ 50 bilhões que havia tomado emprestados no Tesouro. Em 2018, mais uma vez, a entrada de R$ 130 bilhões do banco livrará o governo de descumprir a regra de ouro. Mas, segundo o Ministério do Planejamento, em 2019, faltarão R$ 200 bilhões para a norma ser respeitada. Caso a regra não seja seguida, o futuro presidente pode ser enquadrado por crime de responsabilidade fiscal e submetido a processo de impeachment no Congresso.
Para Fábio Klein, analista sênior da Tendências, o mercado analisa, com cautela, o plano dos principais candidatos à presidência. “Espera-se que, em um cenário básico, o vencedor seja reformista. Porém, acredito que ele não será tão reformista assim. De um lado, há uma sinalização mais pró-reforma do Bolsonaro, mas que, na prática, pode ser dificultada pelos problemas de governabilidade”, analisa.
“Do outro lado”, acrescenta Klein, “há Haddad, do qual se espera uma volta de gastos maiores, mas com responsabilidade. Não seria um retorno à nova matriz econômica, já que o teto de gastos impõe limites. A verdade é que os dois concorrentes tendem a encarar um ambiente de realidade dura e precisam executar medidas que impliquem em avanço da reforma fiscal, com a aprovação da reforma da Previdência, ainda que o grau de mudança varie entre eles”, compara.
Fonte: Correio Braziliense
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