O candidato que vencer a eleição presidencial vai administrar o país após o pior ciclo de piora da desigualdade social desde a redemocratização. Dados levantados pela FGV Social mostram que entre o fim de 2014 e o terceiro trimestre deste ano, o Índice de Gini da renda do trabalho - que varia de zero a um, sendo zero a distribuição perfeitamente igualitária - saltou de 0,5636 para 0,5915. Foram 11 trimestres seguidos de avanço em bases interanuais, uma sequência de piora que não era vista desde os anos 80.
Este foi o mais recente movimento dos quatro grandes ciclos da desigualdade dos últimos 60 anos, segundo o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social e autor dos cálculos.
A distribuição da riqueza, tema pouco presente do debate eleitoral, tornou-se ainda mais desigual nos últimos quatro anos, quando a crise afetou a renda dos 40% mais pobres da população. Para especialistas, o próximo presidente terá o grande desafio de enfrentar a desigualdade atacando problema estruturais, com a educação pública ruim, o sistema tributário injusto e aposentadorias privilegiadas.
Entre as propostas dos candidatos à Presidência, estão temas como reforma tributária orientada pela progressividade, reforma da Previdência para combater privilégios, ampliação de programas de transferência de renda (como o Bolsa Família) e geração de empregos formais. Estas são algumas das ideias citadas para reduzir o abismo entre ricos e pobres no país.
O primeiro ciclo de aumento da desigualdade ocorreu nas décadas de 60 e 70, período que Neri batizou de "milagre concentrador". Ele refere-se a uma fase de forte crescimento econômico, acompanhada pela disparidade crescente entre o topo e a base da pirâmide.
De meados da década de 70 a 2001, a desigualdade não teria mostrado uma tendência clara de comportamento. É um período de instabilidade no Índice de Gini e na renda dos brasileiros. "São décadas perdidas na dimensão da renda e da desigualdade, embora o período inclua momentos relevantes, como a abertura política e a estabilização inflacionária, com o Plano Real", diz Neri.
O país entrou em um ciclo de queda da desigualdade a partir de 2001. Nesse período, houve melhor distribuição da renda por meio da geração de emprego, programas de transferência de renda e aumento do acesso à educação. Foi também, por outro lado, o período em que se "semeou" a crise econômica dos anos seguintes.
"O quatro trimestre de 2014 marcou o início do abismo. Primeiro houve aumento da desigualdade acompanhada de perda de renda da população. A partir de meados de 2016 percebemos recuperação da renda média, mas isso não se traduz em melhora de bem-estar para a população porque a desigualdade segue crescendo", afirma Neri.
O Valor consultou as campanhas dos cinco candidatos mais bem colocados nas pesquisas Ibope e Datafolha para conhecer as propostas. Apenas a de Jair Bolsonaro (PSL) não retornou. O programa do candidato no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pouco apresenta sobre o tema. Sugere que o desequilíbrio fiscal gera inflação, que aumenta a desigualdade. E que o debate sobre privatização visa a distribuição de renda.
Segundo colocado, Fernando Haddad (PT) cita em seu programa a necessidade de uma reforma tributária orientada pelos princípios da progressividade e isenção de Imposto de Renda para trabalhadores que vivem de até cinco salários mínimos, sendo que os "super-ricos pagarão mais". Também cita a necessidade de reforçar os investimentos no Bolsa Família e a valorização de salários.
O candidato do PDT Ciro Gomes coloca como prioridade investimento na melhoria da qualidade da educação pública e ampliação de programas sociais, além de assegurar empregos de qualidade. Ele também defende "estabelecer maior progressividade na cobrança de impostos, cobrando menos da classe média e dos mais pobres e mais de quem pode pagar mais".
Já a campanha da candidata da Rede Mariana Silva sugere como caminhos as reformas tributária, da Previdência e ainda iniciativas na área de saúde e educação. O programa de Geraldo Alckmin (PSDB), por sua vez, fala em melhorar a educação pública e incrementar o programa Bolsa Família, aumentando os benefícios para os mais necessitados".
A desigualdade é medida pela distância da renda da parcela mais pobre e da mais rica da população. É possível reduzir a desigualdade, portanto, sem tirar nenhum brasileiro da pobreza - bastaria deixar os mais ricos menos ricos para reduzir a distância. Esse não é, claro, o caminho desejável. O fato é que nenhuma medida isolada seria suficiente para reduzir a desigualdade.
Segundo Neri, todas as medidas têm seu papel na redução da desigualdade. Ele defende maior ênfase nas políticas de renda e reforma da Previdência. "A reforma bem desenhada é a mais urgente para redistribuir renda aos mais pobres, combater entraves fiscais ao crescimento e gerar equidade", diz ele, que foi ministro no governo Dilma Rousseff e hoje não contribui com nenhuma campanha.
Pedro Herculano Guimarães, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), defende um espectro amplo de medidas, como a melhoria na qualidade do ensino público de forma "massificada", além de uma reforma tributária.
"É preciso discutir uma reforma tributária que se preocupe em taxar menos o consumo e serviços e aumentar gradualmente peso de outros tributos, como imposto sobre a renda de algumas aplicações financeiras, lucros e dividendos. Programas de transferência de renda são importantes, assim como a reforma da Previdência e crescimento econômico."
Guimarães coloca em dúvida, contudo, a queda da desigualdade do país nas últimas décadas. Ele é um dos pioneiros no Brasil do uso do método do francês Thomas Piketty para analisar a desigualdade social ao incluir dados de Imposto de Renda nos cálculos do Índice de Gini.
Para Guimarães, houve de fato queda da desigualdade da renda do trabalho, mas houve ao mesmo tempo um aumento dos rendimentos de capital no período de 2006 a 2012. Isso significa que houve um jogo de forças em direções opostas, que tendem a se anular. Para o tamanho da desigualdade de renda do Brasil, portanto, pouco teria mudado ao longo de quase uma década. A partir de 2016 houve recuperação da renda média, mas isso não se traduz em melhora de bem-estar.
Fonte: Valor Econômico
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