Documento acusa área técnica da corte de embaraçar negociação com empresas corruptas
Num despacho recheado de críticas, o governo federal avisou ao TCU (Tribunal de Contas da União) que não vai submeter nenhum acordo de leniência com empresas investigadas por corrupção ao seu aval prévio.
No documento, obtido pela Folha, os ministros da AGU (Advocacia-Geral da União), Grace Mendonça, e da CGU (Controladoria-Geral da União), Wagner Rosário, acusam a área técnica da corte, composta por auditores, de constranger seus servidores e de “embaraçar sistematicamente” a política de negociação com empresas suspeitas de desvio de recursos.
O ofício de quatro páginas foi entregue às 17h56 de segunda-feira (9) ao presidente do TCU, Raimundo Carreiro, após Grace e Rosário anunciarem à imprensa ter chegado a um entendimento com a Odebrecht, por meio do qual o grupo se comprometeu a pagar R$ 2,7 bilhões ao erário.
O anúncio pegou autoridades e técnicos do tribunal de surpresa. Eles alegam que os dois ministros haviam acertado com a corte que não assinariam o acordo com o conglomerado sem antes enviar o processo para fiscalização. Grace e Rosário negam.
A suposta promessa evitou que o TCU decretasse, antes, uma medida cautelar proibindo a assinatura do termo por 60 dias. A área técnica do tribunal acusa o governo de impedir o acesso aos documentos da leniência e, com isso, obstruir seu papel de fiscalizar atos da administração federal.
O TCU marcou para esta quarta (11) o julgamento do pedido de cautelar. Na véspera, o ministro relator, Marcos Bemquerer, ainda preparava seu voto a respeito, mas a tendência é de que a medida não seja tomada pelo plenário, para evitar que o assunto seja judicializado pelo governo e isso amplie o cerco ao tribunal no STF (Supremo Tribunal Federal).
Decisões do TCU quanto ao tratamento dado a informações de delações premiadas e ao bloqueio de bens de envolvidos na Lava Jato têm sido recorrentemente questionadas na corte máxima do país.
Nesta terça, a chefe da AGU teve longa reunião com integrantes do tribunal para explicar as posições do governo. Prometeu que, enfim, entregaria o acordo da Odebrecht à corte.
O TCU aprovou em 2015 uma instrução normativa que obriga o governo a enviar todas as fases dos acordos de leniência para sua análise e aprovação prévias. De lá para cá, a norma tem sido fonte de conflito entre os órgãos, que, no entanto, buscavam entendimento quanto a essa exigência.
No documento enviado a Carreiro, Grace e Rosário alegam que não se pode extrair da Lei Anticorrupção e da Constituição competência do TCU para formular ou fiscalizar as tratativas com as empresas.
“Visando à preservação do instituto do acordo de leniência e os espaços institucionais e legais de nossas instituições, importante esclarecer que as informações relativas a processos de acordos de leniência serão devidamente disponibilizadas a esta corte após a assinatura do acordo”, avisa o documento.
Os dois ministros sustentam que a área técnica do TCU tem “sistematicamente embaraçado o livre curso” da política de negociação com empresas. “Essa afirmação pode ser facilmente comprovada a partir de inúmeros procedimentos abertos neste tribunal tendentes a impedir o cumprimento, pelas instituições competentes, de seu dever legal de trabalhar para a implementação dos acordos”, afirma outro trecho do relatório.
“Tais procedimentos chegam à inusitada pretensão de impedir, por intermédio de decisão cautelar postulada a esta corte de contas, que os dois órgãos de Estado efetivem a assinatura de acordos de leniência antes da autorização deste tribunal”, acrescentam os chefes da AGU e da CGU.
Os dois ministros reclamaram também que, nos casos de acordos já assinados, as equipes do TCU têm feito reuniões com integrantes das comissões do governo que negociam com as empresas e exigido a apresentação dos CPFs dos participantes para fins de eventual responsabilização por condutas irregulares. Os servidores, segundo o documento, têm sido ainda inquiridos sobre cada cláusula pactuada com as empresas e registrado as respostas em ata.
Para integrantes do governo, ouvidos pela Folha, a conduta dos auditores é intimidatória. “Tal postura tem gerado desconforto, quando é certa a ausência de competência desta corte de contas para aferir a conduta de tais membros no âmbito dos acordos. Todo o esforço dos membros da comissão está voltado a reaver, em sua máxima extensão, valores correspondentes aos danos ao erário. Não há qualquer prática de ilícitos pelos membros da comissão”, diz o despacho dos ministros.
Procurado pela Folha, o TCU informou que não comentaria as críticas.
Os acordos de leniência são espécies de delações premiadas de pessoas jurídicas, por meio dos quais empresas envolvidas em ilícitos se comprometem a colaborar com as investigações e a restituir danos ao erário. Em troca, recebem benefícios, como a redução dos valores das multas e, no caso das negociações com órgãos vinculados ao Executivo, a possibilidade de continuar participando de licitações.
Fonte: Folha de S. Paulo
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