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Artigo educativo: o Whatsapp está nos deixando mais burros

  • 04 de junho de 2018

O vídeo é caseiro e o senhor de paletó desalinhado está enfurecido. Entre um perdigoto e outro, chama os políticos de “canalhas”, “calhordas”, “desgraçados”. Diz que 200 milhões de “pessoas de bem” podem passar por cima do Congresso na hora em que quiserem.

– Quem é?

– Sei lá. Parece que é um empresário de Santa Catarina. Compartilhei porque é exatamente o que eu penso.

***

Áudio de suposto general convoca o “povo brasileiro” a ir para a frente do Palácio do Planalto na noite do dia 30. Quando der oito horas do dia 31, o Exército vai depor Temer (que mora no Jaburu) e fazer a intervenção militar.

– Verdade?

– Esse amigo meu só me passa coisa quente.

***

Gente, tá tendo o maior quebra-pau na Câmara! O Temer, a pedido do Rodrigo Naia [sim, Naia], decretou estado de sítio. Os deputados estão saindo na porrada. O Exército foi convocado. A TV não está passando. Assistam o vídeo [de uma briga antiga no Congresso].

– É sério?

– Isso a gente não vê na Globo!

***

Entre as coisas que a greve dos caminhoneiros nos mostrou, uma das mais evidentes foi o poder do WhatsApp. O onipresente aplicativo de troca de mensagens foi fundamental para a organização do paradão, além de funcionar como epicentro das mais variadas abobrinhas. Batalhões marchando sobre Brasília. Generais (sempre eles!) mandando estocar o que fosse possível. PCC ordenando toque de recolher – ou, em outras versões, incentivando que a criminalidade aproveitasse o caos para tocar o terror. Tudo “documentado” por áudios e vídeos que “provam” essas e outras revelações sensacionais, como as destacadas no início do texto.

O mais impressionante é que as pessoas acreditaram. Se não inteiramente, ao menos em parte. Se não em parte, ao menos para ficar com uma pulga atrás da orelha e aquela sensação de “Seráááá?”, que faz descrer de todo o resto, mesmo das informações corretas. Aconteceu na greve, mas tem sido uma constante. O popular “Zap Zap” é, cada vez mais, um monumento à burrice. Sua ação potencializa tanto caricaturas como os terraplanistas quanto interpretações equivocadas da realidade.

Exemplo recente: o aplicativo ajudou a propagar, entre grupos de caminhoneiros e na sociedade em geral, a ideia de “intervenção militar constitucional” – o Exército, amparado pela lei, tomando o controle do país por um tempinho e varrendo os corruptos até as próximas eleições, quando o poder seria devolvido aos civis. Em artigo na Folha de S. Paulo (disponível aqui para assinantes), Conrado Hübner Mendes e Rafael Mafei Rabelo Queiroz, professores da Faculdade de Direito da USP, esclarecem que a Constituição não prevê nada parecido. Qualquer atuação das Forças Armadas precisa ser requisitada por representantes eleitos. Outra rota, como a ocorrida em 1964 (intervenção “pontual” que durou 21 aninhos), é golpe.

Por sua própria natureza, o WhatsApp não permite esse tipo de contraditório. Não é uma praça pública digital, como o Facebook, antes do reino do algoritmo e suas bolhas ideológicas, um dia ambicionou ser. O WhatsApp é desde o berço um condomínio fechado, um clube restrito, uma rodinha de amigos que se reforçam em suas crenças (maluquices? preconceitos?), fofocam, conspiram. Um ambiente em que a disputa por atenção privilegia o que parece espetacular, secreto, exclusivo, sensacional. Terreno fértil para boatos, distorções e mentiras de todo o tipo.

(Sim, estamos falando de notícias falsas e seus parentes. Fico pensando na primeira pessoa que teve a ideia de publicar uma notícia falsa na internet. “Vamos ver se consomem esse lixo”, pode ter dito – o risinho vilanesco fica por sua conta. Não só consomem lixo como acreditam nele. Não só acreditam como compartilham. Não só compartilham como produzem mais lixo, num moto-perpétuo de desinformação com consequências muito ruins para a sociedade.)

A informação existe para que as pessoas possam tomar decisões em suas vidas. Quando a informação é de má qualidade, as decisões também serão. Pessoas passam a agir com base no pânico, na paranoia, em perseguições, conspirações e outros tipos de sentimentos com pouco amparo na realidade. Tudo isso pode ser, e vem sendo, explorado por gente com interesses políticos e econômicos que lucram com o estado de permanente confusão.

É chocante a credulidade das pessoas em relação a esse tipo de lorota. Escancara que não fomos educados para ler notícias. Num passado recente, o grande temor era que os meios de comunicação pudessem, com suas sofisticadas estratégias discursivas, “manipular” as pessoas. Saudades desses tempos ingênuos. O que não poderíamos imaginar é que as pessoas estivessem tão desequipadas para checar rudimentos do jornalismo, como autoria, data de publicação e procedência, além de não perceberem a diferença entre informação e opinião (nota: o problema atinge ricos e pobres, jovens e velhos, homens e mulheres).

A solução passa pela educação, e tudo que segue esse caminho demora muito tempo para dar resultados. Ou seja, só teremos boas notícias lá para a frente, e isso se a gente se esforçar e começar a trabalhar desde já para reverter esse quadro. No curto prazo, seguiremos mergulhando no abismo da ignorância. Vêm eleições por aí e… Aliás, será que vêm mesmo? Porque eu li no WhatsApp que...

Fonte: Blog Em Desconstrução - UOL

 

   
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