Matéria original: IPEA
A política de desoneração de contribuições previdenciárias da folha de pagamento, que beneficia 17 setores da economia, foi criada em 2011 e estendida pela última vez em 2021, com prazo até final de 2023. Com o objetivo de renovar o subsídio – já aprovado pela Câmara dos Deputados e novamente em análise no Senado Federal –, os setores contemplados autodenominam-se “os que mais empregam no Brasil”. No entanto, um artigo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) nesta segunda-feira, dia 4, mostra que os desonerados cortaram vagas de trabalho formais entre 2012 e 2022 e não figuram entre os que mais empregam.
O estudo compara dados de ocupação de 2012 a 2022 em 87 setores da Classificação Nacional das Atividades Econômicas Domiciliar. A análise, realizada com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que nenhum dos desonerados aparece entre os sete setores que, juntos, ocupam mais da metade (52,4%) dos trabalhadores no Brasil: comércio, exceto de veículos automotores e motocicletas; agricultura, pecuária, caça e serviços relacionados; educação; serviços domésticos; administração pública, defesa e seguridade social; atividades de atenção à saúde humana; e alimentação.
Dos 87 setores analisados, 47 abriram mais vagas do que fecharam, respondendo por 13 milhões de postos de trabalho adicionais entre 2012 e 2022. A maior parte desse acréscimo (52,3%) veio de quatro setores, sendo que nenhum deles foi beneficiado com a desoneração em folha de pagamento: atividades de atenção à saúde humana (2,0 milhões), comércio, exceto de veículos automotores e motocicletas (1,8 milhão), alimentação (1,5 milhão) e educação (1,5 milhão).
Por sua vez, outros 40 setores reduziram o número de postos de trabalho nos 10 anos analisados, totalizando um fechamento líquido de 4,6 milhões de oportunidades. Neste caso, três setores responderam pela maior parte (54%) da destruição de vagas: agricultura, pecuária, caça e serviços relacionados (-1,4 milhão); administração pública, defesa e seguridade social (-691 mil) e serviços especializados para construção (-364 mil). Este último foi beneficiado pela desoneração.
Entre os setores que concentram a maioria dos contribuintes da Previdência Social no país, apenas o sexto (transporte terrestre) tem folha desonerada. Somente 54,9% dos ocupados nos setores desonerados contribuem para a Previdência, contra 63,7% na média dos trabalhadores brasileiros. De 2012 a 2022, enquanto os outros setores ampliaram seus contribuintes em 14,5% (+6,7 milhões), os desonerados diminuíram em 0,2% (-18 mil).
Analisando especificamente os setores desonerados, os que mais apresentaram queda no número de contribuintes nos últimos dez anos foram: construção e incorporação de edifícios (-594 mil), preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados (-137 mil), fabricação de produtos têxteis (-109 mil), e confecção de artigos do vestuário e acessórios (-101 mil).
Enquanto empresas privadas de outros setores expandiram em 6,3% seus empregos com carteira (+1,7 milhão) entre 2012 e 2022, os desonerados encolheram os seus em 13,0% (-960 mil). No mesmo período, o conjunto de todos os setores com folha desonerada reduziu suas participações nos totais de ocupados (de 20,1% para 18,9%), ocupados contribuintes da Previdência (de 17,9% para 16,2%) e empregados com carteira do setor privado (de 22,4% para 19,7%).
O estudo ressalta que a população ocupada no Brasil foi de 98 milhões de pessoas na média dos quatro trimestres de 2022, ou seja, 8,4 milhões a mais que os 89,6 milhões observados 10 anos antes. Entretanto, esse aumento de 9,4% da população ocupada não foi suficiente para acompanhar o crescimento de 12,2% da população em idade para trabalhar. Com isso, o nível de ocupação do país recuou de 58% para 56,6%.
Marcos Hecksher, pesquisador do Ipea e autor do artigo publicado no Boletim Radar, afirma que “qualquer necessidade de desonerar contribuintes específicos da previdência precisa ser bem justificada, pois o déficit atuarial criado acaba sendo coberto por mais tributos sobre outros trabalhadores e empresas”. Segundo ele, o debate sobre como alcançar uma tributação mais eficiente e justa requer uma base comum de informações acuradas e verificáveis que permita ir além do mero embate entre grupos de pressão.
Acesse a íntegra do estudo
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