Maria Lucia Fattorelli
Rodrigo Ávila
Recentemente, recebemos reclamações de nossos apoiadores em relação a posição manifestada por Cezar Benjamin em entrevista à Globonews, que concluiu, lamentavelmente, insinuando que auditar a dívida seria uma bobagem, algo bom para discursos em pequenos auditórios e que nada haveria a auditar.
Cada um tem o direito de ter a opinião que deseja, mas é importante que se expresse, minimamente, os dados corretos, baseados em fontes oficiais, como tem feito a Auditoria Cidadã da Dívida.
Tendo em vista os diversos equívocos manifestados pelo entrevistado, esclarecemos os mais relevantes, a fim de demonstrar a necessidade de realização da auditoria da dívida, aliás, como manda a nossa Constituição Federal.
Inicialmente, é preciso ressaltar que o montante da dívida interna já ultrapassou há muito tempo, desde maio do ano passado, a casa dos R$ 3 trilhões. Atingiu R$ 3,7 trilhões em agosto/2015. O governo omite da estatística da dívida interna (comumente divulgada à imprensa) os títulos emitidos pelo Tesouro e entregues ao Banco Central, que já ultrapassam a marca de R$ 1,1 trilhão. Tais títulos são repassados pelo BC aos bancos privados nas chamadas “operações de mercado aberto” ou “compromissadas” (sob a questionável justificativa de enxugar o excesso de moeda - a base monetária - para controlar a inflação), e são remuneradas com taxa Selic ou taxas até mais elevadas. Portanto, trata-se de dívida pública, que tem sido repassada aos bancos privados, e que tem gerado obrigação de pagamento de elevados juros, devendo sim ser considerada no montante da dívida interna.
Adicionalmente, tais operações possuem forte indício de ilegalidade, dado que a “lei de responsabilidade fiscal” proibiu o BC de emitir títulos públicos e, para driblar essa lei, o Tesouro emite títulos sem limite algum, entregando-os de graça ao BC para este último fazer a festa dos banqueiros privados, que recebem juros absurdos, em cash, enquanto se cortam os recursos das áreas sociais. Em vários países do mundo, tal controle da base monetária se dá de forma totalmente diferente, sem enriquecer os bancos às custas do povo.
Auditoria não significa moratória. A auditoria visa investigar o processo e determinar se a chamada dívida existe ou não. Só se pode dizer que existe dívida se houve entrega de recursos. Temos comprovado a utilização de diversos mecanismos meramente financeiros que geram dívidas sem contrapartida alguma ao país e à sociedade. Nesse caso tal dívida é “nula”; não é dívida; é outra coisa. E não se deveria simplesmente fazer moratória de algo nulo, que não existe. A auditoria tem o papel de separar as dívidas legítimas daquelas ilegítimas, nulas.
Em tese, a dívida pública deveria ser um recurso legítimo dos Estados nacionais, destinado a complementar os orçamentos públicos. Na prática, temos detectado algo bem diferente, que denominamos “Sistema da Dívida”, ou seja, os recursos nunca chegam aos Estados nacionais. O que ocorre é a utilização de mecanismos meramente financeiros que geram dívida pública. E a partir do momento em que a dívida é gerada, passa a exigir a generosa remuneração paga pelo Brasil – as taxas de juros mais elevadas do mundo – e, além disso, o endividamento público passa a pautar todo o modelo econômico (metas de superávit, ajuste fiscal, corte de gastos, aumento de tributos, privatizações etc.) e sacrificar a sociedade, pois a prioridade nacional é “honrar” a tal dívida...
Muitos acreditam que a mera compra e venda de títulos públicos seria um mecanismo inofensivo usado pelo BC para regular a liquidez, isto é, o volume de moeda em circulação, definido como base monetária. Na verdade, a base monetária no Brasil é infinitamente baixa (inferior a 5%, sendo que todas as demais grandes economias está em torno de 40%) e as operações de mercado aberto ou compromissadas estão servindo para remunerar toda a sobra de caixa dos bancos que ultrapassa esse baixo limite estabelecido pelo BC. Ainda por cima, tais operações incentivam os bancos privados a praticarem taxas de juros de mercado indecentes, pois eles não têm que fazer força alguma para emprestar à sociedade, já que o BC lhes garante a Selic ou até mais elevadas taxas sobre todo o capital que ultrapassa o mencionado limite.
Outro mecanismo insano que vem gerando dívida pública são as operações de swap cambial. Nos últimos 11 meses foram R$158 bilhões em resultados negativos, que são pagos pelo BC a bancos e grandes empresas exportadoras/importadoras às custas de geração de dívida pública. Isso pode ser chamado de dívida? O que recebemos?
O pior é que tais mecanismos (que ainda por cima driblam leis) estão gerando volumes de dívida que já ultrapassam a casa dos trilhões... e não param de exigir juros sobre juros (outra figura ilegal – Anatocismo), encargos, e pautam o funcionamento do país de forma a sangrar os recursos que deveriam ir para investimentos e satisfazer as necessidades sociais, ou seja, constituem uma receita para quebrar o País. Não é à toa que o Brasil, 7a maior economia mundial, é tão atrasado em atendimento aos direitos sociais (79o IDH) e em desenvolvimento socioeconômico.
Nada se conhece desses mecanismos, a não ser a cifra global.
Não se sabe quem foram os beneficiários dos prejuízos com swap cambial. Não se sabe quais as condições pactuadas. Alguém já teve acesso a um contrato sequer de swap feito pelo BC? Qual a base legal para a concessão de garantias sem limite? Qual a base legal para transferir o prejuízo para a sociedade, sem limite?
Nada se sabe sobre os beneficiários das operações de mercado aberto, que podem durar apenas um dia, como um “overnight”, um cassino, que garante juros às custas de recursos orçamentários que estão sendo cortados da saúde, educação, segurança, ciência e tecnologia e até da Defesa Nacional, como recentemente desabafou o Chefe do Exército brasileiro.
Sequer sabemos quem são os detentores dos títulos da dívida brasileira. Os R$ 3.691.613.000.000,00 estão em que mãos? Quem está recebendo os maiores juros do mundo e amarrando o gigante Brasil?
A CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados em 2009/2010 comprovou diversas ilegalidades e ilegitimidades do processo de endividamento tanto externo como interno desde a década de 70, passando por falta de comprovação de grande parte do estoque da dívida desde a Ditadura Militar; transformação de dívidas externas privadas em dívidas públicas; resgates antecipados de dívida externa com pagamento de ágio que chegou a 70%; suspeita de renúncia à prescrição da dívida externa com bancos privados que em seguida foi ressuscitada, em Luxemburgo, no denominado Plano Brady; conflito de interesses no arbitramento da taxa Selic; utilização de dívida para salvamento bancário no PROER e PROES; fraudes em processos de geração de dívida em diversos estados e municípios, com auxílio de famosas instituições financeiras que se beneficiaram da denominada “cadeia da felicidade” que vem quebrando diversos entes federados; práticas abusivas de taxas de juros sem justificativa técnica, legal, jurídica ou política; prática ilegal de Anatocismo (juros sobre juros); além de diversos outros mecanismos espúrios que simplesmente geram “dívida” que tem sido paga por toda a sociedade, seja por meio de elevada carga tributária, seja por falta dos serviços sociais a que tem direito e não recebe...
Por tudo isso, não se pode dizer que repudiar a dívida e exigir a auditoria seria uma bobagem. O povo, que paga essa conta, tem o direito de saber o que está pagando.
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