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A reforma tributária que o Brasil precisa

  • 01 de julho de 2021

Após muitos adiamentos, o governo finalmente apresentou o que considera a “segunda etapa” de sua proposta de reforma tributária. A primeira etapa havia sido apresentada alguns meses atrás e consistiria na substituição do PIS e da COFINS pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Na segunda etapa, as mudanças propostas se concentraram na tributação sobre a renda, com alterações no IRPF e IRPJ, além de redução na tributação sobre investimentos financeiros.

O principal objetivo da primeira etapa, focada na reforma de tributos indiretos (sobre consumo), é a simplificação. A tributação indireta no Brasil é complexa e abre brechas para judicialização. Ademais, alguns tributos incidem em cascata, gerando ineficiências e perda de competitividade. Por fim, o desenho da tributação interestadual gerou uma verdadeira guerra fiscal.

A proposta de criação do CBS pode parecer um avanço. No entanto, ao não incluir os tributos sobre o consumo dos estados (ICMS) e municípios (ISS), a proposta ignora a maior fonte de complexidade no sistema tributário nacional, além de não colaborar com os dilemas dos entes subnacionais. É uma proposta pela metade, que permite a unificação da tributação subnacional, mas não prevê seu formato e o prazo para essa transição.

Para piorar, a alíquota proposta para o CBS implicará aumento da carga de impostos indiretos, caso seja mantida a atual arrecadação de estados e municípios. Isso resultaria em um aumento na regressividade do sistema tributário. Caso os estados e municípios aceitem reduzir sua parcela na arrecadação, o resultado seria uma maior concentração de receitas na União, deteriorando ainda mais nosso arranjo federativo.

Já na segunda etapa da proposta, focada nos tributos diretos (sobre a renda), o principal objetivo da reforma deveria ser a progressividade. É nos tributos diretos que reside o maior potencial de transformar nosso atual sistema tributário regressivo em uma alavanca da distribuição de renda e do desenvolvimento inclusivo.

No entanto, a proposta de alterações nos tributos sobre a renda padece do mesmo pecado da proposta para mudanças nos tributos sobre consumo: é um avanço em relação a situação atual, mas totalmente insuficiente para resolver os verdadeiros dilemas do sistema tributário nacional.

Comecemos pela alteração no IRPF: o governo propõe a elevação da faixa de isenção de aproximadamente R$ 1900 para R$ 2500. Essa mudança é importante, dado o atraso na correção da tabela do IRPF, mas poderá aumentar a regressividade do sistema, já que reduz a alíquota efetiva de todos os contribuintes, incluindo os mais ricos.

Para minimizar esse efeito, duas medidas podem ser tomadas: a primeira, ausente da proposta do governo, é a criação de novas alíquotas maiores para as rendas mais elevadas, já que o Brasil é um dos países com a menor alíquota máxima de IR. A segunda, presente da proposta, é a taxação das rendas provenientes de distribuição de lucros e dividendos, que atualmente são isentas no Brasil. A proposta do governo é taxar essas rendas linearmente em 20%, com uma faixa e isenção de R$ 240 mil por ano para todas as micro e pequenas empresas.

Aqui começam os problemas, que podem ser resumidos em três principais pontos:

1) a faixa de isenção representará uma alíquota efetiva baixa para muitos empresários de médio porte enquadrados no SIMPLES. No caso dos pequenos e microempresários, a isenção elevada segue representando um incentivo à pejotização, como forma de “fugir” das alíquotas maiores sobre as rendas do trabalho;

2) a alíquota linear não respeita o princípio da progressividade, ou seja, não tributa mais quem recebe mais. Mesmo nos EUA de Trump a tributação sobre a distribuição de dividendos possui alíquotas progressivas;

3) abre-se uma brecha para o planejamento tributário, fazendo diversas empresas reduzirem artificialmente suas receitas para se encaixarem no limite de faturamento que permitirá uma regra mais benigna de tributação sobre distribuição de lucros e dividendos.

Para compensar o aumento da tributação sobre lucros, o governo propõe uma redução da alíquota atual do IRPJ de 15% para 10%, com adicional de 10% para lucros acima de R$ 20 mil por mês. Muitos analistas apontam que essa redução no IRPJ não irá compensar o aumento da tributação sobre distribuição de lucros e dividendos, aumentando a carga sobre as empresas e os empresários. Até então, somando IRPJ e CSLL, a alíquota nominal sobre PJ chegava a 34%. Com o novo formato, a alíquota nominal total poderá superar 40%, a depender do volume de lucros e dividendos distribuídos.

Na prática, no entanto, as alíquotas efetivas pagas por diversas empresas são muito inferiores a alíquota nominal. Devido a uma série de benefícios contábeis, como a contabilização sobre lucro presumido (mantido na proposta do governo) e o chamado juros sobre capital próprio, que deve ser extinto junto com outras “brechas” para planejamento tributário, a alíquota efetiva se aproxima de 22%.

Com o fim do abatimento de juros sobre capital próprio, é realmente possível que algumas empresas maiores passem efetivamente a pagar mais imposto do que anteriormente, o que deve gerar resistência à proposta no Congresso. No entanto, esse resultado não parece ser verdadeiro para todas empresas e setores, dependendo do enquadramento contábil e do volume de lucros e dividendos distribuídos.

Além destas mudanças no IRPJ, o governo propõe reduzir a cobrança de impostos sobre os rendimentos financeiros, acabando com as alíquotas diferenciadas por prazos (pensadas para estimular as aplicações de longo prazo) e criando uma alíquota única de 15% para diversas aplicações.

Três fatos chamam atenção nesta mudança:

  • a decisão de manter um desalinhamento entre a taxação de lucros e dividendos e de rendimentos financeiros. Isso abre brechas para um tipo de manobra onde se transforme lucro em rendimento de investimentos financeiros (como recompra de ações e posterior venda) para evitar a tributação maior. É provável que no Congresso isso provoque uma redução na alíquota sobre distribuição de lucros e dividendos, de forma a alinhar ambas as cobranças.
  • o fato de que alguns instrumentos financeiros ficaram de fora dessa taxação, como as LCI e LCA, em uma decisão que aparentemente possui forte componente político, já que contraria o discurso de simplificação e alinhamento tarifário do governo.
  • ao retirar os incentivos para a manutenção de investimento por prazos maiores, o governo estimula o aumento na volatilidade no valor de títulos de maior prazo. Mesmo que o incentivo tributário não seja motivo suficiente para alocar recursos no longo prazo, sua retirada deve fortalecer a lógica curto prazista.

Considerando todos estes aspectos, a reforma proposta pela equipe de Paulo Guedes possui algumas virtudes, mas é bastante insuficiente para enfrentar os profundos desafios do sistema tributário brasileiro. Qualquer reforma que busque a simplificação não pode se negar a reformar o mais complexo de nossos tributos, o ICMS. Da mesma forma, qualquer reforma que vise a progressividade não pode se furtar a recriar alíquotas progressivas e maiores para as altas rendas, muito menos ignorar as mudanças necessárias na tributação sobre patrimônio, tema absolutamente ignorado pelo governa na proposta que apresentou. Além disso, a reforma nada tem a dizer sobre a sustentabilidade, ou seja, a taxação de atividades danosas ao meio ambiente voltadas para o financiamento e desenvolvimento de alternativas sustentáveis.

Em suma, essa não é a proposta de reforma tributária que o Brasil precisa. Ela foi desenhada para atender as demandas políticas do governo, em particular de aumentar a arrecadação (através do CBS e da possibilidade de antecipação da arrecadação tributária sobre a valorização imobiliária no IRPF) e elevar faixa de isenção do IRPF, cumprindo parcialmente a promessa de campanha de Bolsonaro de isentar rendas até R$ 5500.

Para o Brasil, a eventual aprovação da proposta do governo representará uma enorme oportunidade perdida para avançar no debate sobre uma reforma tributária justa, solidária e sustentável, que reduza o peso dos impostos sobre o consumo e tribute mais pesadamente as grandes rendas e patrimônios, facilitando a vida do produtor e do trabalhador ao mesmo tempo em que onera os muito ricos que vivem do rentismo. A proposta do governo, apesar de alguns méritos, falha em todos esses quesitos fundamentais.


 

Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Guilherme Mello

É economista e sociólogo, com mestrado em Economia Política pela PUC-SP e doutorado em Ciências Econômicas pela Unicamp. É professor do Instituto de Economia da UNICAMP e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura do IE/UNICAMP. Foi assessor econômico para a campanha de Fernando Haddad à Presidência da República em 2018.

 

 

 

 

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