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GPT-3, inteligência artificial e direitos autorais

  • 11 de fevereiro de 2021

A criação de robôs geradores de obras intelectuais e/ou artísticas abre caminho para uma discussão sobre legislação A canção “Cérebro eletrônico” foi composta por Gilberto Gil na prisão em 1969, quando os computadores pessoais e os smartphones existiam apenas em filmes de ficção científica. Mesmo assim, Gil já tratava dos potenciais e dos limites dos computadores. Cerca de 50 anos depois, os cérebros eletrônicos são capazes de gerar textos, músicas e roteiros de filmes, o que provoca discussões acerca da proteção dessas obras por direitos autorais.

 

Inteligência artificial é uma expressão usada na área da computação desde meados da década de 1950. Trata-se de um termo “guarda-chuva” que abrange uma série de técnicas. Nos anos 1960, o artista plástico Harold Cohen criou o programa AARON, o qual empregava algumas dessas técnicas para gerar obras de arte.

 

Em décadas recentes, houve grande avanço na área de “machine learning” (aprendizado de máquina), técnica por meio da qual são usados métodos estatísticos para que os programas de computador aprendam padrões a partir de uma grande quantidade de dados. Apenas para dar um exemplo banal, um sistema pode ser ensinado a reconhecer gatos em fotos por meio da análise de uma base de dados de treinamento composta por imagens de animais dessa espécie; da mesma forma, pode ser ensinado a gerar imagens dos bichos.

 

Em 2020, uma notícia impressionou e assustou muita gente: foi lançado o GPT-3 (“Generative Pre-Trained Transformer 3”), aparentemente o gerador automatizado de textos mais sofisticado da história. Esse sistema foi treinado a partir de uma base de dados composta por milhões de textos, livros completos, websites e verbetes da Wikipédia. Por meio de um algoritmo de aprendizado de máquina chamado “rede neural artificial” (o qual busca replicar o funcionamento de neurônios humanos), o programa aprende regras sintáticas e semânticas, além de identificar a probabilidade de que determinadas palavras, expressões, sentenças e até mesmo parágrafos deem continuidade a um raciocínio.

 

Para gerar textos, o GPT-3 depende de comandos humanos, os quais podem delimitar o tema, o tamanho e o estilo do texto. O jornal britânico The Guardian publicou em setembro de 2020 um artigo gerado por esse sistema, que explorou a ideia de que os humanos não devem temer o avanço dos robôs.

 

A produção de obras por sistemas de inteligência artificial suscita dúvidas acerca da proteção por direitos autorais. Essa espécie de proteção jurídica surgiu no século 18, em um contexto no qual as modalidades de criação e de acesso a obras intelectuais eram completamente diferentes das que existem hoje.

 

ESTAMOS EM UM MOMENTO DECISIVO PARA REPENSAR OS DIREITOS AUTORAIS. É UMA ÓTIMA OPORTUNIDADE PARA EXPOR À SOCIEDADE A IMPORTÂNCIA DE UM DOMÍNIO PÚBLICO AMPLO E RICO

 

A doutrina costuma distinguir dois grandes sistemas: o “copyright” inglês, que influenciou várias das colônias britânicas; e o “droit d’auteur” francês, que serviu de inspiração para vários países, inclusive o Brasil. Grosso modo, enquanto o primeiro sistema valoriza fortemente uma visão consequencialista de que os copyrights são incentivos econômicos para a criação, o segundo atribui maior importância à ideia de que a proteção por direito autoral se justifica com base em um vínculo entre a personalidade do autor e sua criação.

 

Por isso, o copyright inglês exige, em geral, um nível menor de criatividade do que os sistemas que seguem a tradição francesa. Além disso, os países que seguem a tradição anglo-saxã costumam admitir que empregadores ou contratantes sejam considerados autores de obras criadas, na verdade, por empregados ou prestadores de serviço.

 

Isso não ocorre em países que seguem a tradição francesa, onde há um nível de exigência de criatividade maior e os direitos patrimoniais podem ser transferidos, mas não os chamados direitos morais de autor. Ou seja, o criador de um livro ou de uma música pode comercializar temporária ou permanentemente os direitos de exploração econômica da obra, mas não renunciar ao seu direito de ser nomeado como autor.

 

No Reino Unido, está em vigor desde a década de 1980 uma lei segundo a qual a autoria de obras geradas por sistemas de inteligência artificial cabe a quem fez os “arranjos”, abrindo margem para atribuição de autoria ao programador ou ao usuário do programa, ainda que haja uma interferência criativa pequena por parte de humanos. O intuito é basicamente consequencialista: se essas obras ficassem desprotegidas, não haveria incentivos econômicos para que o programador criasse o sistema, ou para que o usuário o utilizasse. Assim, cria-se uma “ficção jurídica” por meio da qual a autoria é atribuída a quem claramente não cumpre os elementos desse conceito.

 

Esse caminho dificilmente seria compatível com a tradição francesa de direitos autorais, em virtude do alto prestígio conferido à criatividade. Dessa forma, fornecer comandos de tamanho, estilo ou tema não é suficiente para surgir o vínculo de autoria. Assim, a depender do nível de autonomia do sistema computacional, não seria possível atribuir autoria ao programador ou usuário. Consequentemente, as obras cairiam em domínio público, isto é, poderiam ser usadas e adaptadas livremente.

 

Há uma certa resistência à proposta de que determinadas obras sejam destituídas de autoria, pois entende-se que haveria uma falta de estímulos para a produção e o uso desses sistemas. No entanto, essa preocupação não procede por dois motivos principais: 1) os programadores continuarão sendo titulares de direitos autorais sobre o programa de computador, já que boa parte das legislações (inclusive a brasileira) prevê a proteção do código do software por direito autoral; 2) a ampliação do número de obras em domínio público enriquece o patrimônio cultural à disposição de toda a sociedade, de modo que qualquer pessoa pode criar utilizando parte ou o todo dessas obras.

 

Portanto, estamos em um momento decisivo para repensar os fundamentos e a estrutura dos direitos autorais. Se, por um lado, haverá pressão por parte de grandes empresas de tecnologia para que a proteção por direitos autorais se expanda a todas as obras geradas por inteligência artificial, independentemente do nível de autonomia do programa de computador, por outro, todos aqueles que defendem a liberdade de criação e de acesso à informação terão uma ótima oportunidade para expor à sociedade a importância de um domínio público amplo e rico.

 

Marcelo Frullani Lopes é advogado do escritório Frullani Lopes Advogados, especialista em direito e tecnologia da informação pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) e mestrando em filosofia e teoria geral do direito pela mesma instituição.

 

Fonte: Jornal Nexo

   
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