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Tribunais de Contas, Servidores e Cidadania

  • 08 de outubro de 2020

A participação de Servidores em certames deflagrados pelos legislativos para a escolha de Conselheiro ou Ministro de Tribunal de Contas é legítima e representa e referenda a participação social em tais processos.

A maturidade democrática vivida pelo país, no pós-1988, dentro de um ordenamento jurídico constitucional construído à base da participação popular – seja por representação quanto pela via direta na constituinte – incentivou o surgimento de novas gerações mais exigentes quanto aos resultados das ações do Poder Público e dispostas a investir em canais de inserção popular e de envolvimento efetivo. Vários instrumentos e ferramentas jurídicas e processuais, então, foram e têm sido disponibilizados ao cidadão e às organizações sociais e, por meio delas, com planejamento e parceria, tem sido possível a atuação em processos e certames, antes e tradicionalmente vedados ou restritos (isto é, sem a devida publicidade ou transparência).

Nos últimos anos, exemplificativamente, a Sociedade tem percebido certas brechas legais e em face da ausência ou deficiência normativa tem se posicionado em oposição a atos e procedimentos que não se acham consentâneos e apropriados com a ordem jurídica vigente. E, também, em algumas localidades em que os entes públicos respeitam as diretrizes democráticas, por meio da adoção de certames públicos e abertos, seja de modo individual seja por meio de movimentos e organizações sociais, a Sociedade tem buscado participar ativamente.

Neste cenário, alguns entes coletivos têm tomado a dianteira para disseminar a ideia da participação, fomentando-a e utilizando os meios midiáticos para demonstrar a necessidade da reformulação normativa e institucional de órgãos e poderes públicos. Destacam-se, neste segmento, associações, sindicatos, federações e confederações de servidores públicos, as quais têm disseminado princípios e conceitos oportunos, mantendo com outras organizações públicas ou privadas relações de parceria e coparticipação ou recebendo, delas, apoios significativos para campanhas ou movimentos deflagrados pelos primeiros.

Uma destas iniciativas, já deflagrada em alguns Estados da federação e, também, na capital federal, foi alcunhada como a campanha “Conselheiro-Cidadão” e “Ministro-Cidadão”, voltadas à amplitude de participação de pessoas da Sociedade civil em processos deflagrados no âmbito do Poder Legislativo para a ocupação de vagas nas Cortes de Contas, dentro da cota de escolha que cabe ao parlamento. Basicamente, os TCs dos Estados, do Distrito Federal e de Municípios são compostos de sete conselheiros, à exceção do Tribunal de Contas da União, que possui nove ministros.

Vale dizer, neste cenário, que a prerrogativa constitucional – art. 73, § 2º, da CF – não é de indicação (quando só poderiam participar determinadas pessoas) mas de escolha, a qual compete, à razão de 1/3 ao titular do Poder Executivo (Federal, Estadual, Distrital ou Municipal, conforme o caso) e 2/3 aos parlamentos de cada uma destas esferas. Prerrogativa de escolha não é reserva de vagas ou propriedade do Poder (Executivo ou Legislativo). Como no caso do quinhão que cabe ao primeiro a decisão é monocrática, sem a abertura de certame competitório, constituindo-se a escolha em ato discricionário (embora condicionado à aferição objetiva dos chamados requisitos de investidura), deixaremos de tecer maiores considerações. Fixar-nos-emos nos certames desencadeados pelos legislativos.

Nestes, na prática, quase todas as eleições realizadas pelas casas legislativas têm resultado na “vitória” de parlamentares em exercício de mandato, representando, assim, uma espécie de “nicho de mercado” dos próprios agentes políticos. Em outros casos, de menor expressão, a escolha legislativa tem recaído sobre candidatos “recomendados” pelo Poder Executivo os quais são referendados por bancadas governistas, de maioria, ou pela quase totalidade de seus membros. Somente em situações muito excepcionais alguém que não detém mandato político ou está em plena atividade administrativa governamental vence alguma disputa, o que, nestes casos, já deve ser comemorado em face da participação popular aventada neste ensaio.

Desde o início da década passada, considerados todos estes fatores e sob a égide do atual regime constitucional, algumas Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional (ora o Senado, ora a Câmara, em face da repartição das competências para realizar o procedimento seletivo no sistema bicameral) exerceram a prerrogativa da instauração do processo de escolha de Conselheiro (ou Ministro) para Tribunal de Contas e, nestas ocasiões, por meio de ato próprio, definiram regras para inscrição, estabeleceram quais documentos deveriam ser utilizados para a comprovação dos requisitos constitucionais (art. 73, § 1º, I a IV, da CF) e prescreveram fases de avaliação documental e inquirição dos candidatos (em comissão legislativa específica), até a votação final (em regra secreta, em plenário). Em alguns deles, foi possível visualizar a participação popular, com a inscrição e candidatura de indivíduos sem liame com o parlamento, profissionais liberais, professores universitários e servidores públicos. Inclusive, aqui ou ali, servidores de nível superior da atividade finalística das Cortes de Contas, auditores lato sensu, experientes na atividade de Controle Externo, participaram dos certames e, em certos casos, receberam um ou alguns votos.

Voltando às citadas campanhas, sempre que havia notícia da abertura de algum processo neste sentido, os órgãos representativos de servidores públicos (sindicatos, associações, federações, confederação e a novel Central Sindical dos Servidores Públicos) têm recomendado a inscrição e participação de servidores dos TCs, para homenagear o debate público e social do controle externo, envolvendo a apresentação dos candidatos e a defesa de ideias, contribuindo para a maturação do sistema e das próprias instituições públicas de controle, isto dede 2009. Com isto, apresenta-se aos Parlamentos e à Sociedade uma candidatura cidadã, de notório perfil técnico e com gabarito e estatura calcadas em destacada qualificação acadêmico-profissional, para compor, caso viceje a candidatura, o plenário da Corte. Vale dizer que nas campanhas não há qualquer monopólio corporativista, já que há a abertura de inscrição/indicação de quaisquer postulantes, cujos currículos atendam às prescrições constitucionais de qualificação, o que enobrece e categoriza tais iniciativas. Deve-se, ainda, destacar nestes cenários o apoio fundamental de diversas entidades civis, divulgando as campanhas e sugerindo o maior número possível de participantes, assim como o da imprensa em geral que frequentemente dá destaque tanto para os procedimentos quanto para a natureza da iniciativa, uma forma legítima de conferir pluralismo e democracia aos procedimentos instaurados em sede do legislativo.

Cumpre salientar que quando se realiza um movimento desta natureza e se obtém, como resultado, a subscrição de uma candidatura técnica seja egressa do corpo funcional de um TC, seja de qualquer pessoa que atue nas áreas que são finalísticas nestes órgãos (Direito, Administração, Economia, Engenharia e Contabilidade) o movimento deixa de ser corporativo e passa a ser de amplo espectro, com legitimidade para representar de forma abrangente os anseios da Sociedade brasileira. Isto é importantíssimo para o curso de sedimentação das ideias de democratização dos processos seletivos e para a oportunização, o mais amplamente possível, da participação de cidadãos.

A fase seguinte envolve a permanente conscientização, tanto da Sociedade como dos membros de cada parlamento, que a vaga em disputa não é privativa de parlamentar nem pertence ao conjunto de membros daquele poder, de modo que a efetiva e real participação em igualdade de condições, com a aferição objetiva e impessoal dos critérios constitucionais, afastando qualquer outra interpretação e eliminando as tendências de acertos partidários para a eleição exclusiva de agentes políticos. Este, entendemos deva ser a tônica dos debates, em sede de Congresso Nacional, na discussão de projetos que preveem a alteração dos requisitos de investidura e a melhor definição dos certames correlatos.

Mesmo que, até o momento, as campanhas “Ministro-Cidadão” e “Conselheiro-Cidadão” não tenham resultado na eleição e escolha do candidato-servidor, prossegue a batalha por mais independência, menos influência político-partidária e mais eficiência nas ações desempenhadas pelos TCs, justamente pela transformação do cenário do controle dos recursos públicos, permitindo que candidatos especialistas na função possam ser guindados ao posto de julgadores, equilibrando as forças hoje majoritariamente partidárias (7×2 no TCU e 5×2, nos demais TCs, já que apenas duas vagas são reservadas a profissionais que atuam nas carreiras isoladas, ministerial e de substituição aos julgadores nas Cortes). A mutação da “cultura das indicações” é um processo que está em andamento e que já começa a produzir os primeiros frutos e deve desembocar na diminuição das vagas “abertas” (sem requisitos técnicos aprofundados e objetivos) e no pré-requisito para algumas das vagas destinado a profissionais em exercício nos próprios TCs e em outros órgãos de controle público.

Em todas as campanhas, apesar de não ter sido configurado, pelos parlamentos, em muitos dos casos, um processo detalhado e suficientemente transparente, principalmente no que concerne aos critérios de aferição objetiva dos requisitos para a posse como Conselheiro/Ministro nos TCs, a inscrição e a presença de servidores de Tribunais de Contas ao lado de outros representantes da Sociedade certamente contribuiu para uma melhor qualificação do certame e do próprio debate sobre a função, a composição e o aperfeiçoamento destes órgãos. E, nas ocasiões em que se permitiu a sabatina dos candidatos, estes puderam apresentar suas plataformas e credenciais, ficando marcante a posição uniforme sobre a necessidade urgente e inadiável de mudanças estruturais e orgânicas, ao lado das constitucionais-legais, para afastar, de modo total, a ingerência político-partidária e privada na atuação dos tribunais, para a necessária instituição de uma instância de efetivo controle externo sobre Ministros e Conselheiros.

Veja-se a propósito a tramitação dos projetos de emenda constitucional ns. 28/2007 e 30/2007, que tratam da instituição do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas (CNTC) – o primeiro em apreciação na Câmara dos Deputados e o segundo no Senado Federal –, além dos projetos que tratam da revisão dos requisitos constitucionais de investidura e a recomposição das quotas de escolha, hoje 1/3 de prerrogativa do Chefe do Poder Executivo e 2/3 dos Parlamentos. Futuramente, em outro ensaio, trataremos desta questão.

Continuamos atentos não só à deflagração de novos processos de escolha de Conselheiros ou Ministros, como para toda e qualquer questão afeta aos Tribunais de Contas e ao Controle Público, especialmente com sede nas duas Casas Legislativas federais, onde já tramitam alguns projetos (além dos descritos neste texto) e serão apresentados outros de iniciativa federativa, para a rediscussão e redefinição de competências, atribuições, composição e uniformidade de atuação e processualística entre os 34 TCs que existem em nosso país, até que o digno Congresso Nacional se prontifique a aprovar a instituição do CNTC, como instância plural, democrática e competente para a avaliação correicional dos membros das Cortes de Contas e para a atividade normativa, dentro do Sistema Controle Externo. É imperioso destacar que os TCs precisam ater-se detidamente ao foco social para que existem: o uso socialmente eficiente e economicamente produtivo dos recursos públicos, que está sujeito ao controle exercido por tais tribunais.

Este artigo homenageia, enfim, a Carta Constitucional de 1988, que, no dia 5 de outubro de 2020, está completando trinta e dois anos.

 

FONTE: REPORTES NORDESTE

   
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