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Envenenados aos poucos

  • 01 de setembro de 2020

Todo mundo sabe que o envenenamento é o método preferido dos serviços secretos russos para eliminar os rivais do regime

No poder, tanto Jair Bolsonaro como Donald Trump demonstram claras tendências autoritárias, sempre tentando desqualificar e intimidar críticos — ou qualquer pessoa ou organismo que tem a audácia de questionar suas declarações — com insultos chulos ou mentiras absurdas e descaradas. Mas em matéria de absolutismo ninguém supera Vladimir Putin. O russo é o craque da seleção de ditadores, e comparados a ele, os outros aspirantes — incluindo Duterte nas Filipinas, Erdogan na Turquia, Lukashenko em Belarus e Orbán na Hungria — são meros jogadores de uma pelada dominical no Aterro do Flamengo.

A mais recente demonstração disso é o envenenamento de Alexei Navalny, principal líder da oposição russa, advogado e editor de um site que regularmente denuncia a corrupção de Putin e seus amigos cleptocratas. Durante uma gira política na Sibéria, parece que Navalny tomou um chá “adocicado” com uma substância tóxica no café do aeroporto de Tomsk antes de embarcar no voo de volta a Moscou. Em coma, foi transferido para uma clínica em Berlim depois da intervenção da Alemanha e da França.

Alguns analistas europeus argumentam que o atentado foi malfeito e fracassou porque Navalny não morreu. Não concordo. O objetivo principal de uma operação dessas é amedrontar não apenas o alvo mas também a população em geral, especialmente potenciais opositores. Se o alvo morre, ótimo, é a cereja no bolo. Se sobreviver, vai sofrer danos permanentes ao sistema nervoso — o prognóstico para Navalny —, ou ficar com o rosto todo desfigurado, como Viktor Yushchenko, ex-presidente ucraniano. As sequelas são um símbolo visível da vulnerabilidade permanente dos inimigos de Putin e de seu alcance ilimitado.

O leitor atento vai notar duas omissões em minha lista de aspirantes a autocrata: o chinês Xi Jinping e o coreano Kim Jong-un. Acho o caso deles diferente do Putin: são produtos e sustentadores de um sistema e uma ideologia totalitários que dominam um país há 70 anos. Putin não. Ele surgiu das ruínas de um sistema desses e conseguiu erguer um novo império, totalmente personalista e sem ideologia. Perversamente, são exatamente essas qualidades impiedosas e implacáveis que Trump, bajulador de Putin, admira tanto e tenta emular.

Todo mundo sabe que o envenenamento é o método preferido dos serviços secretos russos para eliminar os rivais do regime; é quase sua marca registrada desde o século XIX, e ficou ainda mais potente com a criação de uma indústria química na época da URSS. Operando na Inglaterra, agentes russos já envenenaram exilados “traidores” com substâncias radioativas que só um laboratório estatal seria capaz de fabricar.

Revelador também é o comportamento das autoridades civis russas quando confrontadas com o caso. Os médicos que examinaram Navalny alegaram que não havia “nenhum indício de envenenamento”, atitude que levou a mulher dele exigir sua transferência para o exterior. A polícia local apoiou a tese de intoxicação alimentar e disse que não havia nada para investigar; depois, passou a sugerir que fosse um caso de autoenvenenamento. O presidente da Câmara fez coro ao absurdo: anunciou uma CPI para apurar se “Estados estrangeiros” tentaram matar Navalny.

Felizmente, as coisas no Brasil ainda não chegaram a esse patamar. Apesar das ameaças e truculência da família Bolsonaro, o Ministério Público continua investigando o caso Queiroz, a imprensa continua publicando reportagens sobre desvios e abusos, o Inpe continua divulgando dados confiáveis sobre o desmatamento, e dois ministros da Saúde renunciaram a seus cargos em vez de receitar cloroquina como suposta solução infalível contra a Covid-19. A democracia brasileira está sob ataque, mas resiste.

É nos Estados Unidos que, depois de quase quatro anos de Donald Trump, estamos presenciando a pior erosão de valores e práticas democráticas.

Como seus colegas naquele hospital russo, alguns médicos do governo americano se curvaram ante o poder e ocultam verdades incômodas sobre a pandemia. Os correios, o censo, o serviço meteorológico — mesmo as funções mais banais de governo estão sendo subvertidas e forçadas a servir aos interesses pessoais do Máximo Líder. Isso sem mencionar nosso ministro da Justiça, que virou um papagaio no ombro do presidente.

Diria até que, com cada ultraje e impropério de Trump, estamos todos sendo envenenados, paulatinamente. Nenhum americano vai morrer disso, é verdade. Achamos que nossa tolerância aumentará e ficaremos imunes. Mas nossa democracia, sim, corre perigo de vida, e há nisso uma grande advertência. Quando o coletivo está doente, seja o que for o país, é uma ilusão pensar que o indivíduo pode ficar saudável.

Larry Rohter, jornalista e escritor, é ex-correspondente do “New York Times” no Brasil e autor de “Rondon, uma biografia”

Fonte: O GLOBO

 
   
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