No editorial do dia (20/03) do Jornal O Globo lemos que os funcionários públicos deveriam dar a sua cota de contribuição para o enfrentamento da crise do Coronavírus com uma redução de até 25% da jornada de trabalho, e consequentemente dos vencimentos, como está previsto na PEC emergencial. Pois só dessa forma seria possível, na visão do Jornal O Globo, apoiando-se em entrevista da Zeina Latiff, conseguir (sic) espaço fiscal para o atendimento das vítimas do coronavírus. Como diriam os norte-americanos “it is not even wrong” ou, numa tradução livre, “é tão estúpido que não chega sequer a estar errado”. Vamos por partes.
Em primeiro lugar, a PEC emergencial prevê redução da jornada de trabalho dos servidores públicos. Que ideia fantástica a de reduzir o expediente de médicos, professores e agentes de segurança no meio de uma calamidade publica! Por que será que nenhum país do mundo está adotando essa ideia bestial????? Afinal de contas se temos uma calamidade pública a mão invisível do mercado deverá resolve-la, para que precisamos dos servidores públicos???? (modo ironia ligado). Se nenhum país do mundo está adotando essa política, o mais provável é que seja uma insanidade completa.
Em segundo lugar, reduzir os salários dos servidores públicos significa AMPLIAR a redução da massa salarial, que ocorrerá inevitavelmente por conta da crise do coronavírus, e dessa forma, AMPLIFICAR a queda de consumo e, portanto, da própria arrecadação de impostos. A proposta de Zeina Latiff é criar um verdadeiro “desestabilizador automomático”, ou seja, fazer com que em momentos de queda de demanda se disparem mecanismos automáticos que amplificam, ao invés de reduzir, o choque negativo inicial. Em outras palavras, trata-se de um bom tiro no pé !!!!
Do ponto de vista moral, por sua vez, a (sic) solução de Zeina Latiff é tão estúpida quanto propor as pessoas que não foram infectadas pelo coronavírus a se infectarem para serem “justas” ou “solidárias” com aquelas pessoas que foram infectadas. Um completo non-sense. O momento é de preservar a renda e o emprego de todos, independente se são trabalhadores do setor privado ou do setor público.
Para tanto é necessário que o Estado Brasileiro atue como “comprador de última instância”, garantindo – na medida do possível – a demanda pelos produtos das empresas do setor privado de forma impedir que as mesmas se vejam obrigadas a demitir seus trabalhadores e assim aprofundar a crise. Em outras palavras, para evitar que o Brasil se afogue numa crise de desemprego a solução não é uma “corrida para o fundo [do mar do desemprego]” como propõe Zeina Latiff e o jornal O Globo; mas um esforço para resgatar aqueles que, por ventura, tenham sido jogados ao mar [do desemprego].
Em terceiro lugar, não é o momento de se pensar em “equilíbrio fiscal”, a prioridade agora é (i) salvar o maior número possível de vidas humanas e (ii) minimizar o impacto econômico da crise do coronavírus. Para tanto, os governos dos países desenvolvidos já anunciaram pacotes de aumento dos gastos públicos, subsídios as empresas privadas (incluindo a nacionalização de empresas) e transferência de renda para a população de centenas de bilhões de dólares. Por exemplo, a Espanha anunciou esta semana um pacote de 200 bilhões de euros, quase 20% do PIB desse país, para o enfrentamento dos efeitos econômicos da crise do coronavírus. Pacotes gigantescos também foram anunciados pelos EUA, França e demais países desenvolvidos. Ninguém está se preocupando, neste momento, com o impacto fiscal dessas medidas. Um aumento substancial do déficit fiscal e da dívida pública é esperado em todos os países do mundo, como a contra-partida necessária das políticas que precisam ser executadas para evitar o colapso econômico e social. No Brasil não será diferente. Lembrando que a dívida pública brasileira é quase que inteiramente denominada na moeda corrente do país – como ocorre em outros países do mundo – de forma que NÃO EXISTE RISCO DE INADIMPLÊNCIA POR PARTE DO GOVERNO. Em último caso o governo pode sempre recorrer a emissão monetária para financiar seus gastos, principalmente numa situação – como a que foi decretada pelo Congresso Nacional hoje – de calamidade pública.
Os mais afoitos dirão que o financiamento monetário dos gastos do governo levará o Brasil a uma situação de hiper-inflação. Essa mesma crítica foi feita as operações de “afrouxamento quantitativo” realizadas pelo Federal Reserve e pelo Banco Central Europeu para lidar com os efeitos da crise financeira de 2008. Tanto o FED como o BCE aumentaram a base monetária em mais de 400% [Tecla SAP: imprimiram dinheiro a rodo]; mas a taxa de inflação – contrariamente ao proposto pela Teoria Quantitativa da Moeda na qual Zeina Latiff aparentemente se baseia – teimou em ficar abaixo de 2% a.a nos EUA e nos países da área do Euro. Não há nenhuma razão para achar que no Brasil o efeito será diferente do ocorrido nos países do hemisfério norte. Além do mais, em países como a Suíça, o Banco Central já estuda a possibilidade de executar uma nova rodada de “afrouxamento quantitativo” por intermédio de um crédito direto na conta corrente de cada cidadão desse país, ao invés de realizar a expansão monetária por intermédio das tradicionais operações de mercado aberto. Será a versão moderna do “helicóptero monetário” de Milton Friedman, o qual realizava um aumento da oferta de moeda por intermédio da distribuição de dinheiro para a população por via aérea.
Se o governo adotar as medidas necessárias no tempo correto – coisa improvável com Paulo Guedes a frente do Ministério da Economia – então será possível ter uma recessão de tamanho moderado no Brasil ao longo do ano de 2020; com uma queda entre 2 a 3% do nível de atividade econômica. A adoção da estratégia liquidacionista de Zeina Latiff – uma reedição das medidas propostas por Andrew Mellon em 1930 para lidar com a Grande Depressão de 1929 com os resultados sobejamente conhecidos – irá apenas aprofundar a queda do nível de atividade e, dessa forma, irá contribuir para o agravamento do desequilíbrio fiscal, produzindo assim o efeito oposto ao que se desejava obter. Medidas como a proposta por Zeina Latiff já foram adotadas no passado e deram tremendamente errado. Trata-se de puro e simples “terraplanismo econômico”. Chegou o momento de se adotar as medidas que são avalizadas pela boa teoria econômica e pela experiência internacional. O Brasil não pode ir na contramão do mundo. É o momento para adotarmos Ciência, não Bruxaria.
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