Integrantes do Judiciário e do Ministério Público afirmam que Constituição impede Executivo de tratar de prerrogativas e benefícios de membros dos demais Poderes. Com isso, questões como redução de férias de 60 dias não poderiam estar no pacote
Juízes, procuradores e parlamentares devem ficar de fora, pelo menos num primeiro momento, da reforma administrativa que o governo deve encaminhar ao Congresso nos próximos dias. A razão é que, de acordo com a Constituição, o Executivo não pode tratar de questões que envolvam prerrogativas ou benefícios dos membros dos demais Poderes. Somente o Congresso Nacional, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo Tribunal Federal (STF) podem cuidar do assunto — em suas respectivas carreiras, afirmam membros do Judiciário e do Ministério Público.
Dessa forma, estão fora do alcance da reforma questões como a redução de férias de 60 dias para 30 dias, auxílio-moradia, ressarcimentos de vantagens retroativas ou extinção de eventuais “penduricalhos” que aumentam os ganhos mensais daquelas categorias. “É claro que, se o Supremo tem competência para definir o regime jurídico da magistratura, cabe a ele qualquer iniciativa dessas mudanças”, diz Fernando Mendes, presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe).
Juízes e procuradores, em consequência do regime diferenciado, explica Mendes, “não têm jornada de trabalho” — horário de expediente para entrar e para sair. “Então, se forem alterar férias, o que vai substituí-las? Vão se pagar horas extras para magistrados que trabalham à noite, que trabalham no fim de semana? Por isso, essa reforma que o Executivo quer fazer não pode atender a juízes e procuradores. Magistrado não é servidor público, é membro de um Poder. Seria incoerência o Executivo querer mudar as férias de deputados e senadores”, diz Mendes.
Victor Hugo Azevedo, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) destaca que é preciso, em primeiro lugar, deixar claro o que alguns chamam de “penduricalhos” e o que significa deixar de pagar o que um membro do Judiciário ou do MP recebem por merecimento. “Existem direitos que foram sonegados por anos. Normalmente, o órgão deixa de pagar algum benefício, que fica ali reservado para quando houver recursos disponíveis. Não pagar as verbas atrasadas seria institucionalizar o calote. O próprio mercado tem mecanismos para cobrar do cidadão quando ele deve, com juros e correção monetária. Por que conosco seria diferente?”, enfatiza Azevedo.
Estratégias
Segundo o presidente da Conamp, os membros do Judiciário e do MP estão apreensivos com a forma como estão sendo conduzidas as estratégias de comunicação da reforma administrativa, com sigilo do conjunto de medidas, mas, ao mesmo tempo, com constantes vazamentos pontuais. “Todo o serviço público está muito preocupado com as alterações, porque todos os governos que chegam agem como se o funcionalismo fosse o ralo por onde saem as riquezas do país. Mudanças vêm sendo feitas, mas nunca para melhorar o ambiente interno ou os benefícios para a sociedade”, reclama.
Segundo Azevedo, não há dúvida de que a administração precisa se modernizar e criar mecanismos de enfrentamento à corrupção, diante do avanço da tecnologia e do envelhecimento da população. “Mas a saída não é suprimir direitos. Os gestores de plantão também deveriam reconhecer que está ultrapassado esse olhar de economizar a qualquer custo, sem dar retorno à altura à sociedade”, analisa.
Especialistas em direito público e administrativo opinam que o presidente da República, Jair Bolsonaro, mexeu em um vespeiro. “Quando manda e desmanda nos barnabés (funcionários públicos menos graduados), o corpo da máquina, a resistência, embora barulhenta, nem sempre funciona. Mas alterar benesses, por mais que a sociedade esteja farta delas, sem uma conversa respeitosa com aqueles que mandam, torna-se uma ofensa. E, aí, a pressão contrária pode ser tão contundente que impede até mesmo boas iniciativas”, assinala um servidor.
A fonte nota que o procurador-geral da República, Augusto Aras, por exemplo, não poupou críticas à equipe econômica quando veio a público, na última segunda-feira, a informação de que a reforma previa e redução do período de férias dos integrantes do MP. Aras argumentou que membros da corporação trabalham com uma carga “desumana”, aos sábados, domingos e feriados, e levam trabalho para casa para cumprir prazos e metas.
“São agentes políticos que, tanto quanto parlamentares e chefes do Executivo, não podem se submeter a jornadas de trabalho preestabelecidas. O Ministério Público tem de cumprir prazos exíguos, não obstante o número de ações que cada procurador recebe mensalmente para manifestações, algumas vezes superando os 500 processos”, afirmou Aras.
Paulo Guedes defende propostas
O ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu nesta sexta-feira (8/11) o conjunto de propostas de reformas anunciado pelo governo federal na última terça-feira, e entregue ao Congresso Nacional, e destacou o apoio do presidente Jair Bolsonaro no processo. Em palestra de mais de uma hora durante um seminário no Rio de Janeiro, Guedes comemorou resultados positivos da economia do país e ainda demonstrou otimismo com a tramitação da nova etapa de reformas no Legislativo.
“Essa reforma não vai ser como a Previdência, que teve um corte grande, porque está sendo feita junto com o Congresso. O aprendizado nosso foi esse. Em vez de jogar R$ 1 trilhão e não sei quanto (valor do impacto fiscal original da proposta de reforma da Previdência), fomos conversando (com o Congresso). Demora um pouquinho mais, mas está tudo mais ou menos entendido e mais ou menos encaminhado”, afirmou Guedes na palestra com a qual encerrou o seminário Reavaliação do Risco Brasil, organizado pelo Centro de Economia Mundial (CEM) da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio.
O ministro aproveitou a narrativa sobre a trajetória que criou os problemas econômicos do país para defender o programa econômico do governo. Segundo Guedes, a ideia de seu programa econômico é “completar” a transição para uma economia mais aberta, atacando as causas dos problemas econômicos. Estratégia diferente, portanto, de políticas econômicas de governos anteriores, que, com diversas medidas, teriam focado mais nos “sintomas”, como no uso do congelamento de preços para enfrentar a inflação galopante.
“Nosso programa não é para gerar um superavit primário, não é para fechar as contas com alta de imposto. Queremos fazer a transformação do Estado brasileiro”, afirmou Guedes. “Não vou combater sintomas, vou combater as causas”, completou.
No conjunto de medidas para reformar a gestão do Orçamento público e as regras da política fiscal, por exemplo, um dos objetivos é deixar um “legado de responsabilidade fiscal”, disse Guedes. “Tínhamos a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas não a cultura de responsabilidade”, afirmou o ministro.
Apoio
Guedes também destacou o apoio do presidente Bolsonaro ao conjunto de propostas de reformas. O ministro exaltou a “determinação” e a “firmeza” do presidente, após lembrar que a atuação política de Bolsonaro levou a uma flexibilização natural no processo de construção das medidas. Como exemplo, disse que a ideia original era desindexar, desobrigar e desvincular todas as despesas públicas, sem distinção, mas reconheceu que essa proposta só sobrevivia na “sala de aula”. “Nada disso seria possível sem ele”, afirmou Guedes sobre Bolsonaro.
O ministro também comemorou resultados positivos na economia. Ele mencionou principalmente indicadores do mercado de crédito. Os juros, por exemplo, já vinham caindo no governo Michel Temer, na gestão de Ilan Goldfajn à frente do Banco Central (BC), na esteira da redução da taxa básica (Selic, hoje em 5% ao ano). Só que, segundo Guedes, o movimento vinha se refletindo apenas nos títulos (públicos e privados) de prazo mais curto. Agora, no governo Bolsonaro, os juros dos títulos de prazo mais longo também estão em queda.
A aprovação da reforma da Previdência foi necessária, mas não suficiente para estabilizar ou zerar o deficit fiscal brasileiro. Outras reformas e a volta do crescimento são fatores decisivos para que o país volte ao grau de investimento. A avaliação é do diretor executivo da agência de rating Fitch no Brasil, Rafael Guedes, que prevê superavit primário em 2023 — um ano além da estimativa do Ministério da Economia. Atualmente com perspectiva estável no conceito da Fitch, a nota do Brasil não deve ser alterada no horizonte de 18 a 24 meses. Para isso, afirmou ele, é necessário uma perspectiva de crescimento sustentável a longo prazo.
Obstáculos no Senado
Apesar do discurso de otimismo do governo, a tramitação das propostas encaminhadas nesta semana ao Congresso poderá ser mais difícil do que o previsto. Requerimento apresentado no Senado pede que o ministro da Economia, Paulo Guedes, abra todos os dados que embasaram a elaboração das três propostas de emenda à Constituição (PECs) do pacote. O pedido precisa ser aprovado pela mesa diretora do Senado. Depois desse aval, enquanto os dados não forem apresentados pelo governo, a votação das PECs fica suspensa na Casa.
O requerimento foi protocolado pelo senador José Serra (PSDB-SP), que solicitou informações detalhadas sobre itens como a economia esperada com as propostas. Ele também quer saber a previsão do governo para acionar os gatilhos de ajuste para o cumprimento da chamada regra de ouro — que impede o governo de se endividar em patamar superior ao que investe.
O pacote representa a mais ambiciosa aposta do governo para tentar resolver os problemas das contas públicas do país. Entre outros pontos, prevê aumento da autonomia orçamentária de estados e municípios e fim de despesas obrigatórias.
O pedido soma-se às resistências de senadores à pressa do governo, que apostava na aprovação de parte das medidas ainda neste ano. Anteontem, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), disse que o governo teria de escolher entre aprovar neste ano com alterações a PEC emergencial (uma das três do pacote) ou deixar para 2020, insistindo no conteúdo proposto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. “O Senado não tem pressa”, disse ela.
Transparência
Serra afirmou que é preciso entender o que o governo pretende fazer na política fiscal para dar maior transparência ao debate público do pacote. “Eles vão ter de responder”, disse o senador. Em março, Serra também protocolou requerimento pedindo que Guedes detalhasse a memória de cálculo da proposta de reforma da Previdência. O pedido foi aprovado e os dados, apresentados à equipe do senador.
Se o novo requerimento for aprovado, o ministro da Economia terá 30 dias para apresentar os dados. Caso contrário, fica sujeito até a processo de impeachment por crime de responsabilidade.
Para que as informações sejam dadas, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), precisa ler o requerimento no plenário da Casa. Na sequência, o documento passa pelo aval da Mesa Diretora para ser direcionado ao ministro.
Fonte: Correio Braziliense
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