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Governo quer mudar regra para facilitar corte de jornada e de salário de servidor

  • 04 de setembro de 2019
Com mudanças em regras fiscais, governo poderia acionar gatilhos para reduzir gastos obrigatórios e aumentar despesas com custeio
 
O governo e o Congresso Nacional articulam uma mudança nas regras fiscais do País para acionar mais facilmente “gatilhos” de ajuste nas contas públicas, como a proibição a aumentos salariais e a redução de jornada e remuneração de servidores. A alteração evitaria a situação atual de paralisação da máquina pública, pois o governo poderia redirecionar gastos e diminuir o bloqueio de verbas para os ministérios. Para isso, optaria por descumprir a meta fiscal, mas adotaria medidas de ajustes.
 
A estratégia também planeja descriminalizar um eventual estouro da meta fiscal – valor estabelecido todo o ano pelo governo com o compromisso de manter a dívida pública sob controle.
 
Hoje, o governo não tem espaço para manobras. Neste ano, a máquina pública corre risco de sofrer um apagão porque a equipe econômica precisou cortar despesas para garantir o cumprimento da meta (que permite rombo de até R$ 139 bilhões), embora haja espaço de sobra para gastos segundo outra regra, a do teto, que limita o avanço das despesas à inflação. O descumprimento da meta é crime, e o presidente da República pode ser responsabilizado.
 
O conflito entre as diversas regras fiscais tem sido tema recorrente nos debates da equipe econômica. O governo precisa respeitar, ao mesmo tempo, três regras principais: o teto de gastos, a meta de resultado primário (diferença entre o que é gasto e o que é arrecadado) e a regra de ouro do Orçamento – que também criminaliza o gestor e o presidente se houver uso de dinheiro obtido com empréstimos para pagar despesas correntes, como salários e benefícios previdenciários.
 
O teto de gastos é a única norma que prevê gatilhos automáticos de ajuste em caso de descumprimento. Na situação atual de frustração de receitas, porém, o governo precisou apertar o Orçamento ao máximo para assegurar a meta fiscal. Dessa forma, não há perspectiva de descumprimento do teto. Isso impede que os gatilhos automáticos sejam acionados.
 
PEC
Para desatar o nó fiscal, um grupo técnico com integrantes de dentro e de fora do governo se debruçou sobre uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada em 2018 pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que muda a regra de ouro. O texto, que começará a dar os primeiros passos nesta semana na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, deve ganhar uma roupagem mais ampla para servir ao redesenho das regras fiscais pretendido pelo governo.
 
O presidente da CCJ da Câmara, Felipe Francischini (PSL-PR), designou como relator da proposta o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ). A votação deve ocorrer em breve, pois o tema é considerado prioridade pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em seguida, o texto vai à Comissão Especial, que discutirá as mudanças. O relator será o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES).
 
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Rigoni conta que a estratégia do grupo de trabalho se divide em duas frentes. A primeira delas é alterar as regras para antecipar o acionamento dos gatilhos do teto de gastos, em acordo com o que já está na PEC de Pedro Paulo. Ainda não está definido qual será a referência para o disparo das medidas de ajuste, se continuará sendo a regra de ouro (como na proposta original) ou se mudará para outro indicador, como despesas obrigatórias.
 
O contínuo avanço das despesas obrigatórias, que o governo não pode deixar de executar (como salários e benefícios previdenciários), é hoje o principal fator de pressão sobre o Orçamento enfrentado pelo governo.
 
“Para ser o mais rápido e o mais eficaz, a gente não sabe se o indicador central precisa ser regra de ouro ou se pode ser outras coisas, como despesa obrigatória, resultado primário”, afirma Rigoni. 
 
Ao mesmo tempo, a proposta passa pela descriminalização da violação das regras. Nos últimos 19 anos, a meta precisou ser mudada em 11 deles para evitar que o presidente da República fosse punido por seu descumprimento.
 
Alguns dos gatilhos mais “poderosos”, segundo Rigoni, são a redução de jornada e salários de servidores e a desvinculação de recursos que sobram a cada ano em diversos fundos do governo federal. “São 260 fundos que estão com dinheiro parado, R$ 350 bilhões”, diz. 
 
A área econômica avalia que a liberação mais rápida dos gatilhos tornará a gestão do Orçamento mais eficiente. Os contingenciamentos penalizam sobretudo os investimentos, um tipo de gasto que tem mais poder para alavancar a atividade econômica. Economistas de diferentes correntes ideológicas têm defendido a necessidade de um “impulso fiscal” por meio de investimentos num momento em que a retomada do crescimento ainda patina.
 
Segunda fase
Em outra frente, o grupo técnico já discute um novo conjunto de regras para vigorar a partir de 2026, quando a própria emenda do teto de gastos permite que ele seja revisado. “O teto que temos é muito rígido, e precisava ser para a gente conseguir alguma estabilidade fiscal. Agora, para médio e longo prazo, a gente que acha que pode ter um quadro de despesas relacionado a um indicador supersimples. Por exemplo, despesa obrigatória, ou resultado primário”, explica Rigoni.
 
Segundo o deputado, a intenção é que o Brasil passe a trabalhar com uma espécie de quadro plurianual de despesas, como na Suécia e outros países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nesse modelo, o governo discutiria hoje o teto para as despesas a serem desembolsadas daqui dois anos. O limite poderia ser revisto, com a definição de subtetos, um ano antes da execução orçamentária.
 
“Você impõe ao Congresso uma discussão de prioridades e consegue antecipar problemas. Se eu fizer concurso para selecionar 10 mil agentes da Polícia Federal, saberia que dali três anos vai estourar o teto”, exemplifica.
 
O quadro de despesas estaria associado a uma âncora de dívida, que não seria uma meta ou um limite de endividamento (como existe nos Estados Unidos), mas sim um valor de referência para guiar a condução da política fiscal do País.
 
“Para médio e longo prazo, depois dessa transição inicial que vai ser alinhada ao teto de gastos, precisamos de uma regra operacional facílima e simples de ser calculada, com gatilhos claros para que, se for estourada, o governo tenha consequências, e não o governante como é hoje”, afirma Rigoni. “Temos que dar capacidade ao governo de reduzir suas despesas obrigatórias sem paralisar a máquina”, diz.
 
Gatilhos mais rápidos
O que os gatilhos do teto proíbem? 
  1. Concessão de qualquer vantagem, aumento ou reajuste salarial para servidores. 
  2.  Adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação (por exemplo, a concessão de um aumento real no mínimo). 
  3.  Criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa.
  4.  Alteração de estrutura de carreira que aumente gastos.
  5. Admissão ou contratação de pessoal, à exceção das reposições de cargos de chefia e direção (sem elevar despesa) ou das reposições de cargos efetivos que vierem a ficar vagos.
  6. Realização de concursos públicos, exceto para reposições de cargos efetivos vagos. 
  7. Criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação e outros benefícios.
  8. Criação de nova despesa obrigatória.
  9. Criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como perdão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que levem a alta nos subsídios.
  10. Concessão qualquer novo benefício tributário, ou mesmo ampliação.
Que outros gatilhos a nova PEC pode criar?
  1. Suspensão temporária de repasses do FAT para o BNDES.
  2. Aval à redução temporária de jornada e salário de servidor
  3. Corte de ao menos 20% nas despesas com cargos em comissão e de confiança. 
  4. Exoneração de servidores não estáveis.
  5. Redução de despesa com publicidade e propaganda em pelo menos 20%.
  6. Corte de benefícios tributários.
  7. Desvinculação de recursos parados em fundos do governo para abater dívida pública
Principais regras fiscais que o governo precisa cumprir
Meta fiscal
O resultado primário é calculado pela diferença entre as despesas do governo (com pagamento de pessoal, Previdência, custeio e investimentos) e as receitas com os tributos. Para este ano, o governo vai gastar mais que arrecadar - portanto, a meta permite um resultado negativo em até R$ 139 bilhões.
 
Teto de gastos
Criado no governo do ex-presidente Michel Temer, limita o avanço das despesas à variação da inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior. De junho de 2018 a julho de 2019, esse índice ficou em 3,37%, porcentual que corrigirá o teto em 2020.
 
Regra de ouro
Impede o governo federal de se endividar para pagar despesas correntes, como salários, Previdência Social e benefícios assistenciais. A exceção é se o Congresso conceder uma autorização especial para emitir dívida e usar esse dinheiro para pagar aposentadorias, salários e Bolsa Família. Para o ano que vem, o governo vai precisar de um crédito extra de R$ 367 bilhões.
 
 
Fonte: Estadão
   
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