A reforma da Previdência pode fazer cada trabalhador cuidar de seus próprios benefícios, como auxílio-doença e salário-maternidade. Seria preciso contratar seguros particulares por conta própria, se for aprovada a ideia de um regime de capitalização, no qual o trabalhador faz sua própria poupança para a aposentadoria.
Não há definição sobre quem administraria esse sistema, mas empresas privadas de seguro e bancos estão de olho no potencial para faturar com o novo modelo, dizem especialistas ouvidos pelo UOL.
De acordo com a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, após a reforma da Previdência, o novo sistema "garantirá a cobertura de benefícios não programados, como auxílio-doença e salário-maternidade. Tal cobertura poderá ser atendida em sistema concorrencial pelo Regime Geral de Previdência Social e pelo setor privado".
"O que o órgão faz menção é de passar para a iniciativa privada, em forma de seguros individuais. Seriam adesões a planos que teriam por característica uma previsão de, além da possibilidade de resgate, gradual ou de uma única vez, como acontece com previdência privada, ter a possibilidade de cobertura em caso de necessidades como as citadas", afirmou Jorge Cavalcanti Boucinhas, especialista em direito do trabalho da FGV Eaesp.
Rede de proteção social sob cuidado privado
Para Jane Berwanger, diretora do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), mesmo sem mais detalhes divulgados pelo governo Bolsonaro, o novo modelo entrega a rede de proteção social ao interesse privado.
"Acho que a proteção social básica e especialmente de risco [saúde e maternidade] deve ser prioritariamente pública, e, na forma privada, apenas existir de forma a complementar à primeira", disse.
Segundo o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), o auxílio-doença é um benefício dado ao segurado do órgão que comprove, em perícia médica, estar temporariamente incapaz para o trabalho em decorrência de doença ou acidente.
O salário-maternidade é um benefício oferecido à pessoa que se afasta de sua atividade, por motivo de nascimento de filho, aborto não criminoso, adoção ou guarda judicial para fins de adoção.
Não se sabe quem administraria sistema
Ainda não há, contudo, detalhes de como seria feita essa rede de proteção no sistema de capitalização, quem administraria ou quais os percentuais e condições para a obtenção do benefício.
Apesar de esse sistema ainda depender de uma lei complementar aprovada pelo Congresso, tal alteração deve promover a abertura de um novo mercado para a exploração desse tipo de apólice de seguros no país.
"Seguramente vai gerar isso. É um nicho que já existe, mas que certamente vai ampliar a captação de recursos de uma forma sem precedentes", afirmou Boucinhas.
Bancos de olho no negócio
Não à toa, os bancos estão de olho no andamento da reforma, apesar de o ministro da Economia, Paulo Guedes, ter dito que as instituições financeiras não irão gerir o sistema de capitalização.
Para André Serebrinic, diretor de Vida, Previdência, Capitalização e Saúde da Mapfre, a reforma realmente deverá fomentar esse mercado no país. Ele, porém, afirmou que não há como prever uma expansão real do mercado privado dada a falta de mais informações acerca da capitalização.
"Sem dúvida pode [haver um aumento]. Se você tiver um regime de capitalização, vai aumentar o mercado de previdência", disse ele. "Mas como isso vai ser feito? Vai ser criada uma nova empresa pelo governo? Não sabemos. Isso vai aumentar o mercado de previdência privada no país, mas o resto não está claro. Hoje temos um regime de capitalização no Chile, tem seus méritos e seus defeitos, e podemos aprender com eles", afirmou.
O UOL também procurou outras operadoras do mercado, mas Bradesco, SulAmerica e Porto Seguro não quiseram se manifestar. As entidades de classe do setor também optaram por não opinar sobre o assunto.
Como é o modelo chileno
Apesar de o governo Bolsonaro afirmar nas propagandas que a reforma da Previdência não transformará o sistema num parecido com o vigente no Chile, o país é o único entre os próximos do Brasil a adotar iniciativas parecidas desde a década de 1980.
Para a diretora do IBDP, que foi ao Chile estudar como funciona o regime previdenciário chileno, a proposta do Brasil se assemelha ao que ocorre no país vizinho.
Lá, a chamada Pensão de Invalidez Transitória, por exemplo, é referendada pelo Seguro de Invalidez e Sobrevivência e escolhida pelo trabalhador no momento de adesão ao fundo de capitalização.
"No Chile, o Estado é responsável por algumas situações familiares, como os benefícios para incapazes menores de idade, entre outros. Já a capitalização paga invalidez, enfermidade ou acidente. Assim, o Estado lá é algo mais assistencial mesmo e não cobre eventuais despesas não previstas", disse Jane.
"No caso de invalidez, por exemplo, sai da conta da pessoa, individual. Não há nada de público", afirmou. Segundo ela, o valor recebido varia de acordo com o grau de invalidez. A lei que regula as pensões por invalidez no país vizinho prevê que o segurado receba, no mínimo, 50% da média contributiva do trabalhador. Já o limite máximo é de cerca de 70% da média do valor das contribuições.
Fonte: UOL Economia
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