A desigualdade da renda dos trabalhadores seguiu sua trajetória de crescimento nos primeiros meses deste ano e atingiu seu maior nível em pelo menos sete anos, mostra um levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) obtido com exclusividade pelo Valor.
O índice de Gini do rendimento domiciliar per capita do trabalho subiu de 0,625 no quarto trimestre do ano passado para 0,627 no primeiro trimestre deste ano - o indicador mede a desigualdade numa escala de zero a um, sendo zero a igualdade perfeita. Foi o décimo sétimo aumento trimestral consecutivo do indicador.
De acordo com o levantamento, o índice do primeiro trimestre estava no maior patamar desde o primeiro trimestre de 2012, início da série histórica. Os cálculos foram feitos a partir dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, divulgada na semana passada.
O movimento ocorre apesar de o governo Jair Bolsonaro ter fixado o salário mínimo em R$ 998 a partir de 1º de janeiro deste ano, aumento real de 1,1% frente ao valor do ano passado. Foi o primeiro ganho real do mínimo em dois anos. O valor é definido com base na inflação pelo INPC e o desempenho do PIB de dois anos anteriores.
Daniel Duque, pesquisador do Ibre/FGV e autor do levantamento, diz que a lenta melhora do mercado de trabalho nos últimos anos foi concentrada nas pessoas com melhores qualificações e experiência profissionais, o que potencializou a desigualdade. O desalento - quando uma pessoa desiste de procurar emprego - é maior entre os menos qualificados.
"O desalento vem batendo recorde e ajuda a explicar por que, mesmo com redução do desemprego no ano passado, a desigualdade seguiu crescendo. São pessoas que estão em domicílios já de menor qualificação, de menor renda, e que desistiram de procurar trabalho", disse o pesquisador do Ibre/FGV.
Para o pesquisador, a desigualdade da renda do trabalho aumentou, contudo, mais lentamente neste início de ano. Isso pode ser um sinal de que, em algum momento deste ano, o índice de Gini pode voltar a recuar. Para isso, contudo, será necessário, segundo ele, aprovar a reforma da Previdência e evitar nova piora de expectativas.
"O que a reforma da Previdência vai trazer de positivo de curto prazo é evitar a volta da crise, da recessão. O cenário sem a reforma é catastrófico", disse Duque. "O risco é termos uma reversão do mercado de trabalho, uma piora da economia. É o grande risco que estamos vendo no Brasil atualmente".
O pesquisador de Princeton Marcelo Medeiros diz que não existe uma medida mágica para a redução da disparidade de renda no país. Ele afirma que diversas iniciativas precisam ser adotadas para progressos no curto, médio e longo prazos - desde distribuição de renda por políticas sociais até redução de privilégios tributários.
Segundo ele, o investimento na melhoria da qualidade da educação tende a ter poucos efeitos no curto prazo para reduzir a desigualdade de renda. Os efeitos são relevantes, porém, no longo prazo, após entre três e cinco décadas. Este é o tempo necessário para que haja uma mudança geracional no mercado de trabalho.
"O trabalhador que está hoje no mercado estudou entre as décadas de 70 e 90. É claro que também temos trabalhadores que estudaram nos anos 2000, mas eles são minoria. Não podemos corrigir esse passado, mas podemos investir no futuro", disse Medeiros, acrescentando que vê com preocupação o corte da verba da educação.
Nos últimos anos, Medeiros desenvolveu trabalhos mostrando que a desigualdade não caiu como imaginado no país na última década. Com base em dados da Receita Federal, seu trabalho mostrou que a melhor distribuição da renda do trabalho foi compensada pelo rendimento de capital da parcela mais rica da população.
"Um efeito neutralizou o outro. Mas isso não é verdade especificamente para a renda do trabalho. Eu concordo com a ideia de que essa desigualdade estava se reduzindo e, agora, nos últimos anos, vimos o movimento contrário. A desigualdade da renda do trabalho voltou a crescer, o que não se via desde quase os anos 80", acrescentou o pesquisador.
Fonte: Valor Econômico
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