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PEC 32
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Inconstitucionalidade da Reforma da Previdência

  • 22 de abril de 2019
As forças políticas que se articulam para a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, apresentada pelo Presidente da República à Câmara dos Deputados em 20/02/2019, pretendem que ela seja aprovada em curtíssimo prazo.
 
Na proximidade de deliberação do órgão da Câmara dos Deputados encarregado precisamente de analisar a constitucionalidade dos projetos de atos normativos (a CCJ), este breve estudo busca contribuir à possibilidade de que haja algum debate racional sobre a constitucionalidade de tal PEC. Para tanto, porá em relevo violações à Constituição manifestadas no fenômeno da pressa que inspira seu processo legislativo.
 
Para clareza conceitual, a “Reforma” será chamada de PEC 6/2019. Isso por dois motivos. O primeiro, por buscar-se um tratamento científico do assunto, que pode ser prejudicado pelo uso de expressões com inevitáveis conotações políticas. O segundo, porque o próprio nome “Reforma” não corresponde à realidade a que é de maneira falaciosa atribuído, haja vista que a PEC 6 não se ocupa em reformar a previdência, mas sim em transformá-la em outra coisa, destruindo o atual sistema de direitos de previdência e assistência social.
 
O processo legislativo da referida PEC marca-se por alegada “extrema necessidade” e “urgência” na sua aprovação. Mas nas projeções atuariais que seus defensores expõem (a exemplo do gráfico na página 52 da exposição de motivos da PEC 6/2019), é representada a situação da previdência com as regras atuais até 2060! Por quê? Porque, antes de 2060, os gráficos não se comportam tão favoravelmente à alegada necessidade e urgência da destruição da previdência pública.
 
Por outro lado, é estranho que, diante do déficit de planejamento atuarial que marca nossa história previdenciária, haja tanta urgência em disciplinar nos primeiros meses de 2019 as relações jurídicas previdenciárias dos próximos 40 anos!
 
Supondo-se que a previdência social tenha algum valor, já que seus mais de 35 milhões de benefícios ativos sustentam hoje cerca de metade das famílias brasileiras, não seria mais razoável alterá-la aos poucos e com parcimônia, com bastante discussão no seio da sociedade, uma vez que a Constituição estabelece um regime democrático, o qual exige a mais ampla discussão de um assunto tão importante? Nesse sentido, observe-se que o caráter democrático da Seguridade Social é especial e expressamente ressaltado no artigo 194, parágrafo único, inciso VII, da Constituição.
 
O discurso falacioso e a pressa com que o Governo está buscando a aprovação da PEC 6/2019 é uma espécie de Blitzkrieg contra os direitos sociais, uma guerra-relâmpago para evitar que a população e seus representantes no Congresso tenham tempo de entender em que consiste tal “reforma” e possam a ela se opor.
 
Trata- se, portanto, de nítida tentativa de evitar que o povo exerça o poder político, que é seu, como afirmado já no primeiro artigo da Constituição da República. Essa Blitzkrieg tem dois fronts: a publicidade falaciosa no sentido da urgência e necessidade e, no outro front, a articulação para que a PEC seja rapidamente aprovada na Câmara e no Senado.
 
No primeiro front, as forças governistas vêm se saindo muito bem, tendo a seu lado a grande mídia exibindo apenas opiniões de quem está convencido da urgência da reforma, especialmente banqueiros e seus economistas, chegando até mesmo a dizer que a aprovação da PEC gerará milhões de empregos no curto prazo (tal como disseram quanto à “reforma trabalhista) e fazendo uma espécie de terrorismo diário com supostos efeitos danosos que a demora na aprovação estaria causando em índices do mercado ou na avaliação de agências de risco”.
 
Impressiona que não só a grande mídia tradicionalmente adversária dos direitos sociais, mas mesmo integrantes do Governo, jungidos ao princípio constitucional da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput), enunciam assertivas do tipo saúde e a educação são ruins por causa da previdência (v. nesse sentido o item 10 da exposição de motivos da PEC 6, p. 43), ou a reforma é para favorecer os mais pobres e prejudicar os ricos (especialmente os titulares de aposentadoria por tempo de contribuição e, como não poderia deixar de ser, os culpados de sempre, os judeus do Reich de Banânia, os servidores públicos).
 
Exemplo de enunciação da falácia curiosa de que a reforma visa a favorecer os mais pobres e prejudicar os ricos consta nitidamente da exposição de motivos da PEC 6/2019, no tópico “Maior equidade e justiça social” (p. 53):
 
“Algumas regras previdenciárias fazem com que os mais ricos sejam relativamente beneficiados. (...). Ricos tendem a se aposentar mais cedo e com maiores valores. Em geral, em especial no setor urbano, os trabalhadores socialmente mais favorecidos (maior renda, formalidade, estabilidade ao longo da vida laboral e melhores condições de trabalho) tendem a se aposentar por tempo de contribuição. Isto é, sem idade mínima, com idade média de 54,6 anos em 2018, tendo expectativa de recebimento de benefício de 27, 2 anos, e com valor médio de R$ 2.231,00”.
 
Sim! A exposição de motivos da PEC 6 diz que quem se aposenta com um pouco mais de 2000 reais de benefício é... RICO! Apesar do já referido cânone constitucional que exige moralidade administrativa na Administração Pública, está isso escrito como fundamento de uma Proposta de Emenda Constitucional que visa a instituir uma nova previdência para os próximos 40 anos. 
 
Essa falácia deixa transparecer o problema crucial do ataque a direitos sociais: revogam-se as normas que prevêem os direitos (objetivos), ao invés de promover, o Estado, a possibilidade de os pobres ascenderem a uma situação social em que possam usufruir dos direitos (subjetivos), inclusive previdenciários. Na tensão entre os direitos sociais de todos e os lucros de poucos, estes são preferidos, o que é gravíssimo em qualquer país, mas especialmente no nosso, que está entre os mais desiguais do Planeta.
 
Já no segundo front, no Congresso, o governo não tem conseguido avançar tão rapidamente quanto desejam seus aliados. Não fosse isso, talvez a “reforma” fosse aprovada antes que na comunidade jurídica surgisse debate sobre a inconstitucionalidade da destruição do sistema de direitos sociais pretendida pela PEC 6/2019. Imaginem se daria tempo de essa discussão chegar ao cidadão!
 
Em 28/03/2019 foi escolhido o Sr. Relator da PEC na CCJ, que menos de 10 dias úteis após, em 09/04/2019, apresentou parecer pela integral constitucionalidade da medida. Mas Sua Excelência aprovou tão rapidamente o projeto que não percebeu a manifesta afronta à cláusula pétrea da Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º) e prejuízo à própria intenção de economizar decorrente da disposição que altera o art. 195, §5º (página 8 da PEC), a qual, diversamente do pretendido pelo gênio que imaginou a alteração de tal preceito, apenas causará mais ações judiciais e concessão de benefícios (com ou sem previsão de fonte de custeio, que qualquer juiz inteligente pode apontar como existente em alguma lei).
 
Isso porque, no afã de impedir a concessão judicial de benefícios, a PEC estabeleceu requisitos para a criação judicial de direitos e, portanto, instituiu que o Judiciário brasileiro possa criar direitos, o que é vedado no atual regime constitucional.
 
Essa alteração do artigo 195, §5º, se aprovada, vai prejudicar não apenas a Seguridade, mas todo o Direito brasileiro, cuja Lei Maior claramente passará a admitir a criação de direitos pelo Judiciário, atribuindo a este uma função tipicamente do Poder Legislativo. Se o Governo pensar bem, talvez seja melhor até para ele dar uma segurada no andamento dessa PEC. Se a pressa irresponsável imbuída à tramitação do projeto já põe em risco objetivos do próprio Governo, imaginem-se os prejuízos que causará ao sistema de proteção social no Brasil.
 
O artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição, prevê a razoável duração dos processos, vedando demora ou celeridade que venham a prejudicar os objetivos da atuação do Estado por meio do processo. Se em processos administrativos e judiciais há de ser observada a razoabilidade da duração do processo, com mais razão ainda esse cânone aplica-se a processos legislativos, de repercussão normalmente mais impactante socialmente do que o produto final da decisão administrativa ou judicial.
 
Diante do direito fundamental à razoável duração do processo, como admitir que uma Proposta de Emenda Constitucional visando a disciplinar as relações de seguridade no Brasil nos próximos 40 anos seja aprovada com excessiva pressa que prejudica evidentemente o princípio democrático, o exercício da cidadania e o direito dos cidadãos entenderem os assuntos da res publica, especialmente os que dizem respeito a seus direitos mais importantes?
 
A resposta é que não se pode admitir e talvez por isso venha crescendo o combate político à Suprema Corte brasileira, órgão judicial a que compete em última instância decidir acerca da constitucionalidade da PEC 6/2019. Para que o Supremo possa desempenhar seu papel de guardião da Constituição, os parlamentares, os partidos políticos, a procuradora-geral da República e demais legitimados contam com os remédios jurídicos do mandado de segurança, ação direta de inconstitucionalidade (AdIn, art. 103 da CF) e argüição por descumprimento de preceito fundamental (ADPF; art. 102, §1º), com pedido de liminar para suspender o trâmite da PEC 6/2019 a fim de possibilitar debate no Parlamento e na sociedade civil a respeito de uma proposta com tamanho impacto na vida não somente dos brasileiros de hoje, mas também das novas gerações.
 
Caso não estabelecida a razoabilidade na duração do trâmite da PEC 6/2019 e se ela vier a ser aprovada, a desconformidade de seu processo com relação aos cânones constitucionais que asseguram o princípio democrático, o devido processo legal, a moralidade administrativa e a duração razoável do processo serão parte dos motivos à declaração de sua inconstitucionalidade nas diversas instâncias do Poder Judiciário.
 
 
Fonte: ConJur
   
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