Instituição avalia que PEC reduz benefícios, restringe o acesso e o alcance do sistema previdenciário
A Proposta de Emenda à Constituição número 6, que muda as regras para o acesso e o cálculo de valores de aposentadorias e pensões no Brasil, começa a ser oficialmente debatida na Câmara dos Deputados nos próximos dias. O projeto, apresentado pelo governo de Jair Bolsonaro em 20 de fevereiro, aguarda a escolha de um relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), primeiro espaço em que o texto será votado.
Na sociedade civil, no entanto, o projeto já é discutido, elogiado e criticado. Economistas, instituições e entidades de classe já se debruçam sobre o texto. Um dos levantamentos publicados recentemente foi elaborado pelos técnicos do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), entidade que estuda o mercado de trabalho e o impacto de mudanças sobre os trabalhadores..
Em um texto de 48 páginas, o Dieese comenta, ponto a ponto, o texto da PEC e tenta projetar suas consequências para os trabalhadores que ainda não se aposentaram. Em seu site, o órgão diz que “O projeto de reforma da Previdência proposto pelo governo federal reduz substancialmente o valor dos benefícios previdenciários, retarda o início da aposentadoria e restringe o alcance da assistência social”.
Para começar a valer, a PEC precisa passar primeiro pela CCJ da Câmara dos Deputados, que analisa apenas se algum ponto da proposta contraria regras que estão na Constituição. Em seguida, o texto vai precisar ser aprovado por dois terços dos 513 deputados, em dois turnos, no plenário. O passo seguinte é a aprovação no Senado, que tem tramitação parecida.
Em qualquer ponto, os parlamentares podem alterar o texto enviado pelo Executivo. Mas as regras só são consideradas promulgadas se o mesmo texto for aprovado por deputados e senadores.
O Nexo reúne, e contextualiza, cinco observações feitas no documento do Dieese sobre a PEC enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional.
A DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO
A proposta de reforma da Previdência altera as regras do sistema de aposentadorias, mas também tira a definição dessas regras da Constituição. A ideia por trás da medida é facilitar novas mudanças no futuro.
Mudanças na Constituição só podem ser feitas por PECs, que são mais difíceis de serem aprovadas. Por isso, em vez de fazer uma PEC somente alterando regras, o governo decidiu enviar uma PEC que altera as regras e as retira da Constituição, abrindo espaço para que mudanças futuras sejam feitas por lei complementar.
Para aprovar uma lei complementar é necessário o apoio de 257 deputados e 41 senadores, menos que os 308 e 49 necessários para aprovar PECs. Além disso, a tramitação é mais simples e rápida.
A avaliação
A facilidade para se mudar os parâmetros preocupa o Dieese, que alega que isso gera “insegurança” e “instabilidade”. A PEC, além de tirar os itens da Constituição, estabelece regras que o Dieese acredita serem apenas provisórias.
“Mudanças via lei complementar têm tramitação mais facilitada no Congresso, o que pode trazer insegurança aos filiados à Previdência pública sobre a estabilidade das regras previdenciárias. A proposta definitiva de sistema de previdência para o longo prazo ainda não está esboçada e há muitas incertezas quanto ao futuro do sistema público.”
DIVISÃO DO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL
O governo quer distinguir, no texto da Constituição, os recursos destinados a saúde, assistência e Previdência - os três pilares da "Seguridade Social". Esse ponto é o centro do debate dos que questionam a metodologia historicamente usada pelo governo para calcular o deficit da Previdência.
Os opositores ao modelo argumentam que o cálculo que leva em conta as contribuições e os gastos da Previdência omite recursos que deveriam ser destinados também a aposentadorias. Na PEC, o governo separa a Previdência das outras duas áreas, acabando com a discussão sobre o deficit. Saúde e educação continuam sendo financiadas pelos recursos de seguridade, mas para a Previdência passa a ficar claro na Constituição que ela será abastecida pelas contribuições.
A avaliação
A segregação contábil, a explicitação de que o financiamento da Previdência virá das contribuições pagas, é mal vista pelo Dieese. A instituição admite que a Constituição já prevê o “caráter contributivo” da Previdência Social, mas acredita que ela funciona melhor “articulada e integrada” a saúde e assistência.
“A Carta Magna concebeu as políticas públicas de previdência, saúde e assistência social como partes articuladas e integradas de um sistema de proteção social, denominado Seguridade Social, que conta com uma base ampla e diversificada de fontes de financiamento, sem vinculação específica a nenhuma dessas três políticas públicas”.
CAPITALIZAÇÃO
Um sistema de Previdência financiado por um regime de capitalização é uma promessa de Jair Bolsonaro desde a campanha eleitoral. Nele, diferentemente do que acontece atualmente, cada contribuinte guarda dinheiro para a própria aposentadoria. No modelo atual, os trabalhadores da ativa financiam o pagamento aos aposentados.
A proposta da capitalização não consta na PEC enviada ao Congresso, não se sabe quais serão exatamente as regras desse futuro regime, mas o texto da reforma abre caminho para que o governo implante a capitalização em seguida.
A avaliação
O Dieese acredita que a adoção da capitalização vai contra pilares do regime de proteção social de que a Previdência faz parte. A capitalização, quando as pessoas poupam para usar no futuro, favoreceria a gestão de recursos pelo setor privado.
“A experiência dos países latino-americanos e do leste europeu que adotaram esse tipo de sistema resultou em aumento da pobreza entre a população idosa, a ponto de impor a necessidade de reforma do modelo. O sistema de contas individuais e mantidas por entidades privadas cria um terreno propício para a transferência da gestão da Previdência Social a bancos e seguradoras, ou seja, para a privatização dessa política social.”
BPC
A PEC quer mudar as regras também do Benefício de Prestação Continuada. Atualmente, o governo federal paga um salário mínimo a idosos acima de 65 anos e deficientes que não tenham condições de se sustentar. A reforma propõe duas mudanças.
Por um lado, a PEC adia a idade para que se tenha acesso ao benefício completo. Com a reforma, só a partir de 70 anos é que o valor poderia ser recebido.
Por outro lado, o governo concederia um benefício menor para pessoas a partir de 60 anos. Quem tem entre 60 e 69 anos e comprovar as condições para ter direito ao benefício receberia R$ 400. O valor é fixo e não seria vinculado ao salário mínimo ou corrigido pela inflação.
A avaliação
O Dieese avalia a redução do benefício para quem tem até 69 anos e a ampliação da idade para o acesso ao salário mínimo como uma medida “perversa”.
“Essa medida é, de longe, a mais perversa de todas as que compõem o conjunto da obra da proposta de reforma. Numa tacada só, o governo aumenta para 70 anos a idade mínima para a obtenção do BPC de um salário mínimo; propõe conceder benefícios de menor valor para idosos com idade entre 65 e 70 anos”.
PROGRESSIVIDADE
O governo quer mudar a forma como são cobradas as alíquotas de contribuição da Previdência. Pela nova tabela proposta, os brasileiros pagarão entre 7,5% e 22% sobre o salário. Quem ganha mais, paga mais. Apesar de as alíquotas serem iguais, a proposta atinge, principalmente, funcionários públicos. Isso porque eles são os únicos que podem receber mais do que o teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), de R$ 5.839. Ou seja, quando o salário deles ultrapassar o teto, passa a sofrer a incidência de novas alíquotas que não existem para o setor privado. Só eles serão taxados com alíquotas entre 14,5% e 22%.
A avaliação
O instituto avalia como “extremamente pesada” a tributação sobre os servidores. Apesar de ver “apelo por distribuir progressivamente o financiamento” da Previdência, cobrando mais de quem ganha mais, o documento põe em dúvida as intenções da medida. Para aumentar a progressividade, cobrando mais tributos de quem recebe mais, o Dieese propõe ações fora do âmbito da Previdência.
“Se o objetivo fosse mesmo distribuir o ajuste fiscal de modo progressivo, a alternativa mais adequada seria a reforma tributária ampla e progressiva, que fosse capaz de modificar a forma de cobrança de impostos hoje existente no Brasil, com alargamento das alíquotas de contribuição ao Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e tributação pesada sobre outras fontes de renda, como patrimônio e grandes fortunas, para além dos salários e do consumo”.
Fonte: NEXO
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