Impor um pagamento mensal por boleto enviado à casa de cada sindicalizado torna inviável a sobrevivência de qualquer sindicato
No dia 1.º de março, Jair Bolsonaro usou sua caneta (seria Bic?) para assinar a Medida Provisória 873 e, quem sabe, assassinar todos os sindicatos do Brasil ao impor “nova” forma de cobrança de contribuições, taxas e mensalidades associativas: boleto na casa do sindicalizado. A MP de Bolsonaro diz ter mirado a contribuição sindical (que já tinha sido alvo da reforma trabalhista), mas, de forma irresponsável, passou longe e acertou apenas a Constituição Federal.
Primeiro, vamos ao caráter (ou a falta de) da MP 873. Uma medida provisória precisa ser, por natureza, urgente e relevante no momento de sua assinatura. Posto isso, pergunto: qual a urgência e relevância do assunto contribuição e mensalidade sindical neste momento? Resposta óbvia: nenhuma!
O único ator dessa discussão que vê tal assunto como urgente e relevante é o governo e sua pressa em atropelar qualquer um que se mostre como obstáculo para passar com o trator sua nefasta reforma da Previdência. E é nos sindicatos (tenha você, leitor, suas críticas ou não a eles) que se encontra a grande pedra no sapato de Bolsonaro, Guedes e companhia. Foram eles que lideraram milhões de brasileiros numa greve geral que não se via desde 1917 no Brasil e que vinha sendo novamente construída desde a apresentação do projeto de reforma. Não podemos, portanto, falar da MP sem relacioná-la a este importante fato.
Vamos, então, ao caráter constitucional do texto. No centro dessa discussão está o artigo 8.º da Constituição, que versa, entre tantos outros assuntos, sobre a liberdade sindical (já tão atacada pelos empresários), e agora claramente violada pela MP. A medida provisória, da forma como foi feita, é apenas uma intervenção direta – e, ressalte-se, inconstitucional – do Estado nas entidades, ou seja, qualquer cidadão republicano e bem intencionado não precisa de esforço para ver a absurda violação da nossa carta maior causada pela MP.
Se não bastasse isso, há ainda uma infinidade de normas e tratados internacionais (e o Brasil é signatário de todos estes documentos) violados diretamente pela MP. Tratados de instituições sérias e sólidas como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) que não podemos simplesmente ignorar e atropelar, ou estaremos condenados moral e comercialmente pelo mundo todo.
Aqui cabe ressaltar, ainda, o entendimento já manifestado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Ministério Público do Trabalho, por meio da Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (Conalis), de que, com essa MP, estamos rasgando nossa carta constitucional, a Consolidação das Leis do Trabalho (ou o pouco que resta dela após a reforma trabalhista) e os tratados e acordos internacionais aos quais me referi antes. Parecer da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB Federal publicado em 7 de março recomenda ingresso imediato de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Duas ADIs já foram impetradas no STF – uma, da Confederação de Carreiras Típicas de Estado; outra, de instituições do ensino superior.
A fragilidade jurídica da MP 873, que muito se assemelha à “tuitada” de um adolescente eufórico (e inconsequente) e em nada lembra um ato de chefe de Estado, já se revela também em duas decisões judiciais liminares da 2.ª e da 3.ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Nessas decisões, os juízes Mauro Luis Rocha Lopes e Fábio Teneblat determinam quem os pagamentos aos sindicatos sigam normalmente, com desconto em folha de pagamento, tal qual consignado no artigo 8.º da Constituição Federal e determinado autonomamente pela vontade dos sindicalizados (vontade na qual não cabe a colher do Estado, segundo a Carta Magna).
Voltando à nossa Constituição, até os mais crédulos na boa intenção do governo ao assinar a MP não podem negar que impor um pagamento mensal por boleto enviado à casa de cada sindicalizado torna inviável a sobrevivência de qualquer sindicato. Primeiro, há o custo. Com cerca de R$ 9 por boleto e 14 milhões de sindicalizados, a canetada de Bolsonaro colocaria R$ 126 milhões mensais dos trabalhadores de bandeja nas mãos (ou melhor, nos bolsos) dos banqueiros. Isso sem contar no tempo, pessoal e material necessários para se fazer chegar todo mês um boleto para cada um dos sócios dos sindicatos. Mais custos de postagem. Situação completamente insustentável!
Para quem vê nos sindicatos os grandes inimigos do Brasil (mesmo estando claro que não são), a MP 873 é um deleite. Mas, se insistirmos nessa sandice e ignorarmos a nossa Constituição, para qual futuro estaremos caminhando? Afinal, vivemos ou não vivemos num Estado Democrático de Direito, em que acima de tudo está nossa Constituição? Se insistirmos na loucura e caos de se governar por MPs irrelevantes e pouco urgentes, cabe perguntar: quem será o próximo a servir de “laranja” para rasgar mais um artigo da nossa Carta Maior?
Wilmar Alvino da Silva Jr. é advogado especializado em Direito Civil e Relações do Trabalho.
Fonte: Gazeta do Povo
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