A reforma tributária figura entre os principais itens da agenda de prioridades do novo governo. Há bons motivos para isso. O sistema tributário do Brasil é considerado, de modo geral, um sistema excessivamente complexo e distorcivo —o volume de receita tributária é elevado, mas a um custo alto em termos de produtividade.
Com o equivalente a 32% do PIB em receitas tributárias, o Brasil ocupa o segundo lugar em participação das receitas tributárias no PIB em comparação a países da América Latina, da OCDE e grandes mercados emergentes. A Argentina é o único país que arrecada mais impostos que o Brasil.
A receita tributária no Brasil aumentou desde o final dos anos 80, à medida que os governos, limitados pela vinculação de receitas, passaram a recorrer a novas formas de tributação para aumentar seus espaços fiscais, gerando a sobreposição de impostos característica do sistema atual. Com a crise que começou em 2015, as receitas caíram, mas o problema estrutural —gastos rígidos financiados por impostos complexos— continuou.
O ambiente fiscal atual deixa pouco espaço para uma reforma capaz de reduzir a carga tributária geral. A reforma, no entanto, tem o grande potencial de tornar o pagamento de impostos um processo mais simples, barato e justo. O impacto sobre a produtividade pode ser enorme, como explicarei abaixo.
Em primeiro lugar, a estrutura de impostos indiretos no Brasil é excepcionalmente complexa, com sistemas de impostos de valor agregado (IVA) estaduais que geram competição fiscal entre os estados e uma dependência excessiva de impostos sobre o volume de negócios (PIS-COFINS e ISS) que incidem em cascata ao longo da cadeia de produção, aumentando as alíquotas efetivas de tributos para as empresas com cadeias de produção mais longas.
Além disso, os impostos federais, estaduais e municipais se somam. Mesmo que os impostos possibilitem a dedutibilidade dos insumos, na realidade essa dedutibilidade é limitada, já que deduzir os custos dos insumos ou pleitear restituições gera ainda mais custos administrativos para as empresas e as restituições costumam atrasar. Os governos estaduais em situação de restrição fiscal se beneficiam dos atrasos na restituição do ICMS, pois usufruem de liquidez a curto prazo. Isso acaba distorcendo as decisões das empresas em relação aos insumos, levando à integração vertical e à segmentação do mercado. Além disso, empresas em diferentes setores são tributadas com alíquotas efetivas diferentes, prejudicando a alocação dos fatores de produção e a eficiência produtiva na economia.
Em segundo lugar, a incidência de impostos indiretos na fase de produção gera uma onerosa competição fiscal, a chamada “guerra fiscal”. O ICMS é cobrado no local onde o bem é produzido (origem), não onde ele é vendido (destino). Isso é incomum, já que os impostos sobre o consumo na maioria dos outros países obedecem ao princípio do destino, que preconiza a tributação do bem na fase de consumo.
O Brasil dispõe de regras de repartição para garantir que os estados de destino recebam uma parcela do ICMS arrecadado na fase de produção, mas elas não aliviam totalmente o desequilíbrio. Por isso, os governos estaduais aproveitam a liberdade de fixar as alíquotas do ICMS para oferecer descontos e atrair empresas para seus estados. Essas políticas visam promover o desenvolvimento econômico local, a criação de empregos e a ampliação da base tributária, mas os potenciais ganhos ficam muito aquém da receita perdida para o sistema como um todo. A guerra fiscal agrava ainda mais a alocação de recursos, uma vez que as empresas migram não necessariamente para onde seriam mais produtivas, mas para os locais que oferecem os maiores incentivos fiscais.
Em terceiro lugar, o custo para o contribuinte cumprir com as exigências do sistema tributário é extremamente alto no Brasil. O sistema possui uma estrutura complexa de impostos estaduais, federais e municipais, com diversos órgãos responsáveis pela arrecadação. Mudanças legislativas e regulatórias ocorrem com frequência, o que gera incerteza. Os requisitos a serem cumpridos durante o processo são demasiadamente onerosos.
De acordo com os últimos indicadores do Banco Mundial, uma empresa de médio porte em São Paulo leva uma média de 1.958 horas por ano para cumprir com suas obrigações fiscais, em comparação a 547 horas na América Latina e 165 nos países da OCDE. De fato, o Brasil ocupa a 184ª posição entre os países pesquisados —ou, dito de outra forma, apenas 6 países apresentam desempenho pior do que o Brasil no indicador de pagamento de impostos. Tais ineficiências minam a competitividade das empresas, pois aumentam a incerteza e absorvem recursos consideráveis no cumprimento das obrigações fiscais.
Existe um consenso geral em relação à necessidade de uma reforma para reduzir a complexidade tributária no Brasil; várias propostas de reforma já foram apresentadas e estão em discussão.
Considerando-se a necessidade de manter as receitas fiscais para enfrentar a crise fiscal brasileira, o principal benefício de qualquer reforma tributária no curto e médio prazo seria aumentar a previsibilidade e a transparência do sistema tributário e reduzir os custos de compliance e as distorções econômicas, melhorando, assim, o clima de investimentos e a competitividade das empresas.
O principal custo da reforma será político, já que estados, municípios e o Governo Federal precisarão chegar a um acordo sobre o mecanismo de distribuição de impostos entre as três esferas de governo, além (provavelmente) de um período de transição, com compensações aos que saírem perdendo com as novas regras.
Uma reforma que unifique não apenas impostos federais, mas também os municipais e estaduais (como o ICMS e o ISS) poderá oferecer maiores retornos econômicos (menos concorrência fiscal entre os estados), porém também tende a ter maior custo político (novos sistemas de compartilhamento entre os níveis de governo).
Infelizmente, é difícil encontrar o equilíbrio certo, já que uma estimativa do impacto da reforma na receita exigiria o acesso a microdados (declarações de imposto de renda de pessoas jurídicas) da Receita Federal, que são confidenciais. No entanto, à medida que a reforma tributária passa a ocupar cada vez mais espaço na agenda, avaliações de impacto dessa natureza podem ser fundamentais para superar a resistência política e calibrar as regras de transição.
O mais importante é que os políticos de todas as esferas de governo não percam de vista o objetivo principal: um sistema tributário mais simples, menos oneroso e, portanto, mais eficaz, que arrecade as receitas que o grande Estado brasileiro necessita, mas sem sobrecarregar o setor privado.
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