Técnicos da Câmara dos Deputados levaram aos articuladores políticos do governo uma manobra legislativa para acelerar a votação de reformas constitucionais, como a tributária e a da Previdência Social. A estratégia é apresentar uma nova proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre o assunto, anexá-la às que já estão prontas para votação no plenário usando como base decisões anteriores de presidentes da Câmara do PT, MDB e DEM e, com isso, pular meses de tramitação.
Esse "atalho" permitiria ao futuro governo Bolsonaro acelerar a tramitação desses projetos já no começo de seu mandato.
As PECs das reformas tributária e da Previdência do governo Temer, aprovadas após meses de debates em duas comissões especiais, estão prontas para o plenário. Mas a regra é que esses projetos não poderão incluir textos novos, que não constarem do parecer ou das emendas apresentadas (cujo prazo para protocolo já acabou), o que dificulta ajustes por parte do novo governo.
O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, teria dificuldades caso quisesse, por exemplo, fundir dez impostos na reforma tributária e não apenas os nove propostos pelo parecer, por falta de embasamento. Também não poderia apresentar uma nova versão diretamente ao plenário porque o prazo de emendas acabou. A saída nesse caso seria apresentar uma nova PEC, que iniciaria toda a tramitação de novo e demoraria meses para votar no plenário.
Na Câmara, uma nova PEC precisa passar primeiro pelo aval da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Depois, ocorre a formação de uma comissão especial, é aberto um prazo para apresentação de emendas e, por fim, a discussão e votação do parecer. Os prazos costumam demorar pelo menos três meses, mas propostas mais polêmicas levam até mais tempo. A reforma da Previdência do presidente Michel Temer (um governo reconhecido pela habilidade com o Congresso) levou 117 dias entre a apresentação e a aprovação do parecer na comissão. O governo Dilma tentou por mais de um ano aprovar a PEC da Desvinculação dos Recursos da União (DRU), só concluída com Temer.
Segundo o Valor apurou, havia simpatia da futura equipe econômica a reforma tributária relatada pelo deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), mas esse ânimo esfriou quando os economistas do governo de transição descobriram que estarão muito limitados nos ajustes que poderão fazer no projeto, sem poder dar a "cara" do novo governo ao texto.
Esse grupo de técnicos, contudo, encontrou sete precedentes em decisões de presidentes da Câmara, do PT ao DEM, em que foi apresentada uma nova PEC sobre um assunto e, antes mesmo que ela passasse pelas comissões, foi anexada a outra que estava pronta para votação no plenário, pulando meses de discussões. Com esse "atalho", seria possível apresentar uma nova PEC (basta a assinatura de 171 deputados, tarefa simples para uma base do governo minimamente organizada) com mudanças nos pontos que o novo governo achar necessário, anexar a PEC já aprovada pelas comissões e, no plenário, mesclar os dois textos.
Essa manobra é polêmica porque o regimento interno proíbe "apensar" dois projetos em diferentes fases de tramitação para evitar a aprovação de mudanças que foram pouco discutidas. Na avaliação desses técnicos, porém, será difícil para a oposição contestar o apensamento porque há precedentes de ex-presidentes de todas as colorações ideológicas, como Arlindo Chinaglia (PT-SP), Eduardo Cunha (MDB-RJ) e o atual, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Maia tem dois precedentes, em PECs que criam a carreira de perito criminal e as polícias penitenciárias federal e estaduais. No segundo caso, ele próprio indeferiu oito requerimentos para juntar as propostas recém-protocoladas a outra aprovada pela comissão especial alegando que "encontram-se em diferentes momentos processuais".
Dias depois, ao responder requerimento do deputado subtenente Gonzaga (MG), Maia refez a decisão e anexou as PECs. No pedido, Gonzaga argumentou que "mesmo que uma já tenha parecer ou pareceres no âmbito esta Casa e a outra não, nada obsta o deferimento da requerida apensação, que tem o amparo regimental e a prudência legislativa necessária quando se procede uma alteração constitucional com idêntico e justo desiderato".
Cunha tem outros dois precedentes, numa PEC que tratava dos aumentos salariais para carreiras da Receita Federal e noutra que estabelecia mandatos para os ministros do STF - e que ele, na época às turras com o procurador-geral da República (PGR), utilizou para ameaçar acabar com a reeleição para o cargo.
Chinaglia anexou uma PEC apresentada em 2007 para instituir um juizado de instrução criminal a outra aprovada quatro anos antes pela comissão especial para estabelecer as competências da guarda municipal. João Paulo Cunha (PT-SP), que comandou a Câmara de 2003 a 2004, fez uma manobra mais branda: juntou propostas que ainda tramitavam na CCJ a uma PEC na comissão especial dias antes da votação do parecer, quando já tinha acabado o prazo para apresentar emendas.
Contra a manobra, pesa que nenhuma das PECs usadas como precedentes chegou a ser aprovada pelo plenário depois. Após o apensamento, todas ficaram paradas esperando serem incluídas na pauta pelos presidentes da Câmara. O assunto também pode ser questionado no STF, mas a restrição ao apensamento está apenas no regimento interno do Legislativo. Nesses casos, as decisões judiciais têm costumado ser de que a decisão é da própria Câmara (interna corporis).
Fonte: Valor Econômico
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