Cruzamento de informações de 31 bases de sistemas governamentais indicam inconsistências que vão de imóveis subutilizados e conluio de servidores a indícios de fraudes em licitação e compras emergenciais para evitar controle
A União tem 99 imóveis que estão vagos há mais de 30 anos e outros 189 que foram invadidos. Fornecedores do governo atuaram em conluio durante pregão eletrônico em 33 mil compras realizadas entre 2016 e abril de 2018. Sócios participaram de uma mesma sessão em mais de mil processos licitatórios. Um ex-servidor de órgão público era empregado de uma companhia e sócio de outra, sendo que ambas competiram usando o mesmo IP de computador. Mais de mil empresas participantes de duas mil licitações, entre 2014 e 2018, foram abertas às vésperas dos certames, sendo que uma delas arrematou pregão de R$ 30 milhões 17 dias após ser criada.
Essas são apenas algumas das 41 milhões de inconsistências detectadas pelas secretarias de Fiscalização de Tecnologia da Informação (Sefti) e de Gestão da Informação para Controle Externo (SGI) do Tribunal de Contas da União (TCU). A análise, que partiu de cruzamentos de dados de 31 bases de sistemas governamentais de 18 organizações gestoras, apurou mais de 454,6 mil ocorrências, envolvendo gastos de R$ 40,8 bilhões.
Ainda que a Corte de contas já tenha realizado cruzamento de informações, esta é primeira auditoria do órgão com tamanha envergadura, capaz de reunir dados de compras governamentais, imóveis da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), Receita Federal, INSS, Tesouro, vários ministérios, Cadastro Nacional de Empresas e programas sociais, como Minha Casa Minha Vida e Bolsa Família, entre outros órgãos. Foram mais de 80 tipologias, ou seja, caminhos trilhados com auditorias definidas e executadas.
Por meio dessa análise integrada, foi possível detectar, por exemplo, que 2.320 casos caíram em mais de nove das 80 tipologias, ou seja, são figuras carimbadas, o que sugere fraudes e irregularidades. Entre elas, o fracionamento de despesas para compra sem licitação. As tipologias relacionadas à contratação direta apontaram, por exemplo, indícios relacionados à existência de 32 Unidades Administrativas de Serviços Gerais (Uasgs) que realizaram mais de 7,3 mil contratações emergenciais envolvendo quase R$ 6 bilhões. Apenas uma Uasg realizou mais de 3 mil contratações emergenciais no valor de R$ 4,5 bilhões.
Todas as irregularidades e inconsistências apuradas serão enviadas aos órgãos do governo para apuração e correção dos problemas. Serão entregues também ao governo de transição, para que fique atento à necessidade de melhoria na composição e uso integrados dos dados que balizam as decisões referentes às políticas públicas.
Integração
Segundo o secretário da Sefti, Márcio Braz, o objetivo da auditoria inédita foi avaliar o uso integrado de informações na gestão de políticas públicas, especialmente as ligadas à concessão de benefícios e de recursos financeiros. “Com isso, queremos estimular o compartilhamento de dados dentro do governo e ampliar o trabalho junto a outros órgãos de controle”, disse.Conforme Wesley Vaz, secretário da SGI, a gestão pública precisa se profissionalizar na análise das informações. “Nenhuma empresa ou organização é bem gerida sem saber o que está acontecendo. A ideia é ampliar esse trabalho, realizá-lo com uma periodicidade de dois anos, para que se possa obter números cada vez menores de irregularidades”, explicou.
Para isso, o acórdão do TCU determinou “recomendar à Casa Civil da Presidência da República que promova a avaliação integrada da gestão e das políticas públicas por meio de amplo, intensivo e compartilhado uso das bases de dados governamentais, buscando superar os atuais limites decorrentes de visões setoriais e segmentadas do uso das informações do Estado”. A Corte ainda destacou que é preciso “definir e manter, sem prejuízo das demais atividades a serem desempenhadas pelo TCU, processo de trabalho permanente de análise integrada de dados de gestão pública, com a participação de outros órgãos de controle e de fiscalização”.
Equívoco
Para especialistas, é preciso considerar que algumas irregularidades podem ser apenas erros de sistemas e que avaliar apenas grandes números pode ser um equívoco. Geraldo Biasoto Jr., professor do Instituto de Economia da Unicamp e ex-coordenador de política fiscal da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, ressaltou que auditorias muito abrangentes são perigosas. “Tem de ser mais específico. Avaliar os programas específicos. Levantamentos genéricos não ajudam muito”, opinou.
Na opinião de Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, é fundamental aprofundar o levantamento na área de TI. “O maior problema no setor é que a evolução das tecnologias é muito mais rápida do que a capacidade do Estado brasileiro de se organizar para ter recursos e técnicos de qualidade em quantidade suficiente para aprimorar sistemas. “Muita coisa é erro de cadastramento. Os sistemas não conversam entre si”, disse.
Castello Branco avaliou o trabalho do TCU como fundamental, mesmo que, em algumas instâncias, se considere que a Corte trava a economia do país. “Precisamos desse olhar mais atento. Os técnicos do TCU são os mais bem preparados do país. A politização está na indicação dos conselheiros”, criticou. Para o secretário-geral da Contas Abertas, a auditoria do órgão só confirma que os dados do governo têm de ser confiáveis. “São eles que geram estudos. Se não forem confiáveis, perdem sua importância”, assinalou.
Procurado o Ministério do Planejamento afirmou que o acórdão citado ainda não foi publicado e, portanto, a Secretaria de Gestão (Seges) do Ministério do Planejamento não se pronunciará neste momento. “É importante frisar que a Seges cumpre na íntegra todas as recomendações de acórdãos do TCU”, destacou.
Fonte: Correio Braziliense
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