Matéria da BBC Brasil mostrou como cidadãos comuns podem se tornar agentes fiscalizadores, e promover mudanças drásticas - e positivas - em suas cidades. Confira.
"É muito fácil fiscalizar o governo municipal", diz Jaime Klein, 40 anos, que dedica quatro horas de seu dia a fazer com que a Câmara e a Prefeitura de São José (SC) gastem melhor o dinheiro público.
Em três anos, a equipe montada por Klein contribuiu, por exemplo, para elevar a economia do Legislativo da cidade - verba não gasta devolvida aos cofres públicos - de R$ 300 mil para R$ 8,5 milhões anuais. Ajudou ainda a suspender licitações suspeitas e colocou uma lupa sobre gastos da prefeitura.
Com uma pequena sala, receita mensal de R$ 6 mil e 35 voluntários, o Observatório Social de São José integra uma rede homônima de ONGs que se espalhou por cidades médias e pequenas do Brasil nos últimos dez anos - e hoje soma mais de 100 entidades em 19 Estados, com atuação forte no Sul do país. Só em Santa Catarina, 19 cidades contam com esse tipo de iniciativa, segundo o site do OSB, o Observatório Social Brasileiro.
Muitas delas, tocadas por voluntários como Jaime Klein, dedicados a monitorar os gastos de municipalidades, evitando excessos, desperdícios e desvios, e ajudando a economizar dinheiro público.
A inspiração é o Observatório Social de Maringá (PR), que surgiu em 2005 após um escândalo de corrupção na cidade.
Logo no primeiro trabalho, a entidade paranaense descobriu que uma compra de ácido acetilsalicílico (AAS), ao preço de R$ 0,009 por comprimido, tinha sido registrada na ata da licitação por R$ 0,09 - superfaturamento de 900%. Houve denúncia e restituição de R$ 63 mil ao erário.
No caso de São José, cidade de 236 mil habitantes vizinha à Florianópolis, o Tribunal de Contas do Estado obrigou neste mês a prefeitura, após denúncias do Observatório Social, a divulgar uma série de informações que faltavam no site da gestão, como relação de veículos oficiais, gastos com combustível e dívidas municipais.
"É fácil fiscalizar. O que falta é recurso. Hoje tenho uma receita de R$ 6 mil e já estamos fazendo esse barulho todo", diz Klein, que é formado em Ciências Contábeis e ganha a vida como auditor interno no governo de Santa Catarina.
Rotina de fiscalização
Em geral, o modus operandi de Klein é o seguinte: a equipe faz um pente fino em Diários Oficiais, portais de transparência, projetos de lei e sessões na Câmara. Denúncias de moradores também entram na pauta.
Diante de casos suspeitos, solicita mais dados por meio da Lei de Acesso à Informação. Depois, encaminha questionamentos aos gestores públicos. Quando não há providências, reporta o caso aos vereadores, Ministério Público, Tribunal de Contas e Polícia Civil.
O roteiro inclui ainda a divulgação de editais públicos para aumentar a concorrência e acompanhamento de pregões de olho em lances suspeitos.
"O nosso forte hoje são as licitações. Divulgamos todas. Quando começamos, uma média de três empresas participavam dos processos. Hoje essa média subiu para 12. Com mais empresas, o preço vem para baixo e qualquer tipo de conluio cai por terra", afirma Klein, tendo ao fundo um mapa com o custo de cada Legislativo municipal em Santa Catarina.
O auditor nasceu em família típica de agricultores do interior do Estado. Trabalhou na roça em Peritiba (a 440 km da capital) até os 15 anos, quando foi completar o ensino médio em Florianópolis.
Por não ter conseguido cursar universidade pública, interrompeu os estudos por vários anos. Depois se formou contador porque à época não tinha dinheiro para pagar a faculdade de Direito - curso que hoje frequenta à noite.
"Trabalhava em dois empregos antes da formatura, em 2003. Pegava seis ônibus por dia. Em outubro de 2003 prestei concurso para contador da Secretaria da Fazenda e fiquei em quarto lugar. Depois, em 2007, fiz concurso para auditor interno, e passei em primeiro lugar", conta, orgulhoso.
Marcação cerrada
Quando recebeu a reportagem, Klein conversava com uma TV local sobre transparência nos atos públicos. Na mesma tarde, usou a internet para rebater afirmações do presidente da Câmara Municipal, que divulgava pelo Facebook supostas economias de recursos pela Casa.
Na postagem, o integrante da ONG dizia que o vereador "esquecera" de contar à população que apoiara projetos para aumentar as cadeiras e os gastos da Câmara, além de uma concorrência para construção de uma nova sede de R$ 10 milhões.
Quase invisível atrás da pilha de pastas verdes com processos na pequena sala da ONG, ele lembra como a entidade atuou para suspender, por duas vezes, a licitação milionária do estacionamento rotativo da cidade.
A concorrência acabou barrada pelo Tribunal de Contas em novembro do ano passado por incluir exigências que poderiam implicar em direcionamento da disputa, como apresentação e teste de equipamentos pelas empresas selecionadas em apenas 72 horas.
"O Observatório não é contra a Zona Azul, estacionar aqui é um problema. Mas somos contra uma licitação que não tem isonomia e igualdade de competição", justifica.
Controle social
Um dia típico de trabalho de Klein começa por volta das 7h30. Às 8h, já está na ONG ou em reuniões fora do escritório, e às tardes exerce suas funções "oficiais" como auditor do Estado.
Ele chega a dar até cinco palestras por mês sobre controle social e transparência, e planeja viajar mais por Santa Catarina para ajudar a abrir novos observatórios - hoje são 19 no Estado. "Só não dou mais palestras pelo trabalho na secretaria e agora pela faculdade de Direito."
Uma menina dos olhos da ONG é um projeto que deverá preparar alunos de uma universidade para acompanhar, ao vivo, a abertura de todas as licitações da prefeitura e da Câmara Municipal.
Órgãos locais de controle reconhecem a importância do trabalho da ONG, que se mantém com doações e recursos de entidades do comércio e indústria. "Essa atuação é um exemplo de como o diálogo entre instâncias de controle e sociedade civil pode aprimorar a fiscalização do uso dos recursos públicos. A consolidação do observatório deve muito a Klein", diz Gerson Sicca, auditor do TCE-SC.
"Os observatórios sociais são hoje espaços fundamentais para que o cidadão exerça controle sobre os atos da administração pública", avalia Cibelly Caleffi, procuradora do Ministério Público de Contas junto ao TCE-SC.
Cotidiano
Para Klein, casado há 19 anos, o ideal de um dia livre é um churrasco com parentes e amigos na casa que comprou neste ano no município vizinho de Santo Amaro da Imperatriz, na subida da serra catarinense.
"É uma terapia, no meio do campo. É bem pequeno, um lote. É para sair do apartamento, porque a gente fica muito trancado", diz ele, que já está se envolvendo na administração do condomínio rural que abriga a casa.
Evangélico, ele se diz "um pouco afastado" das atividades de diácono na Assembleia de Deus. "Porém continuo frequentando todos os finais de semana."
O auditor também defende transparências nas diferentes denominações religiosas. "Todas as igrejas têm problemas. Onde tem pessoas tem coisas erradas. Todas as igrejas precisam de mais transparência. Algumas igrejas transformaram a fé em comércio, e isso é totalmente contrário à Bíblia."
Sobre a descrença de muitos brasileiros com a política, afirma que o Brasil ainda precisa consolidar o que chama de "tripé da cidadania": voto, pagamento de impostos e fiscalização dos eleitos. Para ele, o país exerce apenas os dois primeiros elementos.
"No caso dos impostos, damos um cheque em branco para as prefeituras darem contrapartida em serviços. Ninguém entrega um cheque ou procuração em branco na vida cotidiana sem cobrar resultados depois. É isso que falta na participação política do cidadão: fiscalizar os eleitos."
Veiculado originalmente em BBC Brasil
Data: 22/02/2018 - Fonte: BBC via Políticos.org
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