Nós últimos tempos, poucos analistas têm expressado a clareza de ideias da professora Laura Carvalho, da USP, em sua coluna na Folha de São Paulo.
Hoje, no texto “Céu de Mentira”, Laura demonstra, com dados incontestáveis, que a crise fiscal brasileira não é a da “gastança pública”, apontada por 11 em cada dez “jornalistas de mercado”, que repetem mecânica e furiosamente que os governantes precisam sempre fazer cortes nas despesas, esquecendo (ou desprezando) que isso representa cortes nos serviços sociais e nos investimentos públicos capazes de tirar-nos da carência de infraestrutura e abrir caminhos para o desenvolvimento econômico.
Esta “tropa de choque” do “corta-corta” está, diz Laura, deixando de ser presença incondicional no bloco de apoio a Temer, criando-lhe um segundo foco de tensão além do que lhe traz a Lava Jato: “o anúncio de deficit públicos recordes para 2017, e quiçá 2018, apressou o desembarque de alguns analistas econômicos, diz Laura.
A demonstração de que Temer viu-se politicamente impedido de atacar como um trogodita as despesas públicas, porque o frio é grande para um cobertor minúsculo, afirma Laura, pode servir para esclarecer o debate fiscal, para o qual ela se serve dos indicadores consolidados em um estudo do Ipea (veja o link para ele, ao final)
(…)as despesas do governo federal cresceram em termos reais a taxas acima do PIB nos últimos quatro mandatos presidenciais: em média 3,9% no segundo mandato de FHC; 5,2% e 4,9% nos dois mandatos de Lula e 4,2% no primeiro mandato de Dilma (incluindo as despesas das chamadas pedaladas fiscais). Os gastos com o funcionalismo cresceram a taxas muito inferiores e tiveram sua menor expansão (0,2%) justamente no primeiro mandato de Dilma Rousseff.
O mito da gastança talvez se apoie no aumento das despesas com benefícios sociais, incluindo aposentadorias e pensões do INSS, seguro-desemprego, Bolsa Família e outros benefícios. O que os dados mostram, no entanto, é que o total dessas despesas cresceu 5,2% no governo Dilma, ante 5,9% no segundo mandato de FHC, por exemplo. Ou seja, esses gastos vêm crescendo acima do PIB desde 1999, tanto por fatores demográficos quanto pelo desejado aumento da formalização e do salário mínimo.
Uma diferença é que nos governos anteriores as receitas também cresciam mais: 6,5% no segundo mandato de FHC; 5,2% e 4,9% nos dois governos Lula (mesmo com o fim da CPMF no segundo mandato) e só 2,2% no primeiro mandato de Dilma. Ou seja, a deterioração nas contas públicas deve-se em boa medida à queda da arrecadação tributária, fruto das desonerações concedidas e do baixo crescimento econômico.
A substituição dos investimentos públicos –que passaram de uma expansão de 21,4% no segundo governo Lula para uma queda de 0,5% no primeiro mandato de Dilma– por uma política de desonerações tributárias que totalizará R$ 458 bilhões até 2018 não parece ter sido uma boa aposta.
A verdade é que exceto pela já histórica desoneração das microempresas e dos empreendedores individuais, a política de desoneração fiscal – na prática, uma redução de carga tributária – não resultou numa elevação sólida do emprego, da produção e da recuperação dos setores industriais que dela se beneficiou.
E agora, diz Laura, passamos a uma expansão do déficit fiscal que sequer tenta representar uma injeção de vigor na economia:
O governo Temer acrescentou a essa estratégia um relaxamento fiscal fisiológico para garantir o impeachment, com impactos deletérios sobre o deficit dos próximos anos e baixo efeito multiplicador sobre a renda e o emprego. O paraíso prometido com a derrubada da presidente Dilma revela-se cada vez mais “um céu de mentira, presente do passado que não muda”, deve lamentar o poeta –de novo indignado– Augusto de Campos.
Para ver o estudo Flexibilização Fiscal: novas evidências e desafios, de Sérgio Wulff Gobetti e Rodrigo Octávio Orair, do Ipea, clique aqui.
Na foto, Laura Carvalho.
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