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No geral gastos salariais com professores e médicos ficaram para trás na corrida dos reajustes e contratações no governo Lula. Nas áreas de saúde e educação, o aumento real das despesas com remunerações do governo federal ficou muito aquém não só do concedido ao Judiciário, ao Legislativo e ao Ministério Público, mas também perdeu para as funções administrativas do Poder Executivo.
O crescimento das despesas com salários da função Administração não é uma exclusividade do governo Lula, e ocorreu fortemente também nos dois últimos anos do governo de Fernando Henrique Cardoso. Até 2006, esse item, que caiu bastante em 2003, ainda estava próximo em termos reais do último ano do governo FHC, mas em 2007 ele disparou. A Administração inclui funções em órgãos como a Presidência da República, Ministérios da Fazenda e do Planejamento, Banco Central, Radiobrás, Receita Federal e outros.
Recentemente, em entrevista ao jornal O Globo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu o aumento da despesa pública, dizendo que não é possível melhorar a educação e a saúde pública sem contratar mais médicos e mais professores. Os números mostram, porém, que o total de salários pagos nessas áreas não é responsável pelo crescimento do bolo das remunerações federais.
Em termos reais, os salários pagos de janeiro a novembro de 2007 na função Administração do governo federal tiveram aumento real de 33,89% em relação a igual período de 2002, atingindo R$ 6,37 bilhões. Esse crescimento real é aproximadamente o dobro do registrado pela função Educação, na qual estão os professores, que foi de 16,89%, para R$ 7,5 bilhões de janeiro a novembro de 2007.
Entre os principais itens do Orçamento por funções, sempre na base de comparação de janeiro a novembro, os grandes perdedores no governo Lula, em termos reais, foram a Saúde (em que ficam médicos e profissionais da área), com crescimento de apenas 6,63%, para R$ 3,49 bilhões; e a Defesa Nacional, com queda real de 2,18%, para R$ 10,2 bilhões. Os gastos salariais da função Legislativa tiveram aumento real de 25,35% no governo Lula, os do Judiciário de 26,18%, e os da função Essencial à Justiça (em que está o Ministério Público),de 135,24%.
As disparidades nos reajustes reais concedidos a carreiras do funcionalismo público aparecem na comparação de remunerações de professores e médicos com cargos da Receita e da Advocacia-Geral da União (ver quadro). Entre 2003 e 2007, enquanto os salários inicial e final de advogados da República cresciam 71% e 40% respectivamente, em termos reais, chegando a R$ 10.497 e R$ 12.900, os médicos (40 horas semanais) tiveram aumento de salário inicial de apenas 5%, para R$ 2.582, e sofreram queda real no salário final de 1%, para R$ 4.443. Para Marcos Mendes, consultor do Senado, "há desequilíbrios que privilegiam as áreas-meio, o funcionalismo sindicalizado e o Judiciário". Os números mostram, porém, que o crescimento das despesas salariais na Administração também dispararam nos dois últimos anos do governo FHC, rescendo 24% em termos reais.
A despesa primária total do governo federal subiu de 19,5% do PIB para 21,2% do fim de 2002 até 2006, mas os gastos de pessoal na ativa destacavam-se como um dos itens relativamente sob controle. Depois de atingirem 2,5% do PIB em 2002, eles caíram para 2,32% em 2003 e permaneceram praticamente nesse nível até 2005. Nos últimos dois anos, porém, houve uma inflexão, e os gastos com pessoal na esfera federal começaram a crescer como proporção do PIB, atingindo 2,43% em 2006 e devendo voltar a 2,5% este ano, segundo previsão do economista Fábio Giambiagi.
O economista Samuel Pessôa, assessor do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), acha que os números da despesa salarial indicam que, no Poder Executivo, a política de recomposição do governo Lula (com aumentos reais e novas contratações) está se dirigindo mais para as atividades-meio (ligadas ao funcionamento interno da máquina) do que para as atividades-fim, que envolvem prestação direta de serviços à população. Ele discute a questão em recente trabalho (Análise das Contas Fiscais no Governo Lula 2003-2007).
"Eu estranhei as greves de médicos do setor público, diante dos fortes aumentos recentes de despesa com pessoal; mas agora entendi que os médicos não foram beneficiados", comenta Pessôa.
O Ministério do Planejamento, em nota enviada ao Estado, contestou a idéia de que a função Administração possa ser caracterizada como de atividade-meio. Segundo o Ministério, "a tabela utilizada (no trabalho de Pessôa) considera Administração como sendo gastos meramente burocráticos, quando aí estão incluídas as carreiras de auditores da Receita Federal, analistas de Orçamento, analistas de Finanças e Controle, só para citar alguns exemplos".
?DESVIO DE CONCEPÇÃO?
Pessôa contra-argumenta: "O governo tem aumentado o gasto com carreiras que ajudam a maior arrecadação de impostos, como a Receita Federal, e a sua administração, como analistas de Finanças e Controle, e não em atividades-fim, como servidores ligados à função Saúde." Segundo o economista, "não há nenhuma teoria econômica que considere que arrecadar é uma atividade-fim do Estado, e o próprio fato de isso passar pela cabeça deste governo é um enorme desvio de concepção".
Independentemente de definições, o grosso crescimento real dos gastos salariais na Administração ocorreu em 2007. De janeiro a novembro, na comparação com igual período de 2006, os gastos salariais na Administração cresceram 21,18%, um salto real de R$ 1,113 bilhão em apenas um ano. Em contraste, as despesas salariais na função Saúde cresceram 1,3% em termos reais de 2006 para 2007, e as da função Educação cresceram apenas 5,3%.
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