Matéria original: Estadão
Maria Aparecida Neto Lacerda e Meloni, Auditora Fiscal aposentada do Estado de Minas Gerais e 1ª Vice-Presidente da Febrafite (Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais)
No Brasil, a luta das mulheres por direitos tem sido uma estrada longa e cheia de obstáculos: o direito à educação, ao voto, ao divórcio, ao trabalho regular e à igualdade de oportunidades. Além disso, a mais basilar e absurda das lutas, a do direito à própria vida, ante índices alarmantes de feminicídio. Quando a trajetória parece avançar um passo, volta dois atrás.
Nesse 8 de março, num momento em que nossas expectativas e energias se voltam para um processo de reconstrução da civilidade brasileira, chamo atenção para o real significado da última Reforma da Previdência.
A reforma, com muita razão, também chamada "deforma", promoveu o maior corte de direitos previdenciários jamais visto na nossa história. Um processo cuidadoso e eficientemente planejado para surrar os trabalhadores, que não disfarçou a clara perseguição às mulheres com o aumento da idade mínima e do tempo de contribuição e criou obstáculos para o acesso à pensão por morte; ao BPC – Benefício de Prestação Continuada, e várias outras imposições camufladas, que só aparecem e atordoam no momento em que se requer o direito.
No caso da pensão por morte, a lógica do governo-algoz ficou clara no cálculo do valor da pensão que é violentamente reduzida, resultando no imediato empobrecimento das famílias.
A misoginia fica escancarada também na vedação ao acúmulo de direitos distintos como uma aposentadoria e uma pensão. Uma professora aposentada, por exemplo, ao ficar viúva, terá de optar entre a aposentadoria, adquirida após décadas de contribuição e trabalho duro na sala de aula, com a pensão do marido falecido. Aqui, fatos geradores distintos, que dão origem a direitos distintos, são colocados no mesmo balaio e tratados como iguais, em grave prejuízo daqueles que contribuíram acreditando na previdência como o justo direito a uma velhice digna.
Essas alterações aprofundam a desigualdade de gênero, pois, como mostram os dados, são as mulheres a maioria de beneficiárias desses direitos.
Nos primeiros dias do atual governo de reconstrução nacional, na esteira de uma narrativa de rever a reforma trabalhista, que é urgente e necessário, o Ministro da Previdência anunciou a necessidade de rever também a reforma da previdência. Logo foi desautorizado a tratar desse tema e se calou. Sim, o ministro está certo, é urgente rever vários pontos da reforma de Bolsonaro-Guedes para que o processo de reconstrução do país seja real e justo com as trabalhadoras e trabalhadores.
Nesse 8 de Março, apelamos para que o governo Lula, com suas ministras e ministros, aponte na direção de uma reforma na previdência que resgate a justiça e a dignidade de todos e todas. Este caminho passa, necessariamente, por alguns marcos, como a abolição de todos os redutores no cálculo da pensão por morte e da proibição de se acumular aposentadoria e pensão, além da redução da idade mínima e do tempo de contribuição.