Por Wanderlei Wormsbecker | Presidente SINDICONTAS/PR
Na terça-feira (7), a Meta anunciou a substituição de seu programa de moderação nos Estados Unidos por um sistema de “notas da comunidade”, semelhante à abordagem utilizada pelo X (antigo Twitter), liderado por Elon Musk. A decisão gerou debates entre especialistas, que a interpretaram como um alinhamento entre Mark Zuckerberg, Musk e o presidente eleito Donald Trump, fortalecendo uma postura mais conservadora. Contudo, para o professor Roberto Abramovich, da Iéseg School of Management, em Paris, a medida terá impacto nulo na confiabilidade das redes sociais. “A relação de confiança é muito baixa hoje em dia, mesmo com fact-checking e moderações”, destaca o especialista.
Abramovich argumenta que o modelo econômico das redes sociais baseia-se no tráfego gerado por conteúdos bombásticos e parciais, que incentivam cliques e compartilhamentos. “Portanto, se a informação é checada ou não, isso não altera o modelo”, complementa. A substituição por um sistema de notas da comunidade representa, segundo ele, um corte de custos mais alinhado à abordagem de Musk e que expõe a natureza lucrativa dessas plataformas: “Caíram as máscaras: somos o que somos e fazemos o que fazemos”.
A Necessidade de Responsabilidade Solidária das Redes Sociais
A crítica de que o impacto é nulo reforça a ideia de que a regulação atual é insuficiente para combater a desinformação. Uma solução eficaz seria tornar as plataformas responsáveis solidariamente com os usuários pelas publicações que viralizam e geram receita para essas empresas. Redes sociais que lucram com a propagação de informações, independentemente de sua veracidade, deveriam arcar com consequências judiciais, como multas e indenizações, em igualdade de condições com os autores das postagens.
Contudo, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), em seu artigo 19, isenta as plataformas de responsabilidade sobre conteúdo de terceiros, salvo quando, após ordem judicial, não removerem o conteúdo ilícito. Essa disposição cria um entrave para responsabilizar as redes sociais, perpetuando um cenário em que as empresas se beneficiam financeiramente da desinformação sem arcar com as consequências.
O Que É Ilegal no Mundo Real Deve Ser Ilegal no Mundo Virtual
Uma linha de argumentação recorrente em debates regulatórios é que as leis aplicáveis ao mundo real também devem valer no ambiente virtual. Quando um jornal publica um artigo falso e calunioso, tanto o autor quanto o veículo são responsabilizados legalmente. Não deve ser diferente com as redes sociais, que funcionam como disseminadoras de conteúdo e lucram com ele.
Este servidor público que vos fala defende que as redes sociais devem estar sujeitas solidária e igualmente com o autor da publicação à Constituição Federal de 1988, que assegura a liberdade de expressão (art. 5º, IX) e o direito de resposta e reparação por danos morais e materiais (art. 5º, V e X). Além disso, o Código Civil (arts. 186 e 927) prevê a responsabilização por atos ilícitos e a obrigação de indenizar por danos causados a terceiros. Já o Código Penal tipifica crimes contra a honra, como calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140). Por fim, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) protege os dados pessoais contra uso indevido, um tema cada vez mais relevante no contexto digital. Se a rede social não apontar quem foi o autor da publicação falsa ou difamatória, ela responderá integralmente pela publicação.
Revogado o artigo 19 do Marco Civil, o ofendido procuraria a primeira instância judicial e iniciaria processo contra a rede social e o autor. Se a publicação estiver anônima, é responsabilidade da rede social apontar o usuário que publicou. O processo seria analisado normalmente pelo juiz designado e percorreria as vias legais exatamente como se fosse uma publicação física de mídia impressa. Ao final do processo, o juiz determinaria se houve mentira, difamação, dano ou ofensa, podendo aplicar penas, indenizações, sucumbências e até eventuais penalidades por litigância de má-fé. As redes sociais seriam tratadas como qualquer empresa de mídia, em todos os seus direitos, limitações e responsabilidades.
A Necessidade de Reformar o Marco Civil da Internet
Diante da incapacidade do Marco Civil da Internet de responsabilizar efetivamente as plataformas, surge a necessidade de revogar ou alterar o artigo 19, eliminando a isenção de responsabilidade. Redes sociais deveriam ser submetidas às leis já existentes, que garantem a proteção contra abusos de liberdade de expressão e a reparação por danos causados.
Tal reforma não visa censurar conteúdo, mas sim garantir que as empresas ajam de maneira responsável e colaborem para um ambiente informacional mais seguro. A regulação, ao impor consequências legais, também incentivaria as plataformas a investirem em sistemas mais eficazes de moderação e verificação de conteúdo.
Conclusão
O atual modelo das redes sociais, centrado no lucro gerado pelo tráfego de informações sensacionalistas, perpetua a desinformação e a manipulação. A mudança anunciada pela Meta reforça esse cenário, com impacto próximo de zero para a confiança pública. Para avançar na proteção dos usuários e na promoção de um ambiente informacional mais saudável, é imprescindível responsabilizar solidariamente as plataformas digitais pelos conteúdos que propagam. Isso requer não apenas alterações no Marco Civil da Internet, mas também a aplicação rigorosa das leis já existentes. Somente assim será possível enfrentar os desafios impostos pela desinformação em escala global.