A análise de licitações e contratos administrativos representa uma das funções mais complexas e estratégicas exercidas pelos Tribunais de Contas no Brasil. Com a promulgação da Lei nº 14.133/2021, que revogou gradualmente a antiga Lei nº 8.666/1993, a fiscalização desses instrumentos passou a demandar dos órgãos de controle externo uma nova postura técnico-jurídica, capaz de acompanhar a evolução normativa e a multiplicidade de procedimentos previstos.
A nova legislação ampliou o escopo de responsabilidades dos agentes públicos e introduziu mecanismos que exigem maior planejamento, transparência e profissionalização nas contratações públicas. No entanto, segundo dados de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), ainda há forte defasagem na implementação prática da norma: 64,3% das licitações nos estados e 40,8% nos municípios foram realizadas sem o cumprimento da exigência legal de que os processos sejam conduzidos por servidores efetivos designados como agentes de contratação.
Ainda conforme o TCU, o Índice de Maturidade da Implementação da Lei (IMIL), que avalia a adaptação dos órgãos públicos à nova legislação, apresentou uma média nacional de apenas 0,56 em 2023 — o que indica baixa capacidade institucional para lidar com os requisitos da Lei nº 14.133. Esses dados evidenciam um cenário desafiador para os Tribunais de Contas, que precisam adaptar seus próprios métodos de fiscalização ao mesmo tempo em que orientam os jurisdicionados sobre os novos parâmetros legais.
No contexto dessa transformação, o papel do auditor de controle externo se torna ainda mais relevante. Cabe a ele não apenas identificar falhas e impropriedades nos procedimentos licitatórios, mas também avaliar aspectos relacionados à economicidade, ao planejamento das contratações e à aderência aos princípios da Administração Pública, como eficiência, isonomia e interesse público. A jurisprudência consolidada do TCU tem reforçado essa visão orientadora do controle, especialmente quando lida com casos em que a irregularidade decorre de dúvida jurídica ou mudança normativa recente.
Outro ponto sensível identificado por estudos técnicos, como o publicado na Revista da CGU, diz respeito à necessidade de fortalecimento dos instrumentos de auditoria contínua e uso de inteligência artificial na análise de grandes volumes de dados licitatórios. A proposta é que os Tribunais de Contas avancem para modelos preditivos e preventivos de fiscalização, atuando não apenas na sanção de irregularidades consumadas, mas também na detecção precoce de riscos contratuais e vícios procedimentais.
Entretanto, os desafios são muitos. A carência de servidores especializados, a complexidade dos contratos de natureza tecnológica e a diversidade de modalidades licitatórias previstas na nova lei exigem dos Tribunais de Contas uma reestruturação constante de suas unidades técnicas, bem como a formação continuada dos seus quadros. Segundo matéria publicada no Conjur, essa transformação requer também um novo olhar sobre a atuação do controle externo, que deve se aproximar das unidades administrativas para atuar de forma orientadora, sem abrir mão do rigor técnico.
No Paraná, os auditores do Tribunal de Contas têm desempenhado papel central nesse processo, acompanhando as licitações de obras, serviços terceirizados, compras públicas e parcerias público-privadas com base em critérios de materialidade e relevância. A atuação busca não apenas a correção de falhas, mas a indução de boas práticas que elevem a qualidade do gasto público e previnam litígios administrativos e judiciais.
A expectativa é que, com a consolidação da nova legislação e o aprimoramento dos sistemas de gestão de contratos, os Tribunais de Contas ampliem sua capacidade de atuação estratégica. Nesse cenário, o trabalho técnico dos auditores se consolida como peça-chave para garantir a lisura, a eficiência e a legitimidade das contratações públicas — pilares indispensáveis para uma administração pública comprometida com o interesse coletivo.