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CONTRA O RACISMO, LEIS

  • 30 de novembro de 2020

Brasil e Estados Unidos sofrem do mesmo pecado original: temos sociedades erguidas à base da escravidão e esse fato inegável deixou rastros que sentimos ainda hoje

Em 2006, quando eu ainda era chefe de sucursal do The New York Times no Rio, dois colegas amigos na matriz se casaram e decidiram passar sua lua de mel no Brasil. Feliz com a escolha, eu os ajudei a planejar o itinerário. Só que esqueci uma coisa: eles são negros (ele mais claro, ela de pele muito mais escura) e, quando entraram nos hotéis cinco estrelas onde ficaram hospedados, repetidamente foram interceptados pelos seguranças, que acharam que ela poderia ser uma garota de programa em companhia de um hóspede legítimo. Foi muito constrangedor, principalmente para eles, mas também para mim.

Fiquei pensando em meus amigos quando, depois do assassinato de João Alberto Silveira Freitas em Porto Alegre, o vice-presidente Hamilton Mourão respondeu dizendo que “no Brasil, o racismo não existe”. (Uma declaração curiosa, sendo que o próprio Mourão sustentou, em 2018, que a “malandragem é oriunda do africano” e que a indolência seria uma herança “que vem da cultura indígena” — asseverações que, para mim, são provas cabais da existência do racismo no Brasil.) Horas depois, o presidente Bolsonaro conseguiu agravar ainda mais a injúria ao alegar que líderes do movimento pela igualdade racial “instigam o povo à discórdia, fabricando e promovendo conflitos”.

Pronto. A pergunta que me inquietava há 14 anos estava respondida. Se um casal de negros estrangeiros bem-sucedidos pode sofrer discriminação, como fica o negro brasileiro de classe menos privilegiada? O caso de Beto Freitas, espancado até a morte em um supermercado, mostra que em nenhum momento ele está seguro. Pior: as máximas autoridades do país vão negar a existência do fenômeno que resultou na morte dele e condenar a indignação de quem não consegue engolir o sapo amargo do racismo.

Quando, em maio, George Floyd foi asfixiado por um policial ajoelhado no pescoço dele, seu assassinato foi o estopim de um movimento multirracial e multigeracional que persiste até hoje e teve um papel importante nas eleições do dia 3. Ainda é muito cedo para saber se o assassinato do Beto terá um impacto semelhante no Brasil. Mas só um cego — ou alguém que simplesmente insiste em não reconhecer a realidade que está à frente de seus olhos — pode argumentar que o racismo não faz parte nenhuma da vida brasileira.

Há 40 anos, escrevi um perfil de Jorge Amado para a revista Newsweek, e tive o prazer de passar um par de dias conversando com ele no quintal de sua casa em Itapuã, tocando numa extensa gama de assuntos que incluía a raça. Num determinado momento ele me disse o seguinte: “os Estados Unidos têm milhões de pessoas que não são racistas, mas são um país racista. O Brasil tem milhões de pessoas que são racistas, mas não é um país racista”.

Respeito a opinião do mestre baiano. Mas discordo.

Nossos dois países são racistas porque sofrem do mesmo pecado original: temos sociedades erguidas à base da escravidão e esse fato inegável deixou rastros que sentimos ainda hoje.

Todos nós: brancos, pretos, indígenas e asiáticos. Claro que os desdobramentos em cada país foram diferentes ao longo dos séculos, mas a mancha persiste.

Numa tentativa de sustentar sua posição, Mourão citou seu espanto, quando jovem, ao ver de perto a segregação racial nos Estados Unidos. Ele está certo. Somos da mesma geração e tenho lembranças vívidas da primeira vez que viajei ao sul do meu país, ainda guri, e vi banheiros públicos, restaurantes, salas de espera em rodoviárias e recepções de hotéis com o letreiro “Aqui só entra branco”. Era uma iniquidade, e o mesmo fenômeno existia no norte de uma forma mais sutil.

Era assim, mas já não é. Talvez as leis não consigam mudar o coração das pessoas, mas, quando aplicadas, mudam seus comportamentos, sim. A legislação proibindo a discriminação racial no emprego, na educação etc. teve — e ainda tem — um impacto fundamental. Já tivemos um presidente negro, daqui a um mês vamos empossar uma vice negra e o número de deputados negros é equivalente à porcentagem de negros na população. Mais importante ainda, temos uma enorme classe média negra: Matilde Ribeiro me disse uma vez que era a coisa que mais a impressionou quando foi a Washington como ministra.

Mas a luta pela igualdade social e racial não termina nunca. O importante é empreender a luta e não desistir. Espero que milhões de brasileiros de boa vontade tenham assistido ao vídeo do Beto sangrando e gritando: “Tô morrendo”. Mas só aderindo à luta podemos todos assegurar que a morte dele não foi em vão.

Larry Rohter, jornalista e escritor, é ex-correspondente do “New York Times” no Brasil e autor de “Rondon, uma biografia”

FONTE: ÉPOCA

 
   
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