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Entrevistas

A capitalização no Chile deixou metade dos idosos sem aposentadoria

  • Entrevistado: Andras Uthoff
  • Data da entrevista: 07 de junho de 2019
Entrevistado

O Chile foi o primeiro país da América Latina a fazer uma reforma da Previdência que provocou a mudança de um regime solidário para outro de capitalização, em que o indivíduo é responsável pela sua própria aposentadoria e não conta com aportes de seus empregadores ou do governo. Esse sistema, implementado lá em 1981, agora é defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda que ele não tenha especificado como seria implementado, caso a reforma da Previdência seja aprovada — precisaria ser regulamentado posteriormente por meio de uma lei complementar. Para entender o que ocorreu no Chile após a implementação da capitalização, o Sul21 conversou com Andras Uthoff, economista e professor da Faculdade de Economia e Negócios da Universidade do Chile, que esteve em Porto Alegre na última semana para participar de um seminário sobre o tema.

Uthoff participou de duas comissões criadas, em 2006 e 2015, pela ex-presidente chilena Michelle Bachelet para revisar o sistema previdenciário chileno. Ele destaca que as comissões foram estabelecidas porque, com as primeiras pessoas se aposentando pelas novas regras a partir dos anos 2000, percebeu-se que as aposentadorias estavam despencando para valores equivalentes a até um quinto do salário da ativa dos trabalhadores chilenos e que uma grande massa de pessoas estava sendo excluída do sistema previdenciário porque era incapaz de contribuir com regularidade.

“Sob a lógica de que o trabalhador deveria ter mobilidade de um cargo para outro e que, com uma conta individual, poderia mudar de uma ocupação para outra sem deixar de poupar, o que se produziu, então, é a transformação do trabalhador com direito a aposentadoria em um consumidor de serviços financeiros. E aqueles que não tinham nenhuma capacidade de poupança, não tinham um emprego formal, foram ficando excluídos do sistema. Levou quase 25 anos até que o governo da Dra. Bachelet fizesse uma avaliação do sistema e ali se percebeu, muito seriamente, que o sistema excluía a metade da população idosa, que não ia ter nenhuma aposentadoria”, diz o professor.

Na conversa a seguir, Uthoff explica como o sistema foi criado, apresenta dados que apontam que as promessas feitas pelo governo chileno quando da implementação da capitalização não foram cumpridas e diz o que o país já fez e está fazendo para melhorar a aposentadoria dos seus trabalhadores. Confira a íntegra a seguir.

Sul21 – Como foi o processo de implementação do sistema de capitalização no Chile? O que tinha antes? O que aconteceu com os trabalhadores que estavam na ativa?
Andras Uthoff: Efetivamente, a reforma da capitalização individual foi feita no ano de 1981 sob o regime militar de Pinochet. O sistema de repartição vinha sendo questionado, mas basicamente ideologicamente, por temas associados à demografia, ao mercado de trabalho, aos déficits fiscais, uma pressão muito parecida ao debate que existe no Brasil, e da necessidade de uma reforma. No entanto, não havia consciência de que tipo de reforma. Foi criado o Instituto de Normalización Previsional, que homologou todos os regimes sob uma mesma regra de contribuições e benefícios.

O que veio a ser a reforma de 1981: uma vez que os Chicago Boys convenceram Pinochet de que precisava reformar o sistema, transformaram a parte contributiva do sistema de pensões em um mercado obrigatório de poupança individual. Sob a lógica de que o trabalhador deveria ter mobilidade de um cargo para outro e que, com uma conta individual, poderia mudar de uma ocupação para outra sem deixar de poupar, o que se produziu, então, é a transformação do trabalhador com direito a aposentadoria em um consumidor de serviços financeiros. E aqueles que não tinham nenhuma capacidade de poupança, não tinham um emprego formal, foram ficando excluídos do sistema.

Levou quase 25 anos até que o governo da Dra. Bachelet fizesse uma avaliação do sistema e ali se percebeu, muito seriamente, que o sistema excluía a metade da população idosa, que não ia ter nenhuma aposentadoria.

Sul21 – O Brasil tem atualmente um sistema tripartite. O trabalhador contribui com o INSS, o empregador contribui e o governo arrecada outras contribuições da sociedade e aporta no sistema. No Chile, o empregador também contribuía para o sistema anterior?
AU: Sim, o empregador contribuía e o estado também provinha benefícios ao sistema, como uma garantia, bem como contribuía como empregador da força de trabalho estatal.

Sul21 – E o sistema de capitalização acabou com a contribuição do empregador?
AU: Na capitalização, sob determinação dos supostos neoliberais de que é preciso baratear a contratação de mão de obra para o empregador, isso significa que o empregador não tem que contribuir para a aposentadoria. Eles disseram que 10% de poupança do trabalhador bastava para ter uma taxa de retorno de 70% dos salários da ativa no momento da aposentadoria. Isso não se tornou realidade, era uma fantasia.

Sul21 – Quando se cita a situação da previdência chilena aqui no Brasil, muitas pessoas dizem que 80% dos aposentados chilenos recebem menos que um salário mínimo. Essa informação procede?
AU: A primeiro avaliação que se fez em 2006, com a presidenta Bachelet, preocupou-se com a cobertura. Metade não estava ganhando absolutamente nada. Em consequência, na reforma de 2008, criou-se o pilar solidário, que são dois benefícios. Uma aposentadoria básica solidária, para quem não participou de nenhum sistema e não fez contribuições, e um subsídio previdenciário solidário para quem fez algum tipo de poupança e autofinanciou a aposentadoria. Esse pilar solidário é financiado pelo governo, é um subsídio do estado para um mercado que não funciona. Mas não é um direito, somente tem acesso quem não tem aposentadoria ou tem aposentadorias ruins e pertencem a 60% das famílias mais pobres. Não é para todos. Então, hoje em dia, há um sistema de proteção para os mais pobres, mas muito ruim, e um sistema que poderia operar relativamente bem para quem tem um emprego formal por 40 anos. Mas a grande classe média não tem nada.

Sul21 – Qual o valor do benefício do governo?
AU: Hoje em dia, a aposentadoria básica solidária está em 107 mil pesos chilenos, que são aproximadamente US$ 140, US$ 150 [cerca de R$ 560] e o subsídio previdenciário solidário vai diminuindo até chegar no valor do salário mínimo, que é cerca de US$ 400 [cerca de R$ 1,6 mil]. Se tu não tem contribuições, mas é de uma família rica, não recebe.

*A pensão básica solidária é semelhante ao Benefício de Prestação Continuada (BPC, no Brasil).

Sul21 – Esse subsídio é um complemento até chegar ao valor do salário mínimo?
AU: Se tu tem aposentadoria pelo sistema de capitalização, mas ela é muito baixa, o estado complementa até um teto. O importante é que, com a capitalização mais  os subsídios do estado, entrega os números que tu dizia, 44% dos aposentados abaixo da linha da pobreza e 80% abaixo do salário mínimo.

Sul21 – O Paulo Guedes já fez a defesa do modelo chileno em algumas audiências públicas no Congresso. O argumento que ele usa é que, de fato, a grande maioria dos chilenos recebem menos do que um salário mínimo, mas ele justifica dizendo que o Chile é um país mais desenvolvido que os seus vizinhos e que esses valores abaixo do salário mínimo seriam maiores do que a aposentadoria de outros países da América do Sul. Essa reforma de fato ajudou a desenvolver a economia chilena? Os trabalhadores chilenos vivem em condições adequadas? Também não adianta receber um salário nominalmente maior se o custo de vida é mais caro. Como funcionou isso na economia chilena?
AU: A forma como se convenceu Pinochet de que isso era importante era que, com a poupança dos trabalhadores, se iria aprofundar o mercado financeiro. Iria existir um estoque de poupança muito significativo em percentual do PIB e isso iria produzir investimento, crescimento e emprego, mas não foi isso que aconteceu. Hoje em dia, temos no Chile mais ou menos 30% de informalidade e os salários são relativamente baixos. Mas, em relação ao sistema, o que se usa para medir o quanto receberei de aposentadoria ante o que aportei do meu salário é a taxa de retorno, e 50% recebem menos de 20% do salário da ativa. Então, alguém que é claramente classe média quando trabalha, uma vez que se aposenta, passa a ser pobre. Hoje temos uma situação dos idosos muito precária. Há evidências de que a taxa de suicídios nessa faixa é relativamente alta.

Sul21 – Então os chilenos se aposentam e têm que continuar trabalhando?
AU: Se conseguem, sim. A lógica do sistema é postergar a aposentadoria, não se aposentar cedo, mas a maioria não tem emprego. Quando tu observa os registros das pessoas que estão próximas de se aposentar, são muito poucos os que estão contribuindo, porque não há condições de emprego. Há uma relação muito forte entre como opera o mercado de trabalho e a possibilidade de que a capitalização individual funcione. A maioria dos trabalhadores próximos da aposentadoria — a idade mínima dos homens é 65 anos, das mulheres é 60 –, antes de se aposentarem, já não tem um emprego estável.

Sul21 – Junto com a reforma da Previdência, o mercado de trabalho chileno também foi desregulamentado.
AU: Sim, se produziu uma flexibilização. O modelo neoliberal traz a ideia de flexibilizar o mercado de trabalho de modo que o trabalhador pode ser deslocado de um lugar para o outro e os empregadores tenham condições para empregá-los. Isso supostamente iria gerar um aumento da formalização, mas não ocorreu da forma como precisava. O tema que hoje tem preocupado a todos no sistema é que a frequência na qual o trabalhador consegue contribuir para a capitalização durante a vida ativa está na casa dos 50%. Ou seja, durante toda a vida ativa, as pessoas contribuem a metade do tempo. Com essa frequência de contribuições, não há sistema de capitalização que sobreviva.

Sul21 – Mesmo que as pessoas trabalhem mais de 40 anos, ela só conseguem contribuir 20?
AU: Exato.

Sul21 – A promessa dos liberais brasileiros é que temos que flexibilizar o mercado de trabalho, tirar o seguro-desemprego, o FGTS, tudo o que eles chamam de “penduricalhos”, porque daí teremos um mercado mais competitivo e os trabalhadores ganhando melhor. Não foi o que aconteceu no Chile, não é?
AU: A primeira parte, sim, se tratou de flexibilizar. Mas o resultado não foi o que se esperava. Não há um aumento de renda significativo, não houve aumento na formalização, seja da forma que eles quiserem. Os investimentos que se fazem com o dinheiro dos trabalhadores vão para instrumentos financeiros e, destes, 40% foram investidos no exterior, não no Chile. Essa mecânica de poupança dos trabalhadores e crescimento de investimentos não é uma mágica, não ocorreu. Há uma necessidade de reconhecer que o mercado não resolve todas as questões, é preciso ter políticas ativas para decidir que tipo de instrumento financeiro tem um respaldo real. Se tu não faz isso, o sistema não vai funcionar.

Sul21 – Como está a condição de vida dos trabalhadores chilenos na comparação com o período anterior às reformas?
AU: O que acontece é que há muitos ‘antes’. Nós tivemos uma crise tipo a venezuelana no sentido de que a economia no governo Allende sofreu sanções internacionais e havia uma crise forte, então a situação não era boa e as pessoas queriam mudança, mas não a que ocorreu. Não queríamos nenhuma ditadura, nenhum modelo neoliberal. Queríamos algo mais próximo da social-democracia europeia. Agora, o que acontece nos nossos países é que todas políticas recomendadas pela OCDE, por Washington, de flexibilidade, talvez funcionem em um mercado mais desenvolvido, mas nós ainda temos muita precariedade. O desenvolvimento de nossos países e dos nossos mercados de trabalho estão em níveis intermediários, mas nossas demografias evoluíram como a dos países desenvolvidos. Temos, nesse momento, um processo de envelhecimento quando ainda não resolvemos nem os problemas da educação, nem do mercado de trabalho. Então, adotar medidas que supostamente funcionam nos Estados Unidos e em países da OCDE não é a solução.

Sul21 – O sistema de educação é privado no Chile?
AU: Parte dele sim. A questão é a seguinte: o Chile funciona para 15% da população que tem renda alta. Esses 15% conseguem ter acesso à educação de qualidade porque vão aos colégios privados, às universidades privadas. Têm boa saúde, porque tem um seguro privado. E eventualmente tem uma boa aposentadoria, não pelo sistema, mas porque fazem poupança em outras modalidades. Então, funciona muito bem para 15% da população. Quando tu visita Santiago, tem um mundo fantástico desses 15%. Mas saia um pouco desse mundo para ver outra realidade. Há outro mundo que não está nessas condições. As soluções de mercado excluíram muito gente. Na saúde, por exemplo, 16% tem seguro privado e 84% tem seguro público, com poucos recursos. Quanto tu olha o sistema previdenciário, 20% podem financiar aportes superiores ao salário mínimo, 80% abaixo. Então, está muito claro que uma situação exclusivamente baseada no mercado não é a resposta.

Sul21 – Que cobertura o seguro público oferece aos idosos chilenos?
AU: O seguro público tem distintas alternativas segundo o teu nível de aporte. Há uma rede pública que deveria atender a toda a população, mas não consegue, porque não há recursos para todos. Temos longas listas de espera, os remédios são pagos. Então, há uma situação de muita precariedade. Quando tua renda cai para 20%, não se consegue ter os serviços de saúde dos quais se precisa, mesmo com a ajuda do estado no seguro público.

Sul21 – E, pegando o caso do Brasil, é na terceira idade que os gastos com saúde disparam.
AU: Perceba o perverso do mercado. O seguro de saúde, que se privatizou também, é individual e opera com um prêmio. No caso das mulheres grávidas, esse prêmio sobe, porque o gasto aumenta. Quando se chega à terceira idade e se vai mais ao médico, sobem o prêmio. O que acontece é que no momento em que tu precisa do seguro, depois de ter pago um prêmio durante toda a vida, te expulsam. Percebe-se que no seguro público estão em maioria as mulheres jovens e os idosos. Então, tem uma população mais necessitada e com menos recursos. Tu tem um mercado que funciona muito bem para uma elite, que aproveita muito bem o sistema e tem uma ótima qualidade de vida, melhor que na Europa e nos Estados Unidos. Então, claro, os amigos do Bolsonaro e do Guedes devem viver bem, mas a grande massa e a classe média não.

Sul21 – O que há de verdade nessa situação de que dizem que o Chile tem hoje um dos índices de suicídios de idosos mais altos do mundo?
AU: Eu quero ser honesto contigo, aprendi sobre isso vindo ao Brasil, porque vocês me perguntam. É um dado que existe, mas não é publicizado, porque os meios estão cooptados. Não é algo divulgado. Depois da última vez que vim ao Brasil, fiz uma investigação no Google sobre o Chile e efetivamente tu vê que as taxa de suicídio depois dos 70 anos subiram substancialmente. A explicação que dão os psicólogos é que claramente há um estado depressivo, uma situação de dependência, de vulnerabilidade, num idade em que aparecem todas as doenças e claramente não se tem como resolvê-las.

Sul21 – Uma coisa que não se deu conta no Brasil quando se fala no modelo chileno é que as primeiras pessoas começaram a se aposentar por esse sistema apenas depois dos anos 2000. O Chile até pode ter tido uma gordura quando as pessoas ainda não havia se aposentado, mas a situação de pobreza na terceira idade piorou de uns anos para cá, não é?
AU: O que acontece é que os sistemas de aposentadoria levam tempo para amadurecer. O sistema de capitalização começou em 1981, então alguém que realmente começou a trabalhar nesse ano, levará 40 anos para se aposentar, em 2021. Contudo, era possível mudar de sistema. A gente observa três coisas. Quem se aposentou pelo sistema antigo tem melhores aposentadorias do que aqueles que migraram para a capitalização. Quem se aposentou pela capitalização, mas com um bônus de reconhecimento pela contribuição antiga, tem melhores remunerações do que aqueles não têm o bônus. E quem se aposentou totalmente pelo sistema novo tem as piores aposentadorias. O que estamos vendo para o futuro é que, dado que o Chile segue envelhecendo, a rentabilidade está caindo e os mercados de trabalho não são inclusivos, a situação vai ser cada vez pior.

Sul21 – Houve a mudança promovida pela ex-presidente Michelle Bachelet em 2008 do qual você já falou. Mas estão em discussão uma nova reforma da Previdência e do mercado de trabalho no Chile hoje?
AU: Uma experiência interessante no Chile é que foram feitas comissões de assessoria presidencial para a Previdência. No ano de 2006, a presidenta Bachelet foi advertida de que metade da população idosa estava ficando sem Previdência. Então, se chamou uma comissão de especialistas. Nos reuníamos num gabinete e tínhamos audiências com a cidadania para entender quais eram os problemas, para depois produzirmos um relatório. Nesse ambiente se produziram duas discussões. O mandato era de que o sistema de capitalização individual não iria mudar, mas que era preciso melhorá-lo. Essa era a instrução que havia na época. O que se fez então? Dado que foi investido muito dinheiro estatal no custo de transição, por que não gastamos um pouco mais e damos garantias a quem não conseguiu contribuir? Foram criados a aposentadoria básica e o subsídio solidário, mas somente para 60% das famílias mais pobres. Resolvemos a questão da cobertura. Quase 85% dos idosos têm alguma renda. Mas quando tu observa a qualidade do benefício, encontra esses dados, 80% abaixo do salário mínimo e 44% abaixo da linha da pobreza, isso significa uma precariedade nas condições de vida dos idosos que está resultando, como vimos, em suicídios e outras coisas.

O debate hoje é nesse sentido, dado o que temos, como podemos melhorar as aposentadorias? Temos pessoas que ainda acreditam na lógica do sistema e dizem: ‘É muito fácil, a população tem que poupar mais’. Nós pensamos que a população não consegue poupar mais. Há capacidade de poupança em outros agentes da economia, nas empresas e em outros lugares. Então, tu tem que fazer um sistema com maior intervenção do estado nas transferências, mais ou menos como funciona aqui no Brasil. Então, nós estamos pensando em criar um piso de proteção social, mas o governo [do liberal Sebastian Piñera] quer criar incentivos para que as pessoas contribuam mais. Eles ainda acreditam que o mercado vai resolver isso por meio de que pequenos incentivos e subsídios à demanda. Incentivam as pessoas a poupar mais em troca de subsídios do governo. Mas se tu não consegue, não consegue.

Sul21 – Não se fala em estabelecer uma contribuição patronal?
AU: Hoje estamos debatendo incorporar quatro pontos percentuais na contribuição salarial, em vez de 10%, 14%, e 4% colocados pelo empregador. Ao final, vão argumentar que quem vai terminar pagando é o trabalhador, mas é uma questão teórica. E discute-se também o que vai se fazer com isso, se vai para a conta individual do trabalhador ou para um sistema mais solidário. O Chile precisa das duas coisas, melhorar a capacidade de poupança dos trabalhadores que estão no sistema, mas também precisa incorporar e melhorar a renda das pessoas que não estão incluídas.

Sul21 – O pilar solidário é financiado por quais impostos? Existe uma contribuição específica ou sai do Tesouro?
AU: Vem do imposto geral. Atualmente, o pilar solidário e o custo da transição são financiados pelo imposto geral.

Sul21 – Sobre o custo de transição. O Paulo Guedes fala que a reforma vai economizar R$ 1 trilhão em 10 anos. O que ele não fala para a população é que a mudança de regime tem um custo brutal. Eu já ouvi falar que isso no Chile custou um PIB e meio.
AU: Um pouco menos.

Sul21 – O governo vai continuar pagando os aposentados do sistema atual, sem ter a contribuição patronal que o governo quer extinguir, basicamente até a última pessoa que entrou no sistema atual morrer. Isso pode levar várias e várias décadas.
AU: Há três elementos do custo de transição. O primeiro é quem vai pagar quem já está aposentado pelo regime antigo e aqueles que vão se aposentar, porque já estão perto da aposentadoria. Isso se chama de déficit operativo, porque não vai haver o dinheiro que irá para a capitalização, mas ainda vai ter que ser pago. Depois, vai ter gente que vai optar por mudar para o sistema de capitalização, mas já contribuiu 20, 30 anos para o sistema antigo. Então, o estado tem que dar um bônus de reconhecimento pelos aportes. Depois, há certas garantias que o estado precisa continuar pagando. Não sei o que vão fazer com a previdência rural, com as pessoas que tinham garantias do estado. Isso também vai continuar. Tudo isso tem um custo. No Chile, isso equivaleu até o momento a 136% do PIB. Não quer dizer que isso tem que ser pago imediatamente, mas por meio de déficits que começaram em torno de 5% do PIB e hoje em dia, depois de 39 anos, ainda seguimos pagando 2% do PIB como parte da transição. Isso é algo que, se tu não faz, o dinheiro dos trabalhadores não irá para o setor financeiro, irá para a dívida pública. Se é assim, porque mudar de mudar de sistema? Então, tu tem que criar um espaço dentro do orçamento público para financiar esse custo de transição, é isso que eu não sei como vão fazer no Brasil. É a história oculta do sistema, nunca falam disso.

*O ministro Paulo Guedes ainda não informou oficialmente quanto será o custo de transição para a capitalização.

Sul21 – A promessa que se fez no Chile, com o senhor disse, de que a poupança gerada pela população iria ser reinvestida na economia, ia gerar desenvolvimento, também já foi feita por aqui, de certa forma. No Chile, a previdência privada é administradas pelas AFPs (Administradoras de Fundos de Pensão), que são empresas privadas. Que tipos de investimento elas fazem? Elas beneficiaram de alguma forma a economia chilena? 
AU: As AFPs chilenas têm função exclusiva, somente podem se dedicar a isso. Eu não sei o que estão pensando aqui, se os bancos poderão entrar ou não. A questão é que, se os bancos entram, tu vai ter negócios relacionados. Eu te dou um crédito, mas tu tem que se filiar a minha AFP, começa a ter outro tipo de relações comerciais que não são convenientes. No Chile, tem função exclusiva, apesar de pertencerem a holdings financeiras de grandes empresas. Hoje, 75% do dinheiro dos trabalhadores está nas mãos de três empresas americanas, que são as três grandes AFPs de capital americano. Então, claramente não há um nacionalismo por trás disso. E os investimentos reais, a menos que tu tenha instrumentos rentáveis, seguros e com respaldo real, não ocorreram no Chile. Teve investimentos em ações, em fundos financeiros, mas não se sabe exatamente o que há por trás disso, se estão construindo pontes, se estão construindo aeroportos, é tudo incerto. Então, não ha uma relação entre o desenvolvimento econômico do país e os investimentos e a rentabilidade dos instrumentos financeiros.

Sul21 – O trabalhador tem que depositar 10% ao mês na capitalização e ainda tem uma taxa de gestão que ele paga para a AFP?
AU: Sim. Hoje em dia está em 1% do salário do trabalhador.

Sul21 – E são depósitos obrigatórios, não é? Uma pessoa não pode optar por não se aposentar?
AU: É mandatório. Mas, obviamente, é difícil fiscalizar trabalhadores informais e independentes. Muita gente separa o seu dinheiro e faz as aplicações por conta própria. Se eu sou um empreendedor, digamos que tenho uma pequena empresa, a participação no sistema está dando resultados tão ruins que eu prefiro seguir investimento no meu empreendimento, é o que está acontecendo no Chile.

Sul21 – E o empreendedor pode optar por não fazer parte do sistema?
AU: Ele é obrigado. Se fiscalizarem ele, vão obrigá-lo a colocar 10% dos seus rendimentos no sistema. Mas, se não conseguem fiscalizá-lo, trata de evadir o sistema, é o que estamos vendo. Apenas 5% dos trabalhadores independentes contribuem.

 

Fonte: Sul 21

   
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