Reforma Administrativa no Congresso mantém resquícios da PEC 32, do governo Bolsonaro

Reforma Administrativa no Congresso mantém resquícios da PEC 32, do governo Bolsonaro

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Matéria original/imagem: Brasil de Fato

Sindicatos e servidores públicos de todo o país estão mobilizados para barrar a nova proposta de Reforma Administrativa, apresentada na Câmara dos Deputados pelo relator, deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ). O texto reúne um projeto de lei complementar (PLP), um projeto de lei (PL) e uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), e, segundo as entidades, representa um retrocesso histórico para o funcionalismo público e para o conjunto da população que depende dos serviços públicos.

O tema foi debatido em audiência pública realizada na terça-feira (14), pelas comissões de Administração e Serviço Público e de Finanças e Tributação da Câmara. O encontro, convocado pelas deputadas Ana Pimentel (PT-MG) e Professora Luciene Cavalcante (Psol-SP) e pelo deputado Rogério Correia (PT-MG), reuniu representantes de 31 entidades de servidores dos três Poderes e do Ministério Público. Nenhum representante do governo federal participou da sessão.

Reforma aprofunda neoliberalismo

A nova proposta de Reforma Administrativa, apresentada no dia 2 de outubro, mantém diversos resquícios da PEC 32/2020, elaborada durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ela se organiza em quatro eixos centrais: Estratégia, Governança e Gestão; Transformação Digital; Profissionalização do Serviço Público; e Extinção dos Privilégios. Sob o argumento de “modernizar o Estado”, o texto propõe mudanças profundas no regime de trabalho do funcionalismo público.

Sindicatos e parlamentares alertam que a proposta retoma mecanismos da PEC 32 e aprofunda a precarização das relações de trabalho, com risco de perseguição política e redução da autonomia do Estado. Para a deputada Luciene Cavalcante (Psol-SP), a nova proposta é “ainda mais perigosa para o desmonte do Estado brasileiro do que a própria PEC 32”.

Principais impactos no serviço público:  

  • Avaliação periódica de desempenho: prevê a demissão por baixo desempenho sem critérios objetivos, abrindo espaço para perseguições políticas e ameaçando a estabilidade, essencial à continuidade dos serviços públicos.
  • Bonificações por metas: substituem progressões de carreira por prêmios individuais, impondo lógica competitiva e produtivista ao serviço público, em detrimento do caráter coletivo e social da função estatal.
  • Flexibilização das carreiras e contratações: amplia vínculos e formas de ingresso, o que pode fragilizar o mérito técnico e facilitar indicações políticas.
  • Ampliação de vínculos temporários: estimula contratações precárias e sem estabilidade, comprometendo a continuidade e a qualidade dos serviços públicos.
  • Análise prévia de execução indireta: determina que se avalie a possibilidade de terceirização antes de abrir concursos, institucionalizando a privatização de funções públicas e transformando direitos em mercadorias.
  • Extinção de cargos por decreto: autoriza o Executivo a eliminar cargos sem aval do Congresso, concentrando poder e ameaçando a autonomia institucional.
  • Padronização de regras para estados e municípios: impõe normas uniformes que limitam o pacto federativo, reduzindo a autonomia local na gestão de políticas públicas.

Para as entidades sindicais, esses pontos representam a precarização das relações de trabalho, o esvaziamento da estabilidade, a fragilização do serviço público e o enfraquecimento da autonomia do Estado brasileiro.

“É abrir de vez, é transformar o direito em mercadoria. Essa reforma aprofunda a lógica neoliberal de sufocamento das políticas públicas e impede a realização de concursos. Vai prejudicar servidores, aposentados e pensionistas, criando um desequilíbrio estrutural no Estado”, afirmou a deputada Luciene Cavalcante (Psol-SP).

O presidente da Central Pública do Servidor, José Gozze, reforçou a crítica. “Quando atacam os direitos dos servidores, como a estabilidade, atacam o cidadão, porque é pelas mãos dos servidores que o povo recebe os direitos constitucionais e obrigatórios do Estado.”

Sem participação popular 

Outro ponto denunciado na audiência foi a falta de participação popular, de sindicatos e de servidores na construção da proposta apresentada pelo Grupo de Trabalho (GT). Até parlamentares integrantes GT tiveram espaço restrito para participação efetiva. O deputado federal Túlio Gadêlha (Rede-PE) destacou essa limitação. 

“Eu tenho observado e feito parte desse grupo de trabalho. A gente teve durante todo esse processo muita dificuldade de tentar construir esse texto de forma coletiva. Não é possível que em uma audiência pública a gente tenha o tempo de um minuto para o representante da categoria falar”, pontuou o parlamentar.

Entidades sindicais já haviam relatado que, embora convocados, os servidores tiveram espaço reduzido no debate: apenas três minutos de fala para cada entidade, em audiências cujos impactos são profundos. Também se observa que o GT foi instalado sem regras regimentais claras para garantir participação efetiva de servidores ou da sociedade, mesmo o tema afetando direitos centrais do serviço público.

Ataque à autonomia do Estado e ao pacto federativo

Durante a audiência, parlamentares e especialistas alertaram para o impacto da proposta sobre o pacto federativo e a autonomia dos entes federados. O texto propõe regras gerais para estados e municípios, como definição de número de secretarias, salários de prefeitos e vereadores e padrões administrativos uniformes.

Na prática, essas mudanças podem centralizar o poder decisório em Brasília, limitando a capacidade de cada ente adaptar suas políticas públicas às necessidades locais.

“Essa proposta interfere e muda todo o pacto federativo que construímos no país. É uma reforma radical e neoliberal que coloca a austeridade fiscal no centro das políticas públicas. É o desmonte do Estado brasileiro”, afirmou a deputada Carol Dartora (PT-PR).

A deputada Ana Pimentel (PT-MG) também advertiu que a proposta representa “um projeto de desmonte do Estado brasileiro e de concentração de poder para determinados grupos”, reforçando que “a avaliação de desempenho pode se transformar em instrumento de controle político e perseguição dentro do serviço público”.

Outro ponto grave destacado foi a possibilidade de órgãos de controle, como tribunais de contas e controladorias, assumirem papel de formulação de políticas públicas, o que, segundo os participantes, fere a separação entre fiscalização e execução.

“Isso é desmontar a base democrática do funcionamento do Estado. O papel dos órgãos de controle é fiscalizar, não definir políticas”, disse a deputada Pimentel.

Servidores convocam marcha

A audiência terminou com um chamado à mobilização nacional. As entidades presentes reafirmaram que a resistência à reforma depende da organização dentro e fora do Congresso.

“Muitos servidores ainda não sabem o que está acontecendo. Precisamos ocupar os espaços e pressionar os deputados para que retirem suas assinaturas dessa proposta. É grave o que está em jogo”, alertou a deputada Cavalcante, durante a audiência.

A deputada Talíria Petrone (Psol-RJ) também reforçou a importância da mobilização popular. “O povo organizado nas ruas foi quem derrotou a PEC 32, e será também quem vai enterrar de vez essa nova reforma, que não atende ao conjunto do povo brasileiro”, disse a parlamentar. 

Marcha Nacional do Serviço Público acontecerá no dia 29 de outubro, em Brasília, com concentração às 9h no Museu Nacional da República e caminhada até o Congresso Nacional. Paralisações e mobilizações também estão previstas para os dias 28 e 29, especialmente entre trabalhadores da educação, saúde e assistência social.

O ato denunciará os principais riscos da proposta: a fragilização da estabilidade e das carreiras, a expansão da terceirização, a redução da autonomia dos estados e municípios, e o desmonte dos serviços públicos essenciais.

Ainda não há data definida para votação da Reforma Administrativa. Apesar da promessa de “amplo debate” do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), as entidades prometem manter a pressão para que o projeto seja arquivado, dado o caráter destrutivo da proposta para o serviço público e para o povo brasileiro. 

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