Matéria original/imagem: Plural
Segundo dados divulgados pelo Ipardes – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, há no Estado do Paraná uma população maior de mulheres do que homens (no ano de 2025, são 6.083.017 mulheres e 5.807.567 homens). Até o final do atual PPA (Lei do Plano Plurianual – Lei Ordinária nº 21.861/2023), ou seja, no ano de 2027, o Estado do Paraná manter-se-á como um Estado cuja população é formada pela maioria de mulheres (6.149.737 mulheres e 5.860.837 homens).
Já no ano de 2024, o Ipardes divulgou, a partir do levantamento da RAIS (Relatório Anual de Informações Sociais), do ano de 2021, a diferença salarial entre homens e mulheres: referido instituto identificou que, em apenas 23% dos Municípios paranaenses, o salário médio das mulheres é maior que os homens (remunerações, diga-se de passagem, relacionadas ao setor de educação). O Plano Estadual de Direitos da Mulher (2018-2021) foi claro ao afirmar que: “o Paraná é o terceiro Estado da Federação com maior diferença salarial média no trabalho principal de homens e mulheres”.
Formalmente, a busca pela equidade de gênero no Estado do Paraná iniciou em 1.985, ano em que foi criado Conselho Estadual da Condição Feminina (Decreto nº 6.617/1985). Já a Constituição do Estado do Paraná, promulgada em 1.989, apesar de não prever, expressamente, a igualdade entre homens e mulheres em seu texto (conforme dito pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso I), dispôs, em seu artigo 1º, inciso I, o respeito “à Constituição Federal e à inviolabilidade dos direitos e garantias fundamentais por ela estabelecidos”, bem como à “defesa dos direitos humanos” e a “defesa, a igualdade e consequente combate a qualquer forma de discriminação”.
Ademais, no artigo 165 da Constituição Estadual, há a seguinte previsão expressa: “ O Estado, em ação conjunta e integrada com a União, Municípios e a sociedade, tem o dever de assegurar os direitos relativos à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à capacitação para o trabalho, à cultura e de cuidar da proteção especial da família, da mulher, da criança, do adolescente, do idoso e do índio”. O mesmo texto Constitucional reconheceu a importância do Conselho Estadual da Condição Feminina ao trazer este tema para dentro deste diploma, com a previsão, em seu artigo 219, que este é um órgão governamental de assessoramento, composto por integrantes da sociedade civil, inclusive com dotação orçamentária própria.
Já em 1.997 o “Conselho Estadual da Condição Feminina” passou a denominar-se “Conselho Estadual da Mulher do Paraná” (Decreto nº 3030/1997). A regulação do artigo 219 da CE ocorreu apenas no ano de 2013, quando a Lei nº 17.504/2013 criou o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDM/PR). Referida Lei foi alterada, posteriormente, pela Lei nº 18.658/2015. Ambas foram revogadas pela Lei nº 21.926/2024, que institucionalizou o Código Estadual da Mulher Paranaense, o qual regula o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Paraná nos artigos 3º ao 27. Por meio do Código Estadual, houve a importante criação do Fundo Estadual dos Direitos da Mulher – FEDIM/PR, vinculado à Secretaria de Estado da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa – SEMIPI e em consonância com o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Paraná – CEDM/PR. Tal Fundo tem como fim “ a prestação de suporte financeiro no planejamento, implantação e execução de planos, programas e projetos voltados à promoção e defesa dos direitos das mulheres”.
O Estado do Paraná possuiu 3 Planos Estaduais das Mulheres: (i) Plano Estadual de Políticas para as mulheres do Estado do Paraná (2014-2016); (ii) Plano Estadual dos Direitos da Mulher (2018-2021) e, por fim, (iii) Plano Estadual dos Direitos das Mulheres (2022-2025). O Plano Estadual de Políticas para Mulheres de 2014-2016 continha a previsão da “educação inclusiva, não sexista, não racista, não transfóbica, não bifóbica e não lesbofóbica ”. Existiam ações e metas previstas, com indicações orçamentárias. Ocorre que, infelizmente, no PPA previsto para os anos de 2012-2015 (Lei n.º 17.013/2011) não houve qualquer recepção das medidas, as quais foram, de forma genérica indicadas no PPA responsável pelos anos de 2016-2019 (Lei n.º 18.661/2015). Houve a menção ao Plano Estadual das Mulheres no âmbito do Programa 02 (Desenvolvimento social – vinculado a Secretaria de Estado do Trabalho e Desenvolvimento Social – SEDS). Mas correspondiam a previsões gerais. Não há informações se as previsões orçamentárias indicadas no Plano Estadual das Mulheres foram ou não executadas. Nos pareceres de aprovações de contas dos Governadores do Estado, emitidos pelo Tribunal de Contas, não há, também, qualquer menção.
Tanto no Plano Estadual dos Direitos da Mulher de 2018-2021, como no Plano Estadual dos Direitos das Mulheres de 2022-2025, não houve a manutenção da educação inclusiva acima mencionada. No ano de 2022-2025, houve até menção ao estudo do conceito de gênero (o que não foi mencionado nos anos de 2018-2021, o qual se preocupou apenas com alguns dados a respeito da violência em relação à população transgêneros, Intersexuais, Lésbicas e Gays). Este abandono do conceito de gênero de Joan Scott, adotado no Plano Estadual de 2014-2016, prejudicou e excluiu, ainda mais, a população LGBTQIa+.
Os Planos Estaduais dos Direitos da Mulher de 2018-2021 e 2022-2025 deixaram de indicar as dotações orçamentárias responsáveis pelos programas e ações nele previsto. Este distanciamento dos PPAs (e da própria Lei Orçamentária) demonstrava que as Políticas previstas no Plano Estadual não seriam executadas pelo Governo do Estado. A ausência completa de políticas da Mulher é comprovada pela redação do atual PPA, o qual compara o anterior (PPA 2019-2023, Lei n.º 20.077/2019) com o atual (PPA 2024-2027, Lei n.º 21.861/2023) e conclui:

Apesar da previsão da transversalidade nos Planos Estaduais, não há programas específicos a respeito da construção de políticas públicas complexas (o que revela mais uma omissão). Para o contexto paranaense, assim como ao brasileiro, a transversalidade não deve ser compreendida apenas sob a ótica do gênero. No Brasil, adota-se o conceito de “transversalidade” ao analisar o os seguintes indicadores: (i) gênero; (ii) raça e (iii) classe (HOFBAUER, Helena; VINAY, Cláudia. Orçamentos sensíveis a gênero: ferramentas metodológicas. Experiências Internacionais e do México. In: JÁCOME, Márcia Larangeira; VILLELA, Shirley. Orçamentos sensíveis a gênero: conceitos. Programa Orçamentos Sensíveis a Gênero. ONU Mulheres, 2012, p. 29).
No tocante aos direitos das mulheres, a atuação do Estado do Paraná ocorre, basicamente, em relação à três linhas. Esta opção ocorreu ao longo dos anos (houve a redução dos eixos temáticos):
Plano Estadual de Políticas para Mulheres de 2014-2016
i) Enfrentamento de todas as formas de violência contra as mulheres;
ii) Autonomia econômica e igualdade no mundo do trabalho, com inclusão social;
iii) Desenvolvimento sustentável no território rural, cidade e floresta, com garantia de justiça ambiental e segurança alimentar;
iv) Cultura, esporte e comunicação e mídia democrática e não discriminatória;
v) Educação inclusiva, não sexista, não racista, não transbofóbica, não bifóbica e não lesbofóbica;
vi) Saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; e
vii) Gestão e monitoramento do Plano.
Plano Estadual dos Direitos da Mulher de 2018-2021
i) Promoção da igualdade de gênero e da equidade, com enfrentamento aos preconceitos, para o protagonismo de todas as mulheres e meninas;
ii) Fortalecimento institucional e participação social para universalidade das políticas;
iii) Eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres;
Plano Estadual dos Direitos das Mulheres de 2022-2025
(i) Promoção da igualdade de gênero e da equidade, com enfrentamento aos preconceitos, para o protagonismo de todas as mulheres e meninas;
(ii) fortalecimento da participação social para universalidade das políticas;
(iii) eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres.
A primeira é o combate à violência doméstica (artigo 237 da CE). O tema está presente de forma evidente a partir do PPA de 2012-2015 quando há a criação da Rede Solidária de Acolhimento às Mulheres em Situação de Violência Doméstica. A Segurança Pública também incorporou um viés social, com a ampliação das delegacias especializadas no atendimento à mulher. No PPA de 2019-2023, por exemplo, adotou medidas de apoio tecnológico para a proteção de mulheres com medidas protetivas, além da coleta de provas em hospitais e ampliação de delegacias da mulher. Há, ainda, toda uma rede de acolhimento a vítima da violência formada por: Casas Abrigos, Casas de Acolhimento Provisório, Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS). Infelizmente, contudo, não há informações claras a respeito do orçamento de cada uma das propostas acima.
A segunda linha é a da saúde. No ano de 2012, foi criado o programa “Rede Mãe Paranaense” (baseada da “rede Cegonha Nacional”, a qual foi substituída pela “Rede Alyne” – Portaria GM/MS n.º 5.350/2024), com o objetivo de reduzir a mortalidade materna como infantil. O cuidado da saúde está relacionado, também, ao câncer de colo de útero e ao câncer de mama (inclusive é uma previsão expressa do artigo 170, inciso I da CE a necessidade de estar no plano plurianual). Não há programas específicos a respeito de saúde mental. Nota-se programas em relação à maternidade, em especial, ao período de gestação e ao puerpério. O combate às doenças sexualmente transmissíveis – DST surge no Plano Estadual da Mulher de 2018-2021. Há uma tendência a criação de programas relacionados à família. Da mesma forma que o combate a violência, não há dados claros a respeito dos gastos
orçamentários.
O terceiro eixo seria institucional, ou seja, com o reforço institucional (inclusive perante Municípios). No último ciclo analisado, de 2020 a 2023, a atuação do Estado do Paraná passou a contemplar medidas de incentivo à criação de Conselhos Municipais dos Direitos da Mulher e ao fortalecimento de redes de proteção. Também não há clareza a respeito dos recursos repassados para estes fins.
O Tribunal de Contas do Estado do Paraná publicou apenas duas auditorias a respeito da questão de gênero: o primeiro é o Relatório de Auditoria, elaborado no ano de 2023, cujo título é “Violência de Gênero – Resposta Estatal na Prevenção, Sanção e Erradicação da Violência contra as Mulheres; o segundo é o Plano de Fiscalização 2024/2025, a respeito do Direitos da Mulher. Ambos estão focados na violência contra a mulher. Não há uma atuação histórica a respeito do tema.
O presente artigo serve para ressaltar o óbvio: o papel do Tribunal de Contas é fundamental no controle das políticas públicas relacionadas ao gênero. Como acima demonstrado, não houve, por parte das Leis Orçamentárias, a recepção da Política Estadual elaborada pelo Conselho competente. Logo, há uma grave omissão do Poder Executivo que, se não for controlado pelo Poder Legislativo ao longo da discussão orçamentária, deve ser analisada pelo órgão de controle externo.
Neste sentido, por meio do presente artigo, pretende-se destacar a Proposta da Emenda à Constituição do Estado, do ano de 2023, elaborada pela Deputada Estadual Luciana Rafagnin (PT-PR), a qual prevê a inclusão do parágrafo 8º do artigo 77, o qual passaria a ter a seguinte redação: “A Assembleia Legislativa observará a alternância de gêneros, respeitando a paridade entre homens e mulheres, para a escolha dos conselheiros que sejam da sua competência”.
Não há dúvida de que, com mulheres no comando, políticas de gênero serão aprofundadas no Tribunal de Contas. Certo é que, ao longo de mais de 70 anos de história, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná nunca teve uma mulher ocupando o cargo de conselheira. Trata-se de uma dívida histórica que a casa do povo do Paraná deve corrigir.