Um estudo recente publicado no periódico SSM – Population Health revelou uma correlação inesperada: municípios com maior número de livros per capita em bibliotecas públicas registram menos idosos em situação de dependência de cuidados de longa duração. A pesquisa japonesa analisou mais de 70 mil pessoas durante sete anos e concluiu que o acesso a bibliotecas gera impactos positivos não apenas na cognição, mas também na saúde física e emocional da população.
O dado chama atenção. E convida a uma reflexão: qual é o papel das bibliotecas no serviço público? O que perdemos ao abandonar ou minimizar esses espaços — e o que podemos construir ao valorizá-los?
Para responder a essas perguntas, conversamos com Maury Antônio Cequinel Junior, membro do Conselho Deliberativo do SINDICONTAS/PR, ex bibliotecário e servidor de carreira com 24 anos de atuação na biblioteca do Tribunal de Contas do Estado do Paraná.
Uma trajetória construída entre livros e servidores
A carreira de Maury percorre instituições emblemáticas da cultura e da informação no Paraná: começou como auxiliar de biblioteca no Museu Paranaense e na Biblioteca Pública do Paraná, foi bibliotecário da Universidade Estadual de Ponta Grossa e, por mais de duas décadas, atuou diretamente na biblioteca do TCE-PR.
“Planejava e organizava o acervo, atendia os usuários, auxiliava nas pesquisas e elaborava o boletim informativo digital, que circulava diariamente. Foram mais de 10 mil edições ao longo dos anos. A biblioteca sempre foi um ponto de apoio estratégico para o corpo técnico do Tribunal”, relembra.
Mais que livros: um espaço de memória, convivência e criação
Para além do acervo físico e digital, a biblioteca do TCE também foi espaço simbólico e vivo, onde circularam ideias, pessoas e projetos. “Ali aconteceram reuniões técnicas, nasceram artigos, dissertações, teses… e até o próprio SINDICONTAS. Foi palco de exposições, encontros, até histórias pessoais marcantes. A biblioteca também era um lugar de música, de conversa, de pertencimento”, resume Maury.
A transição para o digital trouxe avanços — como a agilidade no acesso a processos e documentos —, mas também perdas. “Existe uma falsa ideia de que tudo está na internet. Muitas vezes o que se encontra é incompleto, sem fonte, desordenado. E quando não há curadoria profissional, corre-se o risco de perder conhecimento e memória institucional”, alerta.
Curadoria é compromisso com o futuro
Na visão de Maury, a digitalização precisa andar lado a lado com a estruturação de uma política clara de curadoria — que envolva bibliotecários e arquivistas especializados. “Sem essa organização, há descontinuidade, desinformação e perda do legado institucional. O conhecimento técnico acumulado corre o risco de desaparecer.”
E completa: “A biblioteca, seja física, digital ou híbrida, não é apenas um depósito de livros. É um equipamento estratégico que contribui com a inteligência institucional, a formação continuada e o bem-estar coletivo.”
E se a biblioteca fosse o cartão de visita do Tribunal?
A ideia de retomar uma biblioteca mais visível, acessível e atrativa não é utopia, segundo Maury. “Ela poderia estar no hall de entrada, com paredes de vidro, exposições permanentes e itinerantes, acervo físico e digital, espaços de leitura, apresentações musicais, cafeteria. Seria uma vitrine de boas-vindas ao TCE e ao público externo.”
Para que isso se concretize, ele aponta um caminho: escutar os servidores. “A reestruturação de uma política de acervo deve passar por uma escuta coletiva. Saber se os servidores sentem falta da biblioteca, se usam o acervo digital, o que gostariam de ver revitalizado.”
Inovação e inteligência artificial: oportunidade ou ameaça?
A tecnologia também pode — e deve — ser aliada. “A inteligência artificial vai ocupar espaço nas bibliotecas, sim. Mas ela precisa ser usada com responsabilidade, sempre supervisionada por profissionais. Pode liberar o bibliotecário de tarefas repetitivas e permitir que ele atue de forma mais estratégica. Mas nunca substituí-lo.”
Uma responsabilidade coletiva
Como mensagem final, Maury deixa um convite à reflexão: “Os servidores precisam se perguntar: temos acesso adequado à informação técnica? O acervo atende às nossas necessidades? Estamos preservando nossa história? A memória institucional é um bem coletivo — e cabe a nós decidir se queremos guardá-la ou deixá-la se apagar.”