Matéria original/imagem: Pública Central do Servidor
Em uma plenária virtual promovida pelo Atens Sindicato Nacional, entidade filiada à Pública, a advogada e assessora jurídica Dra. Andreia Munemassa apresentou uma análise detalhada da Reforma Administrativa (PEC 38/2025), alertando que a proposta é inconstitucional por violar cláusulas pétreas, como a separação dos poderes e o pacto federativo.
O evento, realizado na noite de terça-feira, 5 de novembro, foi conduzido pela presidente do Atens, Angela Lobo, e contou com a participação do presidente da Pública, José Gozze, que contextualizou a proposta como uma ofensiva do mercado financeiro para retomar o desmonte do Estado iniciado na década de 1990.
O ponto central da análise jurídica de Dra. Andreia Munemassa, que assessora ambas as entidades, é que a PEC 38 não é uma simples reforma, mas uma completa alteração da estrutura do Estado brasileiro. Segundo a advogada, a inconstitucionalidade da proposta reside em três vícios principais:
– Quebra do Pacto Federativo (Cláusula Pétrea): A PEC centraliza o poder na União ao criar novos órgãos de controle federais, como o Conselho de Gestão Fiscal (CGF) e o SINAP. Esses conselhos teriam o poder de editar normas impositivas e padronizar custos para Estados e Municípios, atacando diretamente a autonomia dos entes federados.
– Ofensa à Separação dos Poderes: A proposta interfere em outras esferas de poder, como ao impor limites ao crescimento orçamentário do Legislativo e do Judiciário locais. O ponto mais grave, segundo a análise, é a obrigação de que juízes considerem o “impacto orçamentário” antes de proferir decisões — uma medida que, segundo a exposição de motivos da própria PEC, visa restringir o acesso da população a medicamentos de alto custo.
– Vício de Iniciativa: Por tratar de remuneração e regime de servidores, a proposta deveria ter sido iniciada pelo Poder Executivo, e não pelo Legislativo.
A análise jurídica desmontou a narrativa de que a reforma não atingiria os atuais servidores, especialmente os aposentados. Dra. Andreia alertou que os servidores aposentados com direito à paridade (anteriores a 2003) serão os primeiros e mais duramente atingidos.
A estratégia para o fim da paridade seria sutil. A PEC prevê a extinção das carreiras atuais e a criação de “carreiras transversais” com uma “tabela remuneratória unificada”. No momento em que a carreira-espelho do servidor na ativa deixa de existir, o aposentado perde o seu referencial de reajuste, quebrando juridicamente o direito à paridade.
Além disso, a proposta ameaça o futuro de todos os Regimes Próprios de Previdência (RPPS). Ao reduzir o número de servidores efetivos, por meio de vínculos de 10 anos e contratos temporários, a PEC diminui drasticamente o aporte de contribuições. Isso forçará o aumento de alíquotas para todos (ativos e inativos) e a criação de “contribuições extraordinárias”, levando ao eventual colapso e fim do RPPS, com a migração de todos para o Regime Geral (RGPS), concretizando o projeto de privatização da previdência.
O presidente José Gozze, em sua fala, lembrou que o serviço público já vem sendo “comido pelas beiradas” há décadas, destacando a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 2135, que validou a Emenda Constitucional 19/1998 (do Governo FHC) e flexibilizou o Regime Jurídico Único (RJU).
A PEC 38, segundo a análise, acelera esse processo ao normalizar a precarização. Ela institui o vínculo estatutário por tempo determinado, com contratos efetivos de apenas 10 anos, e amplia os contratos temporários para até 5 anos. Além disso, a tabela remuneratória única, estabelecida em até 10 anos, engessaria as negociações salariais, esvaziando o papel dos sindicatos.
Gozze destacou que a PEC 38 é uma proposta do mercado financeiro, citando a Fundação Lemann e a Fecomércio-SP, e não de um Grupo de Trabalho legítimo. “O lugar desta PEC é a lata do lixo. Não tem como discutir para ver no que pode melhorar. Ela não tem remendos”, declarou o presidente da Pública.
Gozze elogiou o sucesso da Marcha Nacional, ocorrida em 29 de outubro, mas alertou que a mobilização precisa crescer. “Não vamos relaxar, pelo contrário, essa luta precisa tomar corpo ainda maior. Uma greve geral pode acontecer. Estejamos prontos”, afirmou.
A análise política do evento também apontou que a PEC 38, apelidada de “PEC Três Oitão”, já perdeu força no Congresso. A pressão dos servidores, como a Marcha e os atos nas bases eleitorais dos deputados, somada à falta de apoio do Governo e à agenda instável do Congresso, estaria isolando o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
A orientação final da plenária, reforçada por Gozze, é que as entidades mantenham a pressão e organizem atos nos estados durante o mês de novembro, para garantir que a proposta não avance.