Tramita na Câmara dos Deputados a PEC 32/20 da reforma administrativa, que, segundo os seus idealizadores, visa a melhoria dos serviços públicos e a redução dos gastos públicos. Ela foi encaminhada ao Congresso no governo anterior pelo ex ministro Paulo Guedes. Devido às pressões políticas da sociedade civil organizada, ela não pôde ser aprovada na gestão de Bolsonaro. Nos últimos dias, a sua tramitação está sendo incrementada notadamente pela oposição ao governo Lula, em especial por membros da extrema direita e do centrão.
O que se percebe no seu texto é a intenção deliberada de precarização do funcionalismo público, a pretexto de reduzir os gastos públicos. Com efeito, as mudanças propostas na PEC 32/20 constituem menos uma reforma e mais uma contra-reforma, que visa atingir direitos e garantias historicamente conquistadas pelo funcionalismo público, tais como o concurso público e a estabilidade dele decorrente, retirada de adicionais e gratificações, reestruturação de salários, extinção de carreiras, novas formas de contratação de pessoal, como o trabalho temporário, terceirizações etc.
Dita PEC, por outro lado, coaduna com o ideário neoliberal do “Estado mínimo” e o fortalecimento das privatizações e terceirizações. Se alinha também com o novo teto de gastos (arcabouço fiscal), que visa conter as despesas primárias do Estado, sem considerar que as despesas financeiras, consistentes nos juros da dívida pública, não têm limites e estão fora dos limites estabelecidos na LC 200/23. Esse novo teto de gastos prevê que o governo só pode gastar 70% do que arrecada e 2, 5% do PIB anual. De seu turno, as despesas financeiras, que agradam sobremodo ao capital financeiro, chegam à casa do trilhão anual.
Segundo os pregoeiros dessa contra-reforma, o nosso serviço público é inchado e as despesas com o funcionalismo público são vultosas. Esse é um grande mito. A maioria do funcionalismo público ganha um pouco mais de R$ 5.000,00 ao mês, enquanto 01% percebe acima de R$ 20.000,00. De outro lado, é mister reconhecer que o serviço público reclama o incremento de pessoal, aliado a uma remuneração digna, para que a coletividade seja atendida de forma célere, eficaz e competente. Se comparada a nossa situação com a dos países desenvolvidos, será forçoso constar que, proporcionalmente, o serviço público deles é, em quantidade e qualidade, muito mais robusto e eficaz que o nosso, sendo certo que lá os servidores públicos são aquinhoados com remuneração e direitos dignificantes. Uma coisa é coibir os super salários prenhe de penduricalhos que ultrapassam os tetos constitucionais. Isso é, por demais, relevante. Outra coisa é submeter o funcionalismo público em geral à precarização dos seus direitos historicamente adquiridos, inclusive à perda da sua estabilidade e redução de benefícios remuneratórios. Isso é deplorável.
Essa PEC 32/20 serve mais aos interesses da elite dominante, notadamente o mercado financeiro, que à coletividade. O corte de despesas colimado nela não consulta ao interesse público, nem ao funcionalismo público. Ele, dito corte, na perspectiva neoliberal do ajuste fiscal, não vai melhorar o serviço público, mas sim, tão-somente, precarizar o funcionalismo público, que a ele tanto serve.
Por outro lado, quanto à estabilidade do servidor no serviço público, ela sofrerá, se vingar essa malfadada proposta da PEC sob análise, profundos abalos. Atualmente, o art. 41 da Constituição disciplina a estabilidade do servidor, dentre outros aspectos. De acordo com a PEC em apreço, a estabilidade, dentre outros aspectos, será reservada para servidores que exercem sua função em carreira típica de Estado, a ser definida em lei complementar. Haverá, se consumado o tentame dessa PEC, grande margem de discricionariedade na definição do que seja “carreira típica de Estado.”
Não se pode perder de vista que a estabilidade no serviço público visa proteger o funcionário de pressões políticas e de compadrios no exercício de suas funções. Desse modo, é imperioso afirmar que o instituto da estabilidade, na forma como previsto em nossa Carta Política, não está a merecer alteração.
Para arrematar, folgamos para que, oxalá, essa PEC não seja aprovada no Congresso Nacional, pois, caso contrário, assistiremos ao desmantelamento do serviço público e a precarização dos direitos do funcionalismo público, tudo isso em detrimento da coletividade. É preciso, então, que a sociedade civil organizada, compreendendo sindicatos de servidores públicos, associações, confederações etc. Se mobilizem para barrar no Congresso a aprovação dessa deletéria PEC 32/20, nos moldes em que proposta.