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A hora e vez dos Tribunais de Contas: R$ 400 bi por ano para o Brasil (por Edilson Silva e Felipe Galvão Puccion)

  • 30 de agosto de 2024

Matéria original/imagem: Metropoles 

O controle da Administração Pública sempre foi um tema de fundamental relevância para a sociedade. A partir de um controle efetivo, limitar-se-ia o poder estatal sobre os bens e liberdades individuais, mas também se faria cumprir os desejos da população por melhores serviços públicos. Além disso, um controle efetivo evitaria que a dignidade humana das minorias fosse desconsiderada pela maioria.

Em um processo de tentativa e erro ao longo de séculos, as sociedades criaram e testaram diversos tipos de arranjos institucionais com o objetivo de controlar os arroubos dos soberanos, dos que detinham o poder ou da maioria. Esse processo de experimentação rudimentar (tentativa e erro) parece evidenciar dois traços comuns aos arranjos institucionais dos Estados Democráticos, quais sejam, a fragmentação de poder e a tecnicidade.

Essa dispersão de poderes no seio das democracias é evidenciada por um número cada vez maior de instituições ou órgãos autônomos compostos por técnicos altamente qualificados para tratar de temas cada vez mais complexos.

Dentro dessa dinâmica de fragmentação estatal, os Tribunais de Contas – em países como Brasil, Itália, França, Alemanha e Holanda – e as Auditorias Gerais – nos EUA, Reino Unido, Canadá e outros – têm se destacado mundialmente tanto por lidarem com uma demanda social crescente por eficiência e lisura na alocação de recursos públicos escassos quanto por sua capacidade de lidar com temas variados e complexos.

Independentemente do modelo adotado por determinado país, em regra, os membros desses órgãos ou instituições de controle externo da atividade estatal possuem garantias extremas como a vitaliciedade ou mandatos para que possam atuar de forma independente mesmo contra os mais poderosos no exercício desse controle complexo do uso do dinheiro público.

Debate no Brasil

No Brasil, como era de se esperar, o debate sobre os Tribunais de Contas invariavelmente gira em torno de discussões jurídicas repetitivas abstratas e infindáveis sobre seus limites de atuação. Chega-se ao ponto de se discutir por décadas se o “julgar” fixado na Constituição é realmente “julgar”, ou se o “Tribunal” fixado na Carta Magna é realmente “Tribunal”, ou ainda, se “jurisdição” é realmente “jurisdição”.

O contexto no qual estão inseridos esses termos? Bem, como exemplo, a CF88 afirma que os membros dessas Cortes possuem “as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens” de magistrados do Judiciário.

Segundo a Constituição também, esses órgãos constitucionais possuem competência privativa para se auto-organizar exatamente nos mesmos moldes do fixado para os Tribunais do Poder Judiciário. Apesar dessas “poucas” evidências constitucionais do que seria um Tribunal de Contas, suponho que o debate jurídico deva estar caminhando para entender, com base em uma interpretação contorcionista, que o Constituinte Originário não sabia o significado das palavras que escreveu.

A limitação da produção intelectual apenas e tão somente aos aspectos jurídicos abstratos supostamente negativos da atuação das Cortes de Contas evidencia uma visão de túnel (limitada) pouco relacionada às circunstâncias reais de atuação desses órgãos de controle externo. Ao levantar a cabeça é possível enxergar muito além.

A realidade é que o impacto da atuação dos Tribunais de Contas no Brasil é simplesmente impressionante. O TCU entregou à população brasileira – considerando apenas os benefícios financeiros gerados (boa parte da atuação de um Tribunal de Contas não é quantificável como a criação de um ambiente de controle ou relatórios demandados pelo Poder Legislativo que orientam importantes discussões locais, regionais ou nacionais) – R$ 43 bilhões em 2020, um valor quase 20 vezes superior ao seu custo anual.

Na outra ponta, em âmbito local, o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (TCMRJ), de 2011 a 2023, gerou uma economia de R$ 29,2 bilhões à população do Rio de Janeiro, o equivalente a 10 vezes o seu custo no mesmo período. Somente esses dois Tribunais evidenciam um benefício econômico para a população muitas vezes superior aos valores recuperados por famosas operações anticorrupção no Brasil, apesar de muito menos noticiado.

A partir de levantamento realizado pela Associação Nacional dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) com os Tribunais de Contas brasileiros, foi possível inferir que o impacto anual positivo da atuação das Cortes de Contas, somente em termos de benefícios financeiros para a população, seja da ordem de R$400 bilhões.

Esses resultados impressionantes decorrem de um alto investimento em qualificação técnica que vai desde a fixação de salários competitivos para atrair os melhores profissionais por meio de concursos disputadíssimos até a política de valorização de uma visão interdisciplinar dentro da Administração Pública.

Os Tribunais de Contas não valorizam apenas o conhecimento jurídico, mas também o econômico, financeiro, contábil, computacional, estatístico, matemático, em saúde, em educação, em engenharia e em administração pública e geral.

Essa visão holística e interdisciplinar preenche esses órgãos de servidores a membros, de auditores a ministros. Não à toa, desde a Constituição de 1967, é requisito necessário para se tornar ministro ou conselheiro de Tribunal de Contas que o postulante tenha “notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública”.

Sem adentrar nas discussões sobre eventuais más indicações, é evidente, da leitura da Constituição, que o Constituinte conhecia bem a amplitude da atuação dos Tribunais de Contas e, por isso, definiu uma grande lista de competências e garantias.

Sem dúvida, essa amplitude de visão do Constituinte Originário sobre o papel das Cortes de Contas não teria existido se a discussão se limitasse apenas a apontar repetidamente os aspectos jurídicos supostamente negativos (em regra, totalmente abstratos) dos limites de atuação dos Tribunais de Contas.

Felizmente, o Constituinte não estava preso dentro da Caverna de Platão (Mito da Caverna) e conseguiu criar um órgão altamente qualificado, com uma visão interdisciplinar do Estado, dotado das mais altas garantias de independência para, no controle de quem detém o poder, produzir resultados econômicos extraordinários para o Brasil!

  • Edilson Silva é presidente da Associação Nacional dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e conselheiro do TCE-RO
  • Felipe Galvão Puccioni é diretor da Atricon, do Instituto Rui Barbosa (IRB), e conselheiro do TCM-RJ

 

   
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