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O direito ao "duplo grau de jurisdição" no âmbito dos Tribunais de Contas

  • 25 de janeiro de 2024

Matéria original: Conjur

Flávio Cheim Jorge define o recurso como um “remédio voluntário apto a provocar, dentro da mesma relação jurídica processual, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de uma decisão judicial” (JORGE, 2015, p. 2216). Segundo o jurista, os recursos têm a função primordial de sanar eventuais erros em decisões judiciais, bem como saciar o natural inconformismo da personalidade humana frente aos julgamentos que lhes são desfavoráveis.

Na prática, o duplo grau de jurisdição depende da existência de duas decisões sobre a matéria controvertida, cada uma delas proferida por autoridades diversas, sendo uma delas hierarquicamente superior. Além disso, faz-se necessário que ambas sejam válidas, completas e proferidas no mesmo processo.

No mesmo sentido, a Constituição, em seu artigo 5º, inciso LV, é clara ao afirmar que “(…) aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Ressalte-se, ainda, que o Código de Processo Civil, em seu artigo 994 e seguintes, dispõe sobre o direito ao “duplo grau de jurisdição”. O diploma legal afirma que são cabíveis os seguintes recursos: apelação, agravo de instrumento, agravo interno, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, agravo em recurso especial ou extraordinário e embargos de divergência.

Portanto, ainda que a Constituição não preveja expressamente tal direito, o CPC, em seu artigo 496, estabelece a reanálise obrigatória em segunda instância das sentenças que sejam desfavoráveis. Sendo assim, ressalta-se que tal dispositivo legal é plenamente aplicável às cortes de contas, quando assegura o direito à interposição de recursos.

Apreciação dos recursos nos Tribunais de Contas


Inicialmente, vale discorrer sobre a apreciação dos recursos nos tribunais de contas. Diante disso, Sandro Luiz Nunes, em seu artigo “Os jurisdicionados e os recursos processuais no Tribunal de Contas catarinense”, aborda grandes contribuições sobre a temática em discussão:

Os tipos de decisões proferidas pelas Corte de Contas, de modo geral, estão regulamentadas na Lei Orgânica e no Regimento Interno de cada ente, cabendo ao intérprete observar o tipo de procedimento em que se inserem em razão da especificidade de cada tipo de processo instaurado no âmbito de cada Tribunal de Contas. (NUNES, 2004, p. 163)

No mesmo sentido, o autor ainda descreve sobre a apreciação do acórdão nas cortes de contas:

O acórdão é uma decisão de julgamento proferido pelo Tribunal Pleno ou pelas Câmaras quando da tomada de decisão definitiva no processo de prestação ou tomada de contas, inclusive tomada de contas especial, que, analisando o mérito, julga, ou pela regularidade, ou pela regularidade com ressalvas, ou pela irregularidade das contas, ou ainda, quando da deliberação definitiva resulte a imposição de multa em processo de fiscalização a cargo do Tribunal. (NUNES, 2004, p. 164)

Ademais, faz-se necessário compreender sobre a apreciação das decisões monocráticas nos tribunais de contas, também discutida pelo mesmo autor:

Já a decisão é ato deliberativo do Tribunal Pleno e das Câmaras, podendo ser de natureza preliminar ou definitiva em qualquer processo, exceto nos processos de prestação de contas e tomada de contas especial em que a deliberação definitiva será formalizada por acórdão (NUNES, 2004, p. 164).

Dessa forma, entende-se que os tribunais de contas parcelam sua competência privativa entre as câmaras e até mesmo entre julgadores monocráticos, porém os recursos de suas decisões são julgados pelo plenário ou pelo próprio julgador, como por exemplo, os embargos de declaração. Assim, observa-se que os recursos são julgados no mesmo órgão que proferiu a decisão, o que impossibilita o duplo grau de jurisdição.

Efetividade do direito recursal

Como se esclareceu, o duplo grau de jurisdição requer o reexame completo das causas decididas em primeira instância, por órgão distinto daquele que primeiro analisou, cabendo, nesse sentido, citar os ensinamentos da ministra Cármen Lúcia no julgamento do Mandado de Segurança nº 32.434:

Afirma inexistir ofensa ao juiz natural e duplo grau de jurisdição, argumentando que “a decisão proferida pelo Plenário do TCU pode ser impugnada por recurso dirigido a esse mesmo órgão, nos termos da referida Lei [n. 8.112/1990] (artigos 106 a 109 e 174) e do Regimento Interno da Corte de Contas (art. 15, II), que prevê a competência do Plenário para o julgamento de recursos interpostos contra suas próprias decisões” (fl. 8 do evento 38).

A garantia constitucional do processo do ‘duplo grau de jurisdição’ tem fundamento no inc. LV do art. 5º da Constituição da República e assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, a ampla defesa com os recursos a ela inerentes (v.g., Habeas Corpus n. 94.567/BA, Relator o Ministro Ayres Britto, 1ª Turma, DJe 23.4.2009). Na espécie vertente, o inc. IV do art. 15 do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, omitido pela autoridade impetrante nas informações prestadas, estabelece que “[c]ompete privativamente ao Plenário, dirigido pelo Presidente do Tribunal: (…) IV – deliberar sobre os recursos contra decisões adotadas pelo Presidente sobre matéria administrativa”.

(…)

Assim, o ato impugnado desatende o devido processo legal, pelo qual o Estado deve obedecer às próprias regras que institui [1].

A partir do caso em exame, nota-se que a ministra considerou inefetiva a garantia do duplo grau de jurisdição, pois o plenário do Tribunal de Contas da União é incompetente para atuar como instância primária no julgamento da conduta funcional do servidor, sendo que a autoridade competente para o julgamento e a aplicação da pena de demissão seria o presidente do Tribunal de Contas da União, cabendo ao plenário a competência recursal, sob pena de ofensa aos princípios do juiz natural, do contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição (artigos 28, inciso XXXVIII, e 30, parágrafo único, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União).

Dessa forma, entende-se que o direito recursal é mitigado, mas não afastado, já que o TCU, por exemplo, não permite que o mesmo ministro seja relator da decisão inicial e da final (recursal), ou seja, quando se interpõe um recurso, há a redistribuição do processo para um novo relator, segundo o que prevê o artigo 147 do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União:

Art. 147. A distribuição de processos aos ministros e ministros-substitutos obedecerá aos princípios da publicidade, da alternatividade e do sorteio, e será disciplinada em ato normativo.

Em suma, fica claro que o direito recursal nos tribunais de contas, ainda que minorado, é garantido visto que em todas as cortes de contas estão previstos recursos das suas decisões, além da apreciação e redistribuição dos ministros para a análise dos processos.

Principais espécies recursais

Tem-se que é fundamental descrever, de modo geral, sobre as principais espécies recursais nos tribunais de contas.

Sendo assim, o recurso de apelação se adequa à revisão de acórdãos proferidos por qualquer das câmaras e decisões de julgadores singulares. Segundo os artigos 232 e seguintes do Regimento Interno do TCE-PB, interposta a apelação, o relator determinará as providências necessárias à instrução e mandará ouvir o Ministério Público junto ao tribunal. E ainda, não poderá ser relator da apelação quem houver relatado o processo.

De acordo com o artigo 222 e seguintes do Regimento Interno do TCE-BA, o recurso de apelação para reforma de decisão do Tribunal Pleno ou das câmaras será interposto perante o presidente e terá efeito suspensivo. Para tanto, o recurso será distribuído, mediante sorteio, à turma relatora, composta de relator e revisor.

Os recursos de reconsideração são cabíveis em decisões definitivas em processo de prestação ou tomada de contas e funcionam como revisão de julgado. Conforme o artigo 285 do Regimento Interno do TCU, o recurso terá efeito suspensivo, para apreciação do colegiado que houver proferido a decisão recorrida, podendo ser formulado uma só vez e por escrito, pela parte ou pelo Ministério Público junto ao tribunal. Outrossim, não se conhecerá o recurso de reconsideração quando intempestivo, salvo em razão de superveniência de fatos novos.

Em vista disso, segundo o artigo 136 do Regimento Interno do TCE-SC, o recurso de reconsideração com efeito suspensivo será interposto uma só vez, por escrito, pelo responsável ou pelo procurador-geral do Ministério Público junto ao tribunal.

Ademais, os recursos ordinários têm a mesma finalidade, mas são apropriados para em decisões proferidas pelo Tribunal Pleno e Câmara Especial. De acordo com os artigos 143 e seguintes do Regimento Interno do TCE-SP, caberá recurso ordinário uma única vez, que terá efeito suspensivo das decisões finais do auditor, julgador singular e das câmaras. O recurso ordinário, necessita de ser interposto por petição dirigida ao presidente. Em seguida, o presidente, se não o rejeitar in limine, designará relator diverso daquele que prolatou a decisão recorrida.

Salienta-se, por oportuno, que o agravo é um recurso válido para decisões singulares do presidente ou do relator que tenham a funcionalidade de levar a matéria ao colegiado. Conforme o artigo 289 do Regimento Interno do TCU, interposto o agravo, o presidente do tribunal, o presidente de câmara ou o relator poderá reformar o seu despacho ou submeter o feito à apreciação do colegiado competente para o julgamento de mérito do processo.  Caso a decisão agravada seja do tribunal, o relator do agravo será o mesmo que já atuava no processo ou o redator do acórdão recorrido, se este houver sido o autor da proposta de medida cautelar.

Além disso, os embargos de declaração são necessários em qualquer decisão e ainda possuem a função de esclarecer julgados. O recurso é cabível quando a decisão apresentar obscuridade, dúvida, contradição ou omitir ponto sobre o qual deveria pronunciar-se o tribunal. Os embargos de declaração suspendem os prazos para cumprimento da decisão embargada e para interposição do recurso.

O recurso de rescisão é cabível contra decisão definitiva do tribunal, transitada em julgado e tem por finalidade rescindir o julgado. Diante disso, a rescisão será considerada pedido autônomo podendo ser requerida uma só vez, até dois anos depois de transitada em julgado a decisão (artigo 248 e seguintes do RI, TCE-AL).

Por último, o recurso de revisão é imprescindível para decisões definitivas transitadas em julgado a fim de rescindir julgados. Para tanto, há também o pedido de reexame que revisa decisões de mérito proferidas em processo concernente a ato sujeito a registro e a fiscalização. Segundo o artigo 123 do TCE-GO, o recurso de revisão não terá efeito suspensivo, interposto por escrito, uma só vez, pelos responsáveis, seus sucessores ou pelo Ministério Público junto ao tribunal. O recurso de revisão fundar-se-á em erro de cálculo nas contas em falsidade ou insuficiência de documentos nos quais se tenha fundamentado a decisão recorrida, ou na superveniência de documentos novos, com eficácia sobre a prova produzida. Logo, a decisão que der provimento ao recurso de revisão ensejará a correção de todo e qualquer erro ou engano apurado.

No mesmo sentido, vale dizer que existem tribunais que possuem previsão recursais que atualmente não são dispostos no atual Código de Processo Civil.

De acordo com o artigo 496 Código de Processo Civil de 1973, o rol de recursos disponíveis às partes são: apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração, recurso extraordinário, recurso especial e embargos de divergência em recurso especial e extraordinário.

Os embargos de liquidação, disposto no artigo 491 do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR), estabelece que tal recurso é cabível da decisão que julgar a liquidação, que obedecerá, no que couber, o rito estabelecido para o recurso de revista, com efeito suspensivo. Os embargos terão por objeto, exclusivamente, a liquidação das contas, não sendo conhecidas outras matérias relativas ao julgamento das contas prestadas. Desse modo, o recurso será distribuído ao relator que houver proferido a decisão embargada e serão incluídos em pauta para julgamento no órgão competente.

Uma grande importante mudança proposta no Código de Processo Civil de 2015 é a extinção da espécie de embargos infringentes. O Tribunal de Contas do Estado de Alagoas prevê no seu regimento interno, em seu artigo 242, a aplicabilidade dos embargos infringentes para decisões não unânimes do plenário, especialmente em recurso de revisão, não tendo efeito suspensivo. Dessa maneira, quando admitidos os embargos pelo presidente, será feita, em seguida, sua distribuição ao relator. E a escolha do relator e em conselheiro que não tenha funcionado nessa qualidade no julgamento anterior.

Conclusão

Em primeiro lugar, analisou-se o direito recursal a partir de fundamentos legais dispostos no Código de Processo Civil. E assim, concluiu que o duplo grau de jurisdição requer o reexame completo das causas decididas em primeira instância, por órgão distinto daquele que primeiro analisou.

Ademais, foi realizado um estudo analítico para investigar como os tribunais de contas apreciam os recursos. E como resultado, entendeu-se que o direito recursal é mitigado, mas não afastado, já que cada corte de contas possui em seu regimento interno um dinamismo para que haja a redistribuição do processo para um novo relator, impedindo que o mesmo ministro julgue a decisão inicial e a recursal.

Em razão disso, necessitou-se compreender sobre a efetividade do direito recursal nas cortes de contas. Sendo assim, ficou evidente que nos tribunais de contas estão previstos recursos das suas decisões e, a partir da dinâmica de redistribuição, o seu processo de apreciação é válido, justamente por atender o devido processo legal previsto na Carta Maior.

Por fim, constou-se as principais espécies recursais admitidas pelos tribunais de contas, analisando seu conceito, requisitos e sua aplicabilidade para um melhor entendimento jurídico. Comparando ainda, com a previsão disposta no CPC de 1973 que ainda é admitida pela Corte de Contas do Estado de Alagoas (TCE-AL), como os embargos infringentes que nem sequer são utilizados atualmente.

 

   
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