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Legislativo julga as contas do Executivo e os desafios dos Tribunais de Contas

  • 22 de março de 2023

Matéria original: Conjur

A Constituição — pelo sistema de freios e contrapesos, especialmente nos artigos 2º, 31, 49, IX, 70 c/c 71, I —, atribuiu aos parlamentos, com base do Parecer Prévio emitido pelo Tribunal de Contas, o papel de julgar as contas anuais de governo do chefe do Poder Executivo, em que se faz uma análise geral do planejamento e do atendimento a parâmetros da ordem legal, a exemplo de nível de endividamento e da aplicação mínima das receitas em saúde e na remuneração do magistério.

Por outro ângulo, preceitua, CR, artigo 71, inciso II, competir aos TCs julgarem as contas anuais de gestão dos agentes públicos, inclusive do chefe do Executivo, quando também responsável por atos administrativos individuais, a exemplo de admissão de pessoal, ordenamento de despesas, entre outros.

A doutrina e jurisprudência seguiram desde a edição da Carta Cidadã nessa intelecção sistemática, histórica e teleológica, incumbência do Poder Legislativo julgar as contas de governo a partir do teor do Parecer Prévio do Tribunal de Contas que, por sua vez, tem o poder dever julgar as contas dos que atuem como gestores públicos.

A partir do leading case RE 848826 (Tema 835, DJe 24.08.2017, de repercussão geral, que gera a transcendência dos limites subjetivos da causa), a Corte Constitucional do país, ao apreciar dispositivos da Lei da Ficha Limpa — Lei Complementar n° 135/10 —, passou a adotar um novo entendimento: competir privativamente ao Parlamento, com base em Parecer Prévio único do Tribunal de Contas, julgar as contas anuais do chefe do Poder Executivo, que deve abranger tanto aspectos de governo, quanto de gestão. Vide a ementa desta decisão:

"I - Compete à Câmara Municipal o julgamento das contas do chefe do Poder Executivo municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas, que emitirão parecer prévio, cuja eficácia impositiva subsiste e somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da casa legislativa (CF, artigo 31, §2º).
II - O Constituinte de 1988 optou por atribuir, indistintamente, o julgamento de todas as contas de responsabilidade dos prefeitos municipais aos vereadores, em respeito à relação de equilíbrio que deve existir entre os Poderes da República ('checks and balances')". (RE 848826).

Houve de decisões posteriores do próprio STF consolidando essa posição (por exemplo: RE 1.047.096 ED-AgR, DJe 5/11/2018; Rcl 47.050 AgR, DJe 14/3/2022; e RE 1.365.728 AgR, DJe 9/6/2022), bem assim decisões de instâncias inferiores que anularam julgamentos dos TCs sobre contas anuais de gestão. Além disso, o ministro Luís Roberto Barroso julgou inviável, DJe de 10/2/2023, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 982, interposta pela própria Associação Nacional dos Membros dos TCs (Atricon) que questionava decisões do Judiciário pela anulação de julgamentos dos Tribunais de Contas sobre contas anuais de gestão em vista de, entre outros motivos, inobservaram a referida posição sedimentada no Pretório Excelso.

Por conseguinte, indene de dúvida que desde 2017, quando publicado o Acórdão do RE 848.826 e houve várias deliberações em igual sentido não apenas no órgão de cúpula do Judiciário, mas também em demais instâncias, consolidou-se o entendimento de que a Constituição da conferiu unicamente ao Legislativo tal mister, julgar contas anuais do Executivo, havendo o dever do TC emitir, para auxiliar no julgamento, um parecer prévio global apreciando nuances de governo e de gestão.

Nada obstante, os Tribunais de Contas continuam a seguir a interpretação tradicional de dualidade de competências sobre contas anuais: ao Parlamento cabe julgar contas anuais de governo; ao TC, gestão.

Impende considerar sobremaneira que, conquanto entenda plausíveis várias das críticas à deliberação no RE 848.826 ao mudar entendimento, emerge da Lei Maior a competência do STF, como guardião da ordem constitucional, de  pronunciar o sentido das disposições da Carta Magna e de exercer o controle, concentrado ou incidental, do ordenamento jurídico perante à Constituição.

Ademais, ocorreu o reconhecimento de repercussão geral neste recurso extraordinário, o que, conforme a Constituição, artigo 102, §3º, o CPC, artigos 1.030 e 1.035 e o RISTF, vincula a Administração Pública e os demais tribunais do país. De forma que a inobservância do leading case multicitado, além de desconformidade com a autoridade das decisões do STF, quando um Tribunal de Contas julga contas anuais de gestão também afronta o devido processo legal e consectários juiz natural, ampla defesa, contraditório e duração razoável do processo.

Por consequência, necessário compreender que podem ser questionadas, sob o argumento vício insanável decorrente da incompetência absoluta, as decisões que emitem posteriores ao acórdão do RE em destaque, o que tanto infirmaria o julgado no tocante ao titular do Executivo, quanto ensejaria reabrir a instrução visando, depois de oportunizar do contraditório e ampla defesa, emitir o parecer prévio único com escopo de temas de governo e gestão para o Legislativo apreciar tal parecer e julgar as contas do Executivo.

Vislumbro necessário, pelas sucintas ponderações, os TCs seguirem a deliberação do STF no RE 848.826 à semelhança das implicações dos julgados do STF no sentido de entender prescritíveis os débitos imputados aos gestores públicos decorrentes de julgamentos dos Tribunais de Contas (ADI 5.509 e RE 636.886 — Tema 899 de Repercussão Geral).

Isso porque os TCs permaneceram em um primeiro momento a entender inaplicável essa interpretação a todo o sistema dos TCs insculpido na Carta Magna, porém evoluíram e passaram a acompanhar a posição do Supremo. Vale salientar nesse ponto que o TCU — embora cada Tribunal de Contas seja independente, pois não submetidos ao princípio da jurisdição una —, editou a Resolução nº 344, de 11.10.2022 regulamentando a incidência de prescrição para o exercício das pretensões punitivas e de ressarcimento.

Haverá de haver, portanto, apenas um processo no âmbito do Tribunal de Contas, contas anuais do Chefe do Poder Executivo. Tal processo visará à emissão de parecer prévio único para avaliar, a partir da amostragem da fiscalização, as contas gerais do chefe do Executivo com aspectos de índole de governo e de gestão.

Deve ser objeto do parecer prévio, portanto, os principais elementos de análise de um exercício financeiro sobre nuances inerentes a governo e de gestão, quando couber, notadamente mensurar os resultados das políticas públicas, a situação orçamentária e financeira, a política fiscal e previdenciária, a transparência, o atendimento a aplicações mínimas em setores estruturantes, a exemplo de saúde e educação, se recolhidas contribuições previdenciárias, bem com averiguar se houve o respeito ao teto de endividamento e ao limite legal de gastos com pessoal.

Com efeito, nesta quadra, em que se cristalizou o entendimento pelo Tribunal Constitucional, reconhecendo a competência somente dos parlamentos julgarem as contas anuais do chefe do Poder Executivo, enseja-se que todos os Tribunais de Contas reconheçam de imediato tal posição e adotem medidas necessárias neste sentido, especialmente para alterar, no que pertinente, a legislação que trata da matéria no âmbito do TC no respectivo ente da Federação.

Por outro espectro, importante sublinhar a competência do TC julgar diretamente as contas anuais de gestão dos demais agentes públicos. Também de enaltecer as outras competências que a Carta Política de 1988 atribuiu: o poder dever de apreciar atos de admissão — que tenham por objeto por exemplo contratações temporárias ou concurso público —, de aposentadoria e de pensão, assim como o dever de instaurar processos de denúncia ao receber um representação, artigo 71 da Constituição, combinado com 74, §2º.

Ainda cabe aos TCs, uma vez que exercem o controle externo sobre a Administração Pública dos Três Poderes e órgãos dos entes federados, o poder dever de monitorar os atos administrativos — a exemplo de licitação do serviços de recolhimento de resíduos sólidos e a execução contratual, entre muitos outros —, e instaurar quando requerido ou de ofício um processo de auditoria especial (TCs não submetidos ao postulado da inércia da jurisdição, regidos pelo princípio da verdade material e interesse público no exercício amplo do controle externo), a fim efetuar fiscalização de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, sempre que houver a ciência de indícios de irregularidades ou entender que determinado aspecto do Poder Público deva ser objeto de análise e julgamento.

Nessa modalidade de processo de auditoria especial, também pode ser chamado à responsabilização o titular do Poder Executivo, vez que não sob análise às contas anuais — o que atrairia a competência privativa do Legislativo —, e sim atos administrativos específicos, o que atrai a competência constitucional dos TCs, consoante artigo 71, caput e IV, CR, e pacífica jurisprudência do Pretório Excelso. Menciono a título exemplificativo:

"Em âmbito federal, somente as contas do Presidente da República são objeto de deliberação opinativa pelo TCU e, posteriormente, julgadas pelo Congresso Nacional. Nas demais hipóteses, compete ao próprio TCU o julgamento das contas de todos os outros administradores, inclusive às referentes aos Poderes Legislativo e Judiciário". (ADI 6.983).

De anotar ainda que compete exclusivamente aos TCs julgar a gestão fiscal dos Chefes dos Poderes e Órgãos dos entes da Federação, inclusive do Chefe do Poder Executivo, porquanto se tratar de processo também distinto em que se averigua atos administrativos porventura adotados para reconduzir os dispêndios ao limite de despesas com pessoal no prazo previsto na LRF, artigos 19, 20 combinado com 23. Do contrário, configura-se a infração administrativa prevista na Lei de Crimes Fiscais, artigo 5°, IV, o que enseja julgar irregular a gestão fiscal e a aplicação de multa.

Assim, nessas sucintas ponderações, revela-se iminente que os Tribunais de Contas adotem plena e efetivamente a posição consolidada da Corte Constitucional do País no sentido de constituir competência privativa do Legislativo julgar as contas anuais dos chefe do Executivo com base em parecer prévio do Tribunal de Contas a respeito de aspectos de governo e de gestão relativos a um exercício financeiro.

De todo modo, vislumbro que essa intelecção no leading case em análise não diminui as atribuições dos TCs, porquanto, consoante se expôs, permanecem a analisar tópicos de gestão e governo para emitir o Parecer Prévio único, contribuindo para o sistema de freios e contrapesos, essencial para a democracia, bem assim julgam demais agentes públicos. Também podem julgar diretamente o Chefe do Executivo quando objeto de análise de um processo atos administrativos específicos.

Esses primaciais órgãos constitucionais, por conseguinte, devem continuar empreendendo esforços de aprimoramento e buscar incessantemente exercer de modo mais pleno e efetivo as imprescindíveis competências de controle externo sobre a Administração Pública que a Carta Magna lhes conferiu.

 

   
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