Matéria orginal/imagem: Conjur
O Supremo Tribunal Federal discutirá, em regime de repercussão geral (Tema 1.199 — ARE 843.989, relator: ministro Alexandre de Moraes), a existência ou não de efeitos retroativos à Lei 14.230/21, que alterou o regime das improbidades administrativas no Brasil (Lei 8.429/92) [1]. Enquanto isso, as discussões jurídicas em torno da temática se multiplicam, tanto na doutrina quanto nos tribunais de segunda instância e nos juízos singulares.
Em 20 de janeiro deste ano, publiquei neste espaço o texto "Disfarçando as evidências na renovada lei de improbidade administrativa" [2]. O título, com toda a instigação subliminar, direcionava-se a salientar a importância da alteração procedida pela Lei 14.230/21 na disposição do artigo 7º, parágrafo único da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), cuja interpretação pretoriana, oriunda de julgados do STJ, compreendia tratar-se de tutela de evidência, dispensando, por conseguinte, o requisito do periculum in mora [3].
A intepretação praticamente transformou a indisponibilidade de bens em medida automática no ato de recebimento da ação de improbidade administrativa, levando o legislador a revogar o parágrafo único do artigo 7º da Lei 8.429/92. Além disso, a lei passou a qualificar a medida processual como de tutela provisória de urgência (artigo 300 do CPC), condicionando o seu deferimento à presença cumulativa do perigo de dano irreparável e do risco ao resultado útil do processo (§3º do artigo 16), afastando, por fim, a possibilidade de se invocar a urgência presumida (§4º do artigo 16, parte final da Lei 8.429/92 atualizada) [4].
Não obstante, outro problema relativo à indisponibilidade de bens tem sido enfrentado nos processos judiciais de improbidade administrativa. Mercê do seu caráter processual, conforme dispõe o artigo 14 do CPC [5], alguns julgados têm reconhecido que a alteração legislativa não atingiria medidas deste jaez que tivessem sido concedidas antes da vigência da nova lei (tempus regit actum).
O raciocínio cria, no mínimo, um paradoxo. Medidas de indisponibilidade concedidas antes da Lei 14.230/21 subordinam-se a um regime de requisitos, ao passo que medidas de mesma natureza e objetivo concedidos depois, participam de outros condicionamentos. O princípio da igualdade se desconforta com essa distinção, data vênia!
É que o artigo 296 do CPC determina que "a tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada". Isto porque sua concessão se apresenta sempre em caráter rebus sic stantibus [6], subordinando-se, pois, às alterações nas situações de fato e de direito posteriores que sejam capazes de influenciar na manutenção da medida [7].
Com efeito, "a medida de indisponibilidade de bens, ao buscar a eficácia de futuro ressarcimento ao erário decorrente de decisão judicial, possui caráter processual acautelatório, de modo que incabível a retroação das alterações legislativas, mas possível a aplicação imediata aos processos judiciais em curso. Existindo, por um lado, norma expressa de que não se presume a urgência para a decretação da indisponibilidade de bens e, de outro, ausente elementos de prova, a princípio, hábeis a demonstrar eventual dilapidação do patrimônio, que venha a frustrar futuro ressarcimento ao erário, descabida a medida proferida na origem, ante a ausência de preenchimento dos requisitos da tutela de urgência" [8].
Portanto, a alteração legislativa veiculada pela Lei 14.230/21 revela-se, na forma do artigo 296 do CPC, como alteração fático-jurídica superveniente bastante para que sejam revertidas as tutelas de evidência anteriormente concedidas, sempre que nos processos em curso não houver a comprovação conjunta dos requisitos da fumaça do bom direito e do perigo na demora, convindo destacar que o próprio legislador veda a presunção desse requisito (artigo 16, §4º da Lei 8.429/92, redação atual) [9].
Como se vê, embora as novas regras relativas à indisponibilidade de bens na lei de improbidade administrativa tenham caráter processual, elas: (a) têm aplicação imediata aos processos em curso (artigo 14 do CPC); (b) devem ser apreciadas à luz da regra mais específica do artigo 296 do CPC, considerando-se que se trata de inovação fático-jurídica capaz de ensejar a reapreciação da medida pelo juiz ou tribunal, até porque os efeitos da tutela provisória, diferentemente de atos processuais setorizados, tem duração continuada e postergada no curso do feito.
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