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A guerra do feijão

  • 29 de julho de 2020

Acredite-se ou não, no meio de uma pandemia que já matou mais de 140 mil americanos e deixou milhões desempregados, e com manifestantes antirracistas nas ruas e cidades em chamas, estamos brigando sobre o grão

Num país altamente polarizado, como o Brasil ou os Estados Unidos, cada palavra, gesto ou ato tem um significado político. Basta olhar para o mais novo campo na guerra cultural norte-americana. Acredite-se ou não, no meio de uma pandemia que já matou mais de 140 mil americanos e deixou milhões desempregados, e com manifestantes antirracistas nas ruas e cidades em chamas, estamos brigando sobre feijão. Isso mesmo: o grão que é unanimidade entre os brasileiros virou motivo de polêmica.

Tudo começou em 9 de julho. Numa tentativa cínica de ganhar votos, Donald Trump, que durante seu mandato tem constantemente hostilizado e insultado o eleitorado de ascendência latino-americana, de repente anunciou uma “Iniciativa para a Prosperidade Hispânica”, e, para lançar o projeto, pediu a participação de vários bem-sucedidos empresários hispânicos. Alguns deles educadamente recusaram o convite, mas entre o grupo que compareceu ao evento estava Robert Unanue, presidente da empresa de produtos alimentícios Goya.

A Goya é a empresa latina mais visível nos Estados Unidos, símbolo do empreendimento dos imigrantes latino-americanos e com vendas anuais de mais de US$ 1,5 bilhão. Então, quando Unanue puxou o saco de Trump dizendo que “somos abençoados em ter um líder como o senhor, um construtor”, a reação foi instantânea. Líderes da comunidade latina aqui montaram um boicote total à empresa. Uma deputada de origem porto-riquenha postou a receita do sazón, um dos muitos molhos e temperos que a Goya vende; atores, atrizes e cantores latinos denunciaram a empresa; e o YouTube ficou cheio de imagens de consumidores jogando latas de feijão Goya no lixo.

Minha mulher e eu aderimos ao boicote. Na ausência de marcas brasileiras nos principais mercados, nos acostumamos a substituir por vários produtos Goya, inclusive o feijão enlatado (tanto o preto como o carioca e o fradinho) e o leite de coco.

 “E AQUI DEVO ESCLARECER QUE NOS ESTADOS UNIDOS QUASE NINGUÉM CONSEGUE DIFERENCIAR O BRASILEIRO DO IMIGRANTE LATINO-AMERICANO DE FALA ESPANHOLA”

 

 

Para a grande maioria, é tudo igual, uma massa de morenos que veio do sul, fala o mesmo idioma e come os mesmos pratos. Quando morávamos em Miami, há 25 anos, minha mulher se cansou de explicar que “nós brasileiros somos latinos, mas não somos hispânicos”.

O sr. Unanue, em vez de admitir que tinha dito besteira, decidiu dobrar a aposta. Deu entrevista ao único canal de TV que apoia Trump abertamente e alegou que os organizadores do boicote estavam tentando “suprimir meu direito de livre expressão”. Disse também que havia participado de eventos na Casa Branca com Obama e que não vê diferença entre ele e Trump — como se Obama também tivesse dito que os mexicanos são estupradores ou encarcerado crianças imigrantes em gaiolas ou começado a construção de um muro na fronteira. “Estamos com o presidente”, completou.

Bom, com isso, a reação da direita trumpista não tardou a aparecer. Primeiro, a filha e assessora do presidente, Ivanka, tuitou uma selfie, toda sorridente, segurando uma lata de feijão preto Goya, como se fosse garota-propaganda. Depois, o próprio presidente marqueteiro foi fotografado no majestoso Salão Oval da Casa Branca, em frente à bandeira nacional, com cinco produtos Goya em sua escrivaninha, incluindo biscoitos, molhos e dois tipos de feijão, fazendo sinal de aprovação. Mais engraçado ainda são os vídeos de trumpistas consumindo produtos Goya. Fazem caretas de nojo ao engolir uma colher de feijão preto, direto da lata e ainda não cozido, aparentemente um prato que eles desconhecem.

Uma das razões pelas quais estou escrevendo sobre nossa guerra de feijão é que gostaria de incentivar as empresas brasileiras a entrar no mercado norte-americano. Sempre achei a goiabada da Goya inferior à equivalente brasileira, e a água de coco deles é muito adocicada: botam açúcar em água de coco pura! E o sabor das pérolas de tapioca, que vêm de longe, do sudeste asiático, e do palmito, importado do Equador ou da Venezuela, também é pior que o brasileiro.

Outro dia, minha mulher voltou do supermercado toda feliz e orgulhosa. Tinha encontrado uma novidade nas prateleiras: potes de mel orgânico “Made in Brazil”. Quer dizer, existem muitas oportunidades aqui para iguarias brasileiras, e não é nem preciso desmatar a Amazônia para gerá-las. Vou perseverar apoiando o boicote, claro. Mas não quero continuar comprando leite de coco procedente da Tailândia e já estou sentindo falta de um gostoso feijão tropeiro ou um saboroso tutu à mineira. Quem no Brasil pode me ajudar a matar minhas saudades?

Larry Rohter, jornalista e escritor, é ex-correspondente do “New York Times” no Brasil e autor de “Rondon, uma biografia”

 
   
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