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Entrevistas

Governo precisa investir e recuperar a capacidade de planejar, executar e supervisionar

  • Entrevistado: José Paulo Kupfer
  • Data da entrevista: 22 de agosto de 2018
Entrevistado

A força da mídia na vida dos brasileiros parece ter incomodado o ministro Guido Mantega. Recentemente, diante da repercussão dos meios de comunicação ao desempenho da economia nacional, ele disse que o povo sabe mais da crise pela imprensa do que pelos reflexos na rotina diária. Mas, afinal. A imprensa tem esse poder de provocar alarde em situações que não exijam tantos cuidados? Como, de fato, está a economia nacional?

Para entender mais sobre a realidade da economia brasileira sob o ponto de vista de quem comenta, repercute e reporta a situação do país, O Economista conversou com o jornalista José Paulo Kupfer, graduado em economia pela USP, mas que adotou o jornalismo como profissão há 45 anos, desde o início da carreira.

Kupfer já escreveu para os jornais O Globo e Jornal do Brasil e nas revistas Exame e Veja. Foi editor da IstoÉ, colunista da Gazeta Mercantil e, enquanto secretário de redação do Estado de S. Paulo, criou o caderno de economia do jornal, nos moldes que permanecem até hoje.

Foi um dos primeiros articuladores de economia na internet e há aproximadamente três anos voltou ao Estadão para atuar na coluna em que escreve regularmente. O jornalista concorda com o ministro Guido Mantega: “Não só aqui no Brasil, mas em nenhum lugar do mundo, o governo perde eleição quando o nível de emprego está razoável”, sustenta. Apesar disso, acredita que o governo está “afobado” nas decisões para estimular os resultados positivos do país, e que, embora a economia esteja mais fraca, a visão sobre o desempenho brasileiro está limitada.

De acordo com Kupfer, é preciso ampliar o debate para que se saiba exatamente como está a posição do Brasil diante da realidade mundial, investindo mais e estimulando novamente a capacidade de planejar, executar e supervisionar.

O Economista: Em uma declaração recente, o ministro Guido Mantega disse que as pessoas estão sabendo da crise econômica mais pela imprensa do que pelo reflexo no dia-a-dia delas. Você acha que com isso ele quer dizer que a crise é menor do que o noticiado? A imprensa tem esse poder de potencializar as coisas como ele está querendo dizer?

Kupfer – Não, eu acho que ele está querendo dizer que a economia brasileira, no período da crise atual – que começa em 2007 e tem um marco histórico em setembro de 2008 – foi menos afetada e, as economias maduras, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos – porque o Japão já vinha tendo dificuldades antes – foram mais afetadas pela crise. Ele quer dizer que a economia brasileira passou por um período de estímulo ao consumo, primeiro com um crescimento razoavelmente forte e depois com a manutenção do nível de emprego em ponto alto – mas isso, também, não sei se vai ser o caso, porque precisa ser bem qualificado; o mercado de trabalho brasileiro é muito informal. O crédito, que era baixíssimo na economia brasileira, cresceu muito rápido, chegou num ponto que ainda é baixo para os padrões internacionais, mas cresceu rápido. E tudo isso, na minha opinião, é verdade por conta de um cenário, de um ambiente que se combina, de certa maneira feliz, as melhorias institucionais que foram mais marcantes no governo anterior, do Fernando Henrique, com, finalmente, a aplicação bem-sucedida da ideia de que este é um país com um mercado interno de um potencial gigante e que a péssima distribuição de renda impedia de se desenvolver. Coisa que foi obtida parcialmente, mas claramente obtida, com os programas de transferência de renda, com a forte recuperação do salário mínimo do governo Lula. O que o governo Dilma vai continuar enfrentando e, que a população não vai continuar sentindo tão forte, são os problemas deste modelo de expansão, que de certa maneira bateu no teto, e precisa de coisas mais sofisticadas do lado do investimento, do lado da oferta, para poder progredir. Então eu acho que ele [o ministro] tem razão. Na verdade a economia, para as pessoas, está indo relativamente bem.

E – Você acha que a imprensa estimula o governo a pensar em soluções ou a comunicação não exerce esse papel? Qual relação seria a ideal?

K – Há um problema grave, isso é opinião minha, especialmente na imprensa econômica, no eixo Rio-São Paulo e alguns grandes jornais de outra região, a Zero Hora, que é a cobertura da economia de forma distorcida. É o que eu chamo de jornalismo de prateleira. Isso acontece por diversos fatores. Um deles é o enxugamento das redações, o que faz com que o pauteiro tenha menos tempo para ir atrás das informações e há uma falta de tempo do repórter também. O outro é a profissionalização das assessorias de imprensa. Um exemplo: eu estou aqui com meu e-mail aberto e está cheio de mensagens de pessoas se colocando à disposição para entrevista. Eu não gosto dessa palavra, e quero que você deixe bem destacado, mas esse jornalismo de prateleira acaba recorrendo para fontes neoliberais. Porque são essas pessoas que querem falar. São consultores e universidades, faculdades que seguem essa linha, de novo a palavra, neoliberal. Mas é porque quem pensa diferente não está disponível. Se a gente procura gente que pensa de uma outra forma, é mais difícil, perguntam se não pode ser na semana que vem… Nem que a gente queira. Eu tento fazer esse contraponto de onde estou, inclusive. Eu fiz uma pesquisa de fontes em alguns principais jornais: Estadão, O Globo, Folha. Captei 500 participações. 85% das citações eram de consultorias, departamentos de economia, escolas neoliberais. Fica tudo com uma visão só. E não é culpa da empresa, do jornal. É desse jornalismo de prateleira. O debate fica enviesado. O pauteiro vai lá na prateleira e acha a fonte. É mais fácil.

E – Então precisa ampliar o debate.

K – Obviamente que sim. Mas isso implica em o jornalista suar a camisa e os profissionais que não são do ambiente se comprometerem em participar do debate. Como eu disse, se não a discussão fica enviesada. E não é uma questão ideológica do jornal. É um problema funcional. Quem tá dentro sabe que é funcional. Por exemplo, a notícia de que o PIB do trimestre cresceu 0,6% foi noticiada como algo desastroso. Mas não foi. Não se destampou a caixa de análises do mundo. A economia está em recuperação e esse resultado aponta para isso. Agora, há um problema porque o susto foi grande. O resultado veio muito abaixo do que era previsto. Foi um erro de cálculo que precisa ser visto. Um erro generalizado.

E – Sobre essas medidas consecutivas que o governo vem lançando nos últimos tempos, como a questão das elétricas, a renovação do PSI, o pacote logístico anunciado em agosto, a redução do IPI para bens duráveis… elas podem causar ações efetivas ou só são tentativas que derrapam diante da realidade econômica do país e do mundo?

K – O governo está muito afobado. A Dilma errou em fixar uma meta para crescimento de 4%. Não vai crescer 4% e isso vai ser visto como uma falha, um fracasso. Eles estão tentando atirar para todos os lados. O governo está fazendo esforços na área de investimento, o que está certo e, também não abriram mão do consumo, que garante emprego. A inflação está sob controle, desconfortável, mas controlável. Mas o maior problema é que agora o investimento é difícil porque a situação, inclusive cambial, é diferente do governo Lula que levou o crescimento que a gente viu. Hoje o governo Dilma tem uma incompetência, mas é vítima das últimas décadas, da incapacidade de projetar e executar grandes projetos desde o governo Geisel. Veja essa concessão dos portos, aeroportos, setor elétrico, trem bala, quantos projetos apareceram, a transposição do São Francisco. Tá uma bagunça. Mas é que houve aquela demolição histórica da capacidade de planejamento do Estado. O que a Dilma tá querendo fazer é, com o carro em movimento, trocar o pneu.

E – Mas, conforme você disse, esses problemas não vão ser sentidos pela população?

K – Eu acho que não vão. A economia vai crescer pouco em todo o governo Dilma. Eu acho que numa média de 3% em todo o governo. É terrível? Eu acho que não. Além disso, em nenhum lugar do mundo, não só aqui no Brasil, o governo perde eleição quando o nível de emprego está razoável. Tendo a chave do crédito para a população e o emprego sob controle, não perde eleição.

E – Agora falando um pouco da sua história como jornalista econômico, de todos os fatos, eventos, pessoas que passaram pela sua carreira, o que mais marcou?

K – A primeira coisa que eu posso dizer é que é uma editoria hipertrofiada ao extremo, porque aqui a economia é mais importante. É histórico. Primeiro por causa da época da recessão econômica, quando todo mundo sabia fazer conta de tudo, tinha que saber fazer, sair de casa com uma calculadora. Depois por causa da ditadura e a promessa de crescimento econômico. Não há lugar no mundo que cubra economia como nós. Em quantidade e qualidade. E, sobre cobertura, não houve nada nesse período pior do que o Plano Collor. Foi uma grande confusão tentar explicar para as pessoas como funcionava aquilo. Na época eu estava no Estadão, era secretário de redação, e coordenei a cobertura. Eu achei que por causa daquilo ninguém ia mais comprar jornal. Na verdade a maioria era assinatura, mas mesmo assim, eu não sabia como alguém poderia continuar assinando o jornal sendo que não tinha mais dinheiro. Mas naquela época eu apostei e errei porque o jornal se mostrou o meio mais adequado de as pessoas saberem o que estava acontecendo. A circulação aumentou 50% por causa da quantidade de contas que as pessoas precisavam fazer. Então elas saíam de casa com um lápis, uma calculadora e, não dá pra fazer conta com a TV ou o rádio, então levavam o jornal. Mas nós tomamos sustos surpreendentes com o Collor. Outro momento importante foi o Plano Real. Percebeu que o que mais me marcou foram os planos, né? O Plano Real era brilhantíssimo, sensacional. Fácil de explicar o funcionamento dele em todas as chaves econômicas. As crises cambiais foram interessantes de serem cobertas, enfim, tudo o que produziu os abalos na nossa economia.

E – O que falta para as coisas melhorarem?

K – Falta investimento e a capacidade de planejar, executar e supervisionar. Convencer o setor privado de que o governo não está interferindo negativamente. Porque essa resistência do setor privado é histórica. Eles têm resistência a qualquer mudança estrutural. Houve resistência na época da redução da inflação porque a adaptação ao novo cenário foi complicada. Hoje, a indústria está tendo resistência à redução dos juros, porque eles conseguiam investir e recuperar, com os juros mais altos, o dinheiro que não conseguiam com a produção. Os bancos se descobriram ineficientes. Mas é claro que eram ineficientes com os juros de antes. Agora eles têm que ser eficientes. Mas eu sou esperançoso com a redução dos juros, de que é positiva porque foi fundamental. Essa redução dos juros vai terminar promovendo um ajuste positivo para a economia. E eu acho que o país vai continuar melhorando. Porque se percebeu que todas as coisas podem ser melhores quando se melhora a distribuição de renda.

 

Fonte: O Economista

   
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