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Entrevistas

Uma política transformadora depende de uma identidade coletiva e de um Estado forte

  • Entrevistado: Roberto Dutra Torres Junior
  • Data da entrevista: 20 de junho de 2018
Entrevistado

“O desafio maior dos progressistas é reconstruir uma estratégia, com objetivo e método, para induzir transformações estruturais em diferentes esferas da vida social, especialmente na economia, na política, na educação e no direito”, adverte o sociólogo Roberto Dutra na entrevista a seguir, concedida por e-mail para IHU On-Line. Isso significa, explica, colocar em pauta a “questão nacional”, que precisa estar articulada a uma identidade coletiva e a um Estado forte, que “são dois requisitos essenciais para a ação política transformadora”.

Defensor de um Estado forte e atuante, Dutra sugere que, na atual conjuntura, o Brasil precisa de uma agenda que “combine reorganização da economia com o fortalecimento das capacidades estatais para fornecer e melhorar serviços públicos e garantir direitos de cidadania”.

Roberto Dutra Torres Junior é doutor em Sociologia pela Humboldt Universität zu Berlin e mestre em Políticas Sociais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF. É professor da UENF e ex-diretor do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - Ipea.

Confira trechos da entrevista:

IHU On-Line – Em um artigo recente o senhor afirmou que “a questão nacional é o maior desafio dos progressistas”. Pode explicitar essa ideia?

Roberto Dutra Torres Junior - O desafio maior dos progressistas é reconstruir uma estratégia, com objetivo e método, para induzir transformações estruturais em diferentes esferas da vida social, especialmente na economia, na política, na educação e no direito. Isto significa elevar novamente o nível das expectativas para além da correção meramente retrospectiva dos efeitos que as estruturas institucionais vigentes possuem nas chances de vida das pessoas, ambicionando a construção de estruturas institucionais caracterizadas por formas de inclusão capazes de engrandecer a vida da mulher e do homem comum. A questão nacional é central para esta tarefa transformadora. A modernidade política não produziu identificação coletiva mais universalista e forte que a ideia de nação.

A politização e a transformação das estruturas de desigualdade não teriam sido possíveis sem a referência ao Estado nacional: o pertencimento à “comunidade imaginada” (Benedict Anderson) da nação organizada territorialmente em torno de um Estado foi a única dimensão com recursos materiais e simbólicos suficientes que serviu de arena para desconstrução das estruturas de desigualdade. A identidade coletiva de cidadão nacional produziu um sentimento de grandeza compartilhada pelas classes populares e médias que não encontra paralelo em nenhum pertencimento “pós-nacional” que a modernidade contemporânea tenha produzido.

Na esfera da política, a identidade nacional é o coletivo que mais reúne os atributos para politizar e desconstruir as desigualdades e pertencimentos de classe, étnicos e de gênero. A identidade nacional permitiu, ainda que por meio da guerra, a generalização e popularização de uma grandeza política coletiva, com gramáticas morais e políticas igualitárias, e nenhuma institucionalidade “pós-nacional” conseguiu produzir um “equivalente funcional” para esta construção política da identidade nacional-popular. Isto não significa abandonar o horizonte internacionalista dos progressistas, mas sim entender que a própria ideia de Estado-nacional é o resultado mais sofisticado de uma globalidade política que, mesmo sendo colonial ou neocolonial em muitas de suas facetas, possui justamente no ideal de autodeterminação dos povos o seu elemento igualitário.

Identidade nacional

A identidade nacional é a fonte sociocultural de toda política democrática efetiva. Este é o primeiro motivo para a centralidade da questão nacional. O segundo é que uma identidade nacional forte é requisito para o desenvolvimento de capacidades estatais transformadoras. Embora a aposta no nacionalismo seja sempre problemática, já que ele mascara ou pode mascarar estas desigualdades, a mobilização e a reconstrução da identidade nacional mostraram sua face dialética: tornaram-se “matéria-prima” decisiva na produção de capacidades estatais para transformar estruturas sociais e institucionais tanto em experiências bem-sucedidas da social-democracia, nas malsucedidas do socialismo estatizante e autoritário e também nas experiências nacional-desenvolvimentistas da América Latina e da Ásia.

Neste segundo aspecto o interesse maior dos progressistas na questão nacional tem a ver com a construção do próprio Estado capaz de induzir processos de transformação social. A reconquista de nossas capacidades estatais é o problema central aqui. Refazer as capacidades de resposta do Estado para o que é imediato é condição necessária, embora não suficiente, para qualquer projeto nacional de desenvolvimento.

A questão nacional ameaça assumir contornos maquiavélicos entre nós. É preciso quebrar o processo de fragmentação dos centros decisórios que produz inflação de decisões de pouco alcance, deslegitimação da política e das decisões coletivas de maior alcance.

IHU On-Line - O que significa pensar “a questão nacional” no atual momento político do Brasil?

Roberto Dutra Torres Junior - Significa pensar a questão da estratégia de transformação estrutural da sociedade. A questão nacional articula identidade coletiva e capacidades estatais, que são dois requisitos essenciais para a ação política transformadora. No atual momento político, a reconquista de nossas capacidades estatais é urgente porque o Estado brasileiro tem se mostrado crescentemente incapaz de responder às demandas sociais imediatas. À medida que o Estado se reconstrói para responder ao que é imediato, ele se legitima para cuidar do que é estratégico, em torno de grandes projetos políticos que exigem o alargamento dos horizontes temporais da política para obter apoio social. A construção de uma identidade nacional forte e inclusiva depende das capacidades políticas do Estado para alargar os horizontes temporais do jogo político, incidindo especialmente sobre a formação dos interesses das classes intermediárias e populares por meio de políticas que forneçam soluções seguras para o que é imediato, como emprego, renda e segurança pública.

Mas o êxito das políticas públicas em alargar horizontes temporais e fixar identidades e maiorias políticas também promove, em um processo autopoiético do sistema político-administrativo (Luhmann), o fortalecimento das próprias capacidades políticas do Estado para produzir decisões coletivas. A importância da questão nacional na conjuntura política de 2018 tem, portanto, estas duas dimensões:

1) construir maioria política e eleitoral que sirva como fonte de poder político para o próximo governo federal,

2) conduzir um projeto de fortalecimento das capacidades estatais.

A combinação exitosa destas duas dimensões é o caminho mais promissor e efetivo para induzir uma dinâmica de autolegitimação e autopossibilitação da ação política transformadora. A questão nacional — a questão da soberania — é o conceito que melhor cumpre a função de sintetizar esta agenda estratégica.

IHU On-Line - Como a pauta da redução das desigualdades se relaciona com a pauta da “questão nacional”?

Roberto Dutra Torres Junior - A redução das desigualdades se relaciona com a questão nacional de dois modos. Primeiro, a percepção das desigualdades sociais como algo mutável e contingente, e não como algo necessário e natural, só deixou de ser uma mera semântica de crítica social para orientar concretamente programas políticos no contexto de Estados nacionais que lograram reunir capacidades técnicas e políticas para transformar estruturas sociais em uma sociedade complexa, diferenciada em esferas autônomas.

A ideia de complexidade exige reconhecer que o Estado e a política não podem ser soberanos no sentido de controlar o que acontece e o que se desenvolve em todas estas esferas.

Mas mesmo assim é possível diferenciar soberania de subordinação. Soberania significa a capacidade estatal de construir decisões coletivamente vinculantes em um determinado território, e isto envolve criar a própria identificação coletiva que vai apoiar estas decisões. Não se trata apenas de desenvolvimento e afirmação na esfera da economia. Envolve uma demanda de soberania política que, em termos realistas, só se concretiza com um Estado nacional forte, política e tecnicamente capacitado para induzir processos de desenvolvimento em esferas como educação, direito e ciência. Nenhum país conseguiu aumentar sua importância econômica, e nem incluir mais pessoas com qualidade na economia, sem que determinadas transformações e desenvolvimentos estruturais ocorressem nas esferas da educação, do direito e da ciência.

Reduzir desigualdades é um processo complexo, pois envolve transformar estruturas de desigualdade em diferentes esferas, o que só é possível como autorregulação e auto-organização destas próprias esferas. A intervenção estatal deve ser um convite à autorregulação e à auto-organização, fornecendo incentivos para que sistemas como economia, direito e educação se reorganizem com padrões inclusivos em toda a extensão de suas práticas, rompendo os limites de políticas compensatórias que atacam os efeitos da desigualdade apenas de modo retroativo, mas não transformam sua estrutura.

Construtivismo institucional

O pano de fundo destas ideias é uma pesquisa teórica com o objetivo de construir uma concepção sociológica da intervenção social. Venho buscando desenvolver esta concepção a partir da teoria dos sistemas do sociólogo alemão Niklas Luhmann, em diálogo com pensadores brasileiros como Oliveira Vianna, Alberto Guerreiro Ramos e Roberto Mangabeira Unger, todos dedicados à tarefa de pensar o Estado como arena de transformação da sociedade. Há, nos três, uma combinação rara: teoria social com imaginação institucional. Fazem parte de uma tendência de pensamento que o cientista político Carlos Sávio Teixeira chama de “construtivismo institucional”. Os primeiros resultados desta pesquisa aguardam publicação em artigos científicos.

O segundo aspecto da importância da questão nacional para a redução das desigualdades é que o pertencimento político ao Estado nacional constitui a esfera fundamental a oferecer-se como contraponto às estruturas de desigualdade, permitindo observar estas estruturas como contingentes e arbitrárias em face da pretensão da cidadania igualitária compartilhada pelos nacionais. Marshall esteve atento a este aspecto ao estabelecer que a cidadania política foi o motor mais efetivo na construção dos direitos sociais que concorriam com as desigualdades de classe e status, tornando o acesso a um padrão de vida “civilizado” algo relativamente independente do lugar social de nascimento das pessoas.

A cidadania nacional foi e é a forma mais universalista e efetiva de inclusão política que a modernidade política construiu. Continua sendo a principal alternativa de acesso a bens e recursos sociais enquanto “equivalente funcional” igualitário para as estruturas de desigualdade. Resumindo: soberania é necessária para inclusão política efetiva e esta é necessária para inclusão social efetiva, ou seja, aquela inclusão social mediada e induzida pelo Estado.

IHU On-Line - Que tipo de agenda ou política no Brasil de hoje garantiria uma identificação coletiva universalista da sociedade?

Roberto Dutra Torres Junior - Creio que uma agenda que combine reorganização da economia com o fortalecimento das capacidades estatais para fornecer e melhorar serviços públicos e garantir direitos de cidadania. Nestes dois temas é preciso combinar o urgente com o prioritário. Emprego e segurança pública são as duas principais urgências das classes médias e populares. Mas o fortalecimento do Estado para induzir desenvolvimento econômico e garantir ordem pública poderia agregar uma maioria política estável, base para construir uma identificação coletiva mais universalista, capaz de apoiar estratégias de desenvolvimento e grandes projetos políticos focados no que é prioritário, pertencente a um horizonte mais alargado de futuro. Os temas associados ao sentimento de dignidade do homem e da mulher comum são os mais promissores para construir este tipo de identificação.

Quando o Estado brasileiro, com Vargas, começou a se constituir como Estado desenvolvimentista de bem-estar social, nos anos 1930, atraiu apoio crescente das camadas populares e médias que foram incluídas no universo da “cidadania regulada” (Wanderley Guilherme dos Santos) ou que aspiravam a esta inclusão. Gerou com isso um círculo virtuoso de legitimação: ao atender demandas por direitos sociais e inclusão, a concepção de Estado provedor de serviços e garantidor de direitos vai se fortalecendo e se legitimando na opinião pública.

Atualmente, as classes médias e populares, por mais descrentes e indignadas que estejam com o Estado, pedem socorro ao Estado, pois não dão conta de manter e projetar seu padrão de vida sem a presença dele. O governo que, por exemplo, conseguir aliviar o orçamento destas classes sociais com serviços de saúde e educação em um padrão minimamente aceitável de qualidade pode obter um apoio social forte e duradouro. Garantir uma vida mais segura e previsível para estes estratos sociais é a forma mais rápida e efetiva de obter apoio político por meio de política social.

IHU On-Line - Na sua avaliação, a esquerda tem mais dificuldades hoje do que no passado de garantir uma identificação coletiva na sociedade? Por quais razões isso acontece neste momento?

Roberto Dutra Torres Junior - A esquerda pós-ditadura sim, mas há uma tradição pré-golpe de 1964 que articulou a questão popular com a questão nacional: o trabalhismo histórico de Vargas, Jango e Brizola, que conseguiu atrair setores marxistas que viam na revolução nacional burguesa um passo indispensável na construção do socialismo. O PT nasceu se opondo ao trabalhismo histórico. Recusava inclusive a CLT e o legado nacional-desenvolvimentista de Getúlio Vargas. Lula tentou de certo modo se reconciliar com este legado e no poder mudou bastante o rumo do PT. O lulismo conseguiu agregar uma maioria avassaladora em seu auge e construiu uma identificação coletiva formidável. No entanto, ao contrário de Vargas e do trabalhismo histórico, o PT não tinha projeto nacional de desenvolvimento e desperdiçou o apoio social que Lula reuniu. Faltou o grande projeto de transformação das estruturas dependentes da economia brasileira, um projeto que conseguisse recriar os próprios interesses dos atores em jogo, como Vargas fez com os setores populares, médios e burgueses. Lula promoveu formidável inclusão social com as estruturas sociais e institucionais estabelecidas e, com o êxito de suas políticas, conseguiu apoio social para promover mudanças estruturais. Mas a falta de ideias e de rumo estratégico para o país acabou falando mais alto.

Agora, como o governo de direita concentrou em si a maior parte da indignação e reprovação popular, eu diria que as condições para a esquerda construir uma identidade coletiva em torno de um projeto de país são bastante favoráveis. Induzir a geração de oportunidades econômicas e reconstruir a autoridade pública do Estado na área de segurança pública gerariam um efeito de identificação a curto prazo muito forte. Mas somente um projeto de qualificação continuado de nossa economia e de nossos serviços públicos pode estabilizar esta identificação.

Por último, creio ser indispensável explorar a oposição entre “povo” e “elite”. A classe média sofre tanto quanto os pobres com o enfraquecimento do Estado para garantir a rentabilidade do capital financeiro. A esquerda é muito incompetente em conseguir convencê-los disso. Mas o nível de destruição trazido pelo governo Temer é muito visível, e vislumbro uma oportunidade de ouro para a esquerda, mais generosa que a de 2002. Como diria o velho Brizola: “a causa deles é tão ruim, tão miserável, tão infeliz, que com tudo na mão, eles não conseguem agradar praticamente a ninguém”.

IHU On-Line - O senhor defende a presença de um Estado nacional forte para induzir não somente o desenvolvimento econômico, mas em outras áreas, como educação, desenvolvimento científico etc. De outro lado, parte da esquerda também aposta num Estado forte, enquanto outra parte a vê como “viciada” e apegada demais ao Estado. Alguns inclusive criticam o fato de o Estado ser paternalista ou até mesmo o principal aliado das grandes empresas capitalistas. Diante dessas diferentes visões, como o Estado deveria agir no Brasil? Seria preciso algum tipo de mudança em relação ao modo de atuação do Estado até agora?

Roberto Dutra Torres Junior - Defendo uma concepção de Estado forte como núcleo difusor de processos de organização e/ou reorganização de outros subsistemas da sociedade, como economia, educação, direito e ciência. Esta concepção baseia-se na teoria sistêmica da diferenciação da sociedade de Niklas Luhmann e em uma análise histórico-sociológica sobre o papel do Estado nos processos de desenvolvimento nestes subsistemas em países ou regiões específicas da sociedade mundial.

Dois pontos precisam ser ressaltados aqui:

1) o Estado e a política não são o centro da sociedade; a sociedade é diferenciada em subsistemas com pretensões simultâneas e múltiplas de centralidade que produzem um mundo social multicêntrico e funcionalmente diferenciado. A “dominação da economia” não significa, por exemplo, que ela seja o centro da sociedade, mas sim que ela é o subsistema que mais desestabiliza e fragiliza a autonomia de outros subsistemas como a política.

2) Mesmo não sendo o centro da sociedade, a política organizada em Estado territorial possui incomparável capacidade de estruturar decisões coletivas, o que afeta diretamente o próprio sistema político-administrativo, mas indiretamente também a evolução organizacional de outras esferas, cujas organizações como escolas, empresas e tribunais podem ser influenciados pela política. Decisões políticas possuem um “poder evolutivo” formidável, pois elas permitem ao arbítrio humano reduzir e processar produtivamente a complexidade de agregar e construir orientações coletivas para a ação, e com isso induzir a geração de novas estruturas sociais. A política não controla o resultado da política pública, ou seja, as estruturas sociais reproduzidas e/ou produzidas na economia, no ensino etc., mas tem a capacidade de garantir a ocorrência de transformações, ainda que fujam do controle político. Criar um sistema político capaz de desestabilizar as estruturas da economia, do ensino e do direito é agenda central para a esquerda, na visão de Roberto Mangabeira Unger.

O Estado forte que defendo não é para escolher e promover “campeões nacionais”, embora isto seja às vezes necessário. Sua tarefa principal é criar condições para o desenvolvimento de outras esferas e subesferas da sociedade, como os diferentes setores estratégicos da economia e da produção de conhecimento. O Estado deve promover a microdiversidade de alternativas de mudança estrutural, ou seja, as condições ambientais para a organização e reorganização autônomas de diferentes esferas sociais. Ao induzir a dinamização da tessitura organizativa de outros sistemas sociais, um Estado forte pode ajudar no fortalecimento da sociedade e, especificamente, nas possibilidades de autotransformação social.

IHU On-Line – No mesmo artigo, o senhor afirma que parte dos progressistas, referindo-se ao PT e ao PSOL, “está afetada pela ‘doença infantil’ do esquerdismo”. O que isso significa e como se manifesta? Ainda nesse sentido, o que diferencia ser progressista de ser esquerdista? Há como desvincular uma concepção da outra?

Roberto Dutra Torres Junior - O esquerdismo (Lenin) é esta postura de superioridade moral que bloqueia setores do PT e do PSOL no esforço pela construção de maiorias e pela ampliação do poder. Em análise recente, Aldo Fornazieri afirmou que o PT inverteu Maquiavel: quando deveria dividir as forças do outro lado, a fim de agregar mais apoio para tomar o poder, optou por regredir a uma “ética da convicção” dos anos 1980, estimulando uma cultura política de militância afirmativa e acusatória que bebe no caldo moralista da política identitária e moraliza em grande excesso a busca de alianças.

O que Lenin chamava de “esquerdismo” é justamente esta forma moralizadora de marcar posição, que toma o lugar da forma política de ampliar o poder. O espantoso é que isto ocorre em um cenário aberto e favorável para que a esquerda reconquiste o centro e volte ao poder. Este esquerdismo fica evidente em algumas críticas a Ciro Gomes, como na censura às conversas de Ciro com o DEM, ou ao seu gosto pelas biografias de [Winston] Churchill, como se fosse uma “impureza estética” que desqualificaria o cearense como representante da esquerda.

Não vejo sentido em diferenciar progressista de esquerda, embora nem todo mundo que se identifique como progressista se veja como de esquerda. Os progressistas acreditam que as mudanças sociais podem, em certa medida, ser manejadas para promover uma grandeza compartilhada pela grande maioria das pessoas. A igualdade, já para Marx, não era um fim em si, mas condição para uma vida não alienada de produtor livre para as maiorias. O acesso à parte mais importante da riqueza é condição para esta vida grandiosa (não alienada), mas não um acesso estritamente igualitário. Os progressistas devem buscar promover a grandeza compartilhada que a maioria da população já cultiva em suas formas e estilos de vida, articulando estas concepções de grandeza a um sentido coletivo e democrático mais amplo. Minha referência aqui é Roberto Mangabeira Unger: progressistas são aqueles que buscam o engrandecimento da mulher e do homem comum por meio de transformações estruturais e institucionais.

IHU On-Line - Quais suas expectativas para as eleições deste ano? Já é possível adiantar alguma avaliação no atual momento? Algum possível candidato sinaliza discutir a questão nacional nos termos que o senhor propõe?

Roberto Dutra Torres Junior - No caso de desunião da esquerda, é improvável, mas possível um segundo turno entre extrema-direita (Bolsonaro) e centro-direita (Alckmin). O mais provável, porém, é um segundo turno entre centro-direita ou extrema-direita de um lado e Ciro Gomes ou o candidato do PT de outro lado. Marina tende a desidratar, a não ser que se torne a candidata da direita, como parece hoje desejar FHC.

Meu candidato é Ciro, por achar que ele discute a questão nacional com a seriedade que ela merece. A construção de um projeto nacional de desenvolvimento é uma empreitada que ele leva realmente a sério. Seria meu candidato mesmo com a presença de Lula. Outros pré-candidatos, como Aldo Rebelo e Manuela d’Ávila, também enfrentam a questão nacional com a mesma centralidade, mas Ciro está em melhores condições de agregar e crescer. Eu não teria problema em votar em um candidato de centro-direita, caso ele entendesse a centralidade da questão nacional. Mas nossa centro-direita é espiritualmente dominada pelo colonialismo mental do PSDB, bem representado por FHC. A extrema-direita é o hospício.

IHU On-Line - Hoje tem se falado em "reinvenção da política". Que tipo de reinvenção seria preciso para o Brasil de hoje?

Roberto Dutra Torres Junior - Reconstruir o básico é o primeiro passo, já que a Lava Jato e o golpe destruíram nossa principal liderança e desestabilizaram enormemente as estruturas de nosso sistema político. A “nova política” precisa reconstruir isto tudo que foi corroído, pois toda mudança estrutural pela via da política democrática pressupõe certa estabilidade nas regras do jogo e nas estruturas mais gerais do sistema, como seus partidos e quadros. Em resumo: a agenda da reinvenção deve ser a de centralização de poder político legítimo, reconquistando a política estatal e democrática. Fortalecer simultaneamente o Estado e a auto-organização da sociedade, sobretudo, com políticas públicas para enfrentar questões urgentes como a criminalidade organizada e comum.

 

   
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